quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Receita de ano novo

(Carlos Durmond de Andrade)

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
 

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
 

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Explicações sobre afastamento e imaginação original

Miró
Quero pedir a compreensão de meus visitantes pelo minha dispersão com relação a esse sagrado espaço, mas ultimamente andei pouco animado a preenchê-lo com palavras ou imagens, e tenho alguma consideração em termos de preservar a qualidade do que aqui insiro.

Dito isso, quero reafirmar também o meu descompromisso com formalidades, padrões temáticos ou orientações aprisionadoras no que se refere às minhas reflexões que por aqui exponho. Quero prosseguir nesse exercício de criar e tentar recuperar a essência do que sou, seja naquilo que existe distribuído em manifestações alheias, seja no que absorvo, reflito e cuspo em palavras ou outras formas de ação.

Ando, por esses dias, a propósito disso, pensando o quanto há progressivamente de menos original nesses espaços internéticos. Raro tem sido encontrar textos de análises ou registros visuais decorrentes de um olhar de mundo mais profundo. As pessoas tendem a repetir, dentro de uma rede de relações que facilmente se nivela por baixo.

A crítica, nesse contexto, tem se reduzido ao pobre ato de apoiar ou discordar superficialmente de alguns formadores de opinião. No rádio, TV, e mesmo nas redes sociais essa imponência da superficialidade assusta, quanto mais pelo fato de que ela orquestra orientações políticas.

Prosseguirei, diante disso, sim, expondo aqui idéias. Mas apenas na medida real de minha vontade e qualidade a altura que merece quem me lê ou enxerga nesse espaço cosmonicológico. Mais uma vez, meu agradecimento e estima pelos que prosseguiram, frequentemente ou não, visitando esse modesto ambiente de articulação de observações, idéias e reflexões daquilo dessa eterna tensão chamada indivíduo x sociedade.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Artistas de Porto Alegre reclamam de repressão a espetáculos de rua

Da Redação, Sul 21

Representantes dos artistas de rua de Porto Alegre estiveram reunidos com vereadores da capital, na Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece), para pedir o fim da suposta repressão ao grupo. O grupo alega que a prefeitura tem coibido a realização de espetáculos e manifestações artísticas nos espaços públicos da cidade.

Hamilton Garcia Leite, integrante do Sindicato dos Artistas e Técnicos (Sated-RS) e articulador da Rede Brasileira de Teatro de Rua, observou que o Decreto Municipal 11.929 obriga a expedição de licença para os realizadores de eventos em espaços públicos. No entanto, salientou que os espetáculos de teatro de rua não se enquadram nesta categoria. “Não fazemos eventos, mas somos proibidos até mesmo de ensaiarmos na rua. O decreto municipal fala em autorização para atividades recreativas, doutrinárias ou comerciais. Mas não fazemos recreação e sim diversão”, disse.

Hamilton também criticou “a privatização do espaço público” em Porto Alegre, afirmando que muitos locais da cidade estão ocupados por entes privados. Ele citou como exemplo o Largo Glenio Peres, onde a prefeitura permitiu o estacionamento de automóveis. “A legislação que permite a atuação livre dos artistas de rua já existe, basta ser aplicada”, destacou Garcia Leite, se referindo à Lei 10.376, aprovada em 2008. ”O espaço para a arte de rua está sendo ocupado por automóveis.”

A presidente da Câmara Municipal, vereadora Sofia Cavedon (PT), defendeu a regulamentação da Lei 10.376/08, a fim de que se diferencie atividades de recreação e diversão e permita que os artistas de rua possam atuar com mais liberdade. “Eles não podem ser submetidos a agressões na rua”, afirmou a vereadora.

Já o presidente da Cece, vereador Professor Garcia (PMDB), determinou que seja realizada uma reunião de artistas de rua e vereadores com integrantes da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) para tentar resolver o impasse por meio de uma solução negociada entre as partes envolvidas.
Ele também garantiu que a Comissão enviará ofício ao prefeito José Fortunati solicitando a regulamentação da Lei e que a Smam tome providências para que não haja mais repressão aos artistas. Também deverá ser realizada uma reunião com a Secretaria Municipal de Produção, Indústria e Comércio (Smic) para tratar dos critérios para as autorizações.

Para a Secretaria Municipal de Cultura os artistas de rua devem se cadastrar

"A SMC tem de lidar com a diversidade e administrar conflitos. A prefeitura tem de evitar que vários grupos ocupem simultaneamente o mesmo espaço", declarou o O representante da SMC, Breno Ketzer Saul | Foto: Leonardo Contursi/CMPA
O representante da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), Breno Ketzer Saul, disse que a SMC possui uma lista de 53 nomes de artistas populares de diversas áreas cadastrados, inclusive de outras nacionalidades. “Isso demonstra a diversidade com que a Secretaria de Cultura encara a arte popular. Não cabe à SMC administrar locais públicos, ela não controla a agenda desses locais.”
Saul informou ainda que a secretaria está aberta a novos cadastramentos de artistas e que o pedido de autorização para espetáculos em áreas públicas deve ser formalizado por meio de ofício ao Executivo. “A SMC tem de lidar com a diversidade e administrar conflitos. A prefeitura tem de evitar que vários grupos ocupem simultaneamente o mesmo espaço”, frisou.
Com informações da Câmara Municipal de Porto Alegre

"A legislação que permite a atuação livre dos artistas de rua já existe, basta ser aplicada", diz Hamilton Garcia Leite, representante dos artistas de rua | Foto: Leonardo Contursi/CMPA

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Em defesa da liberdade de pesquisa


Um precedente preocupante em Sorocaba


Os hospitais psiquiátricos privados da região de Sorocaba abriram um processo pedindo indenização por danos morais e materiais contra o Prof. Dr. Marcos R. V. Garcia, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) pela divulgação de pesquisa que investigou os óbitos ocorridos nestes hospitais.

O presente blog tem o objetivo de informar à comunidade científica brasileira e aos demais interessados sobre este precedente perigoso de tentativa de cerceamento à liberdade de pesquisa no Brasil e de divulgar os apoios ao referido pesquisador.




sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Patrícia enterra Ali Kamel

Ali Kamel, Foto: Conversa Fiada


O Conversa Afiada reproduz texto do Escrevinhador, de Rodrigo Vianna:


 A Globo confirma a saída de Fátima Bernardes do “JN”. No lugar dela deve entrar Patrícia Poeta – atual apresentadora do “Fantástico”.

Fiz hoje pela manhã – no twitter e no facebook – algumas observações sobre a troca; observações que agora procurarei consolidar nesse post. Vejo que há leitores absolutamente céticos: “ah, essa troca não quer dizer nada”. Até um colunista de TV do UOL, aparentemente mal infomado, disse o mesmo. Discordo.

Primeiro ponto: a Patrícia Poeta é mulher de Amauri Soares. Nem todo mundo sabe, mas Amauri foi diretor da Globo/São Paulo nos anos 90. Em parceria com Evandro Carlos de Andrade (então diretor geral de jornalismo), comandou a tentativa de renovação do jornalismo global. Acompanhei isso de perto, trabalhei sob comando de Amauri. A Globo precisava se livrar do estigma (merecido) de manipulação – que vinha da ditadura, da tentativa de derrubar Brizola em 82, da cobertura lamentável das Diretas-Já em 84 (comício em São Paulo foi noticiado no “JN” como “festa pelo aniversário da cidade”), da manipulação do debate Collor-Lula em 89.

Amauri fez um trabalho muito bom. Havia liberdade pra trabalhar. Sou testemunha disso. Com a morte de Evandro, um rapaz que viera do jornal “O Globo”, chamado Ali Kamel, ganhou poder na TV. Em pouco tempo, derrubou Amauri da praça São Paulo.

Patrícia Poeta no “JN” significa que Kamel está (um pouco) mais fraco. E que Amauri recupera espaço. Se Amauri voltar a mandar pra valer na Globo, Kamel talvez consiga um bom emprego no escritório da Globo na Sibéria, ou pode escrever sobre racismo, instalado em Veneza ao lado do amigo (dele) Diogo Mainardi.

Conheço detalhes de uma conversa entre Amauri e Kamel, ocorrida em 2002, e que revelo agora em primeira mão. Amauri ligou a Kamel (chefe no Rio), pra reclamar que matérias de denúncias contra o governo, produzidas em São Paulo, não entravam no “JN”. Kamel respondeu: “a Globo está fragilizada economicamente, Amauri; não é hora de comprar briga com ninguém”. Amauri respondeu: “mas eu tenho um cartaz, com uma frase do Evandro aqui na minha sala, que diz – Não temos amigos pra proteger, nem inimigos para perseguir”. Sabem qual foi a resposta de Kamel? “Amaury, o Evandro está morto”.

Era a senha. Algumas semanas depois, Amauri foi derrubado.

Kamel foi o ideólogo da “retomada consevadora” na Globo durante os anos Lula. Amauri foi “exilado” num cargo em Nova Yorque. Patrícia Poeta partiu com ele. Os dois aproveitaram a fase de “baixa” pra fazer “do limão uma limonada”. Sobre isso, o Marco Aurélio escreveu, no “Doladodelá”.

Alguns anos depois, Amauri voltou ao Brasil para coordenar projetos especiais; Patrícia Poeta foi encaixada no “Fantástico”. Só que Amauri e Kamel não se falavam. Tenho informação segura de que, ainda hoje, quando se cruzam nos corredores do Jardim Botânico, os dois se ignoram. Quando são obrigados a sentar na mesma mesa, em almoços da direção, não dirigem a palavra um ao outro. Amauri sabe como Kamel tramou para derrubá-lo.

Pois bem. Já há alguns meses, logo depois da eleição de 2010, recebemos a informação de que Ali Kamel estava perdendo poder. Claro, manteria o cargo e o status de diretor, até porque prestou serviços à família Marinho – que pode ser acusada de muita coisa, mas não de ingratidão.

Otavio Florisbal, diretor geral da Globo, deu uma entrevista ao UOL no primeiro semestre de 2011 dizendo que a Globo não falava direito para a classe C (o Brasil do lulismo). Por isso, trocou apresentadores tidos como “elitistas” (Renato Machado saiu pra dar lugar ao ótimo Chico Pinheiro – aliás, também amigo de Amauri). A  Globo do Kamel não serve mais.

Lembremos que, desde o começo do governo Lula, a Globo de Kamel implicava com o “Bolsa-Família”. Kamel é um ideólogo conservador. Por isso, nós o chamávamos de “Ratzinger” na Globo. É contra quotas nas universidades, acha que racismo não existe no Brasil. Botou a Globo na oposição raivosa, promoveu a manipulação de 2006 na reeleição de Lula (por não concordar com isso, eu e mais três ou quatro colegas fomos expurgados da Globo em 2006/2007). E promoveu a inesquecível cobertura da “bolinha de papel” em 2010 – botando o perito Molina no “JN”. Nas reuniões internas do “comitê” global, ao lado de Merval Pereira, tentava convencer os irmãos Marinho dos “perigos” do lulismo.

Lula sabe o que Kamel aprontou. Tanto que no debate do segundo turno, em 2006, nem cumprimentou Kamel quando o viu no estúdio da Globo. Isso me contou uma amiga que estava lá.

Os irmãos Marinho parecem ter percebido que Kamel os enganou. O lulismo, em vez de perigo, mudou o Brasil pra melhor. Mais que isso: a Globo agora precisa de Dilma para enfrentar as teles, que chegam com muito dinheiro e apetite para disputar o mercado de comunicação. Kamel já não serve para os novos tempos. Assim como os “pitbulls” Diogo Mainardi e Mario Sabino não servem para a “Veja”.

Dilma buscou os donos da mídia, passada a eleição, e propôs a “normalização” de relações. O governo seguiu apanhando, na área “ética” – é verdade. O que não atrapalha a imagem de Dilma. Há quem veja na tal “faxina” um jogo combinado entre a presidenta e os donos da mídia. Será? Dilma tiraria as “denúncias” de letra (o custo ficaria para Lula e os aliados). Do outro lado, os “pitbulls” perderiam terreno na mídia. É a tal “normalização”. Considero um erro estratégico de Dilma. Mas quem sou eu pra achar alguma coisa. O fato é que a estratégia hoje é essa!

Patricia Poeta no “JN” parece indicar que a “normalização” passa por Ali Kamel longe do dia-a-dia na Globo (ele ainda tenta manobrar aqui e ali, mas já sem a mesma desenvoltura). Isso pode ser bom para o Brasil.

Não é coincidência que a Globo tenha permitido, há poucos dias, aquela entrevista do Boni admitindo manipulação do debate de 89. A entrevista (feita pelo excelente jornalista Geneton de Moraes Neto) foi ao ar na “Globo News”. Alguém acha que iria ao ar sem conhecimento da família Marinho? Isso não acontece na Globo!

Durante os anos de poder total de Kamel, a Globo tentou “reescrever” o passado – em vez de reconhecer os erros. Kamel chegou a escrever artigo hilário, tantando negar que a Globo tenha manipulado a cobertura das Diretas. Virou piada. Até o repórter que fez a “reportagem” em 84 contou pros colegas na redação (eu estava lá, e ouvi) – “o Ali é louco de tentar negar isso; todo mundo viu no ar”.

Ali Kamel nega o racismo, nega a manipulação, nega a realidade. Freud explica.

Agora, Boni reconhece que a Globo manipulou em 89. Isso faz parte do movimento de “normalização”. O enfraquecimento de Kamel também faz.

Tudo isso está nos bastidores da troca de apresentadores do “JN”. Mas claro que há mais. Há a estratégia televisiva, pura e simples. Fátima Bernardes deve comandar um programa matutino na Globo. As manhãs são hoje o principal calcanhar de aquiles da emissora carioca. A Record ganha ou empata todos os dias. Com o “Fala Brasil”, e com o “Hoje em Dia”. Ana Maria Braga não dá mais conta da briga – apesar de ainda trazer muita grana e patrocinadores.

Fátima deve ter um novo programa nas manhãs. Ana Maria será mantida. Até porque na Globo as mudanças são sempre lentas – como no Comitê Central do PC da China. A Globo é um transatlântico que se manobra lentamente.

Se a Fátima emplacar, pode virar uma nova Ana Maria. O programa dela deve contar com outras estrelas globais (Pedro Bial, quem sabe?).

A mudança de apresentadores tem esse duplo sentido: enfraquecimento de Kamel (que continuará a ter seu camarote no transatlântico global, mas talvez já não frequente tanto a cabine de comando); e estratégia pra recuperar audiência nas manhãs.