Sebastião Pinheiro*
Há trinta anos, pelo mês de fevereiro de 1985, recebi a visita do amigo F. Füllgraf em plena Selva Amazônica. Ele vinha apoiado pelo primeiro governo do Paraná eleito pela vontade popular, para filmar o uso de Agente Laranja e assemelhados na área do futuro lago de Tucuruí. O Brasil fervia pelas “Diretas Já”. Ao reconhecer o ambiente e situação esdrúxula: “exumação de cadáveres, relatos de vítimas com múltiplos abortos ou eximindo fotos macabras de bebês mortos em caixões feitos especialmente para caber a cabeça do bebê. Em certo momento o cineasta usou a expressão “Isso é escatológico”. O significado do termo era estranho para mim, mas o entendi através do assombro dele e da equipe.
O tempo passou, aprendi os significados tanto religioso como mundano de escatológico, já que skatos em grego significa “excremento”.
Os amigos que acompanham o Facebook lembram que postei em 12 de Setembro um texto sobre o Glyphosate (que pode ser acessado clicando no título a seguir: "A perda dos ciclos e outras violências contra a Natureza"), com cuidado, pois quem tem formação “autodidata” necessita muita precaver-se com termos, fotos e conteúdos, pois um filósofo, recentemente, afirmou que as verdades do Google iluminam a ignorância e constrói novas verdades. Antevendo o sarcasmo nas entrelinhas cuido para ter boas fontes trianguladas para sua auto-certificação, pois os organismos de inteligência a muito deixaram os bivaques de quartéis, palácios de governos, CEOs e mídia e hoje fazem parte da manipulação, indução e condução de interesses de toda a ordem de desinformação.
Imploro que releiam a informação do dia 12 de Setembro para poder entender a foto e o que segue:
Soube agora, de ótimas fontes nos Estados Unidos da América que hospitais e grandes clínicas daquele país estão ministrando fezes humanas de pessoas saudáveis para os pacientes com salmonelloses e Clostridiose (C. difficille), pois é a única forma de controlar as infecções epidêmicas provocadas pela resistência desses micróbios ao Glyphosate, que já é parte da dieta de todos os norte-americanos e eliminou a biodiversidade em sua flora intestinal, pois não há água ou alimentos sem seus resíduos. Não há algodão, fraldas descartáveis, gazes, hisopos e material hospitalar que não tenha resíduos de Glyphosate ao qual, repetimos, somente as Salmonellas e Clostridium são resistentes.
Logo, teremos a oferta (foto) de diferentes tipos de excremento para o tratamento dos intoxicados-infectados com aquelas bactérias.
Vale apenas reiterar daquela postagem: “Isso traz uma nova desordem na luta entre saprófitos e patogênicos. Para evitar a presença de patogênicos, os saprófitos procuraram reduzir a presença de ferro (Fe) no ambiente e fazê-lo através conjugados chamados "siderophores". Os sideróforos são protetores importantes, um deles é o complexo B (B12, etc.). O que acontece é que agora os resíduos de Glyphosate (fungicida) combinado com os metais, reduzem a ação de formação de sideróforos protetores nos seres vivos expondo-os à ação de agentes patogênicos.
Ocorre que as Salmonellas e Clostridiums são mais resistentes ao Glyphosate seres e começamos a ver o resultado em vários países, a ponta do iceberg do genocídio que fará os holocaustos e massacres, como Nanquim, Katyn, Batak, Ruanda-Burundi, Camboja, parecem meras chacinas cotidianas, ao final o marketing, também é parte da indústria de alimentos (agronegócio).
Os protozoários Criptosporidum são beneficiários do seqüestro de ferro no meio ambiente pelo herbicida?
O magno problema global é que o uso de Glyphosate® no solo impede a "Hipótese de Ferro", que é a corrosão de dióxido de carbono e outros gases de Efeito Estufa, fixando-os no solo por sua insolubilidade através dos microrganismos. Por isso usamos Farinha de Rocha, Biofertilizantes na construção do Biopoder Camponês.”
Perde a vigencia o ditado brasileiro: No dia que merda valer dinheiro o pobre nasce sem.....
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*Engenheiro Agrônomo e Florestal, Ambientalista e Escritor
"O HAMAS, que é um grupo palestino muçulmano sunita, tem como intenção, através de ataques, serem ouvidos sobre a situação caótica de seu povo árabe, pois através do diálogo não houve uma resposta satisfatória."
terça-feira, 27 de outubro de 2015
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
Provocações do Tião - Seriedade é Identidade
Sebastião Pinheiro*
Ontem houve eleição no Canadá (sem urna eletrônica, mas com apuração eletrônica igual que na maioria dos países, lembrei do Brizola). Em 1967, De Gaulle cometeu a gafe de gritar “Vive Le Québec Libre” ao que o Primeiro Ministro Pearson respondeu: Os canadenses não precisam de liberação, mas já cruzamos o Atlântico duas vezes para defender a França. O Primeiro Ministro quebecois Pierre (Elliot) Trudeau, que governou por 15 anos fez o país alcançar a autonomia jurídica, em 1982, e oficializou o segundo idioma.
Nos Jogos Pan-americanos de Toronto (20015) o maduro goleiro Thye reserva da seleção de Pólo Aquático do Brasil foi acusado de invasão a domicilio e abuso sexual a uma jovem de 22 anos de idade. Nas eleições de ontem, venceu o filho primogênito Justin Trudeau (xará do cantor Bieber) e me fez lembrar o rótulo do “espumante francês” Veuve de Clicquot (foto): “Desde 1772 de pai para filho”, igual nos tribunais e universidades latino americanas. Será que ele avançará se livrando da figura da soberana e governador geral?
Em 1987, o mundo ficou escandalizado com uma menina Suíça de 13 anos abusada sexualmente por 4 atletas profissionais de futebol brasileiros em um hotel em Berna. Condenados, pagaram uma estrondosa multa e foram expulsos do país. Seriedade é identidade I. Falando em tribunais, no Brasil há a lei 8.069 em vigor desde 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, que atualizou e agravou as penalidades do Código Penal.
Há lugares onde a aparência é mais importante que a responsabilidade. Em 1981, o Primeiro Ministro Trudeau, em sua visita de Estado ao Brasil, chegou calçando tênis brancos e foi recebido pelo cavalariano Figueiredo & chanceler Saraiva Guerreiro contrafeitos. É interessante que um mês depois a TV Globo mostrou a comitiva de Figueiredo inadvertidamente pisando sobre o “Túmulo do Soldado Desconhecido” no Arco do Triunfo, onde deveria colocar uma coroa de flores... Recentemente um presidente que deveria prestar homenagem protocolar à sua bandeira passou por ela e ao ser advertido teve de retornar pelo protocolo...
Sobre a atual tramitação policial de invasão de domicílio e abuso sexual do atleta pouco se sabe, mas, seguramente, ele sabe que não deve pisar em nenhum país com acordo de extradição à Commonwealth.
No jornal de hoje, o ministro M A de Mello do STF, nomeado pelo primo presidente da República quando já vigia o ECA, vem a público sugerir uma tripla renúncia da Presidente e Vice-Presidente da República e do Presidente da Câmara dos Deputados. Porque será que omitiu o presidente do Congresso e o Presidente do Supremo Tribunal Federal em sua “solução salomônica”. Lembrei as palavras de uma dentista imigrante russa de Vladivostok, colega de aula na Vancouver Conmunity College: “O Canadá mobilizou 2 milhões de soldados para a Segunda Guerra Mundial” e perdeu mais de cem mil... Seriedade é identidade II.
Justiça é coisa tão séria que só poderia existir onde o Estado é pleno e para todos, o que começou na França época da criação do famoso espumante, no entanto, entre nós, na cidade de Carmo, nas MG, em 1991, uma criança protegida pelo ECA de 12 anos de idade foi abusada sexualmente, reiteradamente, por um adulto de 24 anos, encanador de profissão. Denunciado pelo pai da criança foi condenado e recolhido ao presídio... Contudo, o juiz do STF, nomeado pelo primo relatou a concessão de Habeas Corpus liberando o preso em decisão não unânime (3x2) com valor de jurisprudência como pode ser lido no trabalho científico da doutoranda em Antropologia Social no Museu Nacional, UFRJ e Laura Lowenkron, na Revista de Antropologia da USP, 2007, v. 50 Nº 2 “Menor(idade) e consentimento sexual em uma decisão do STF”. Vale à pena ler o documento acesso pelo Google/Scribid.
Procurei uma palavra para ausência do Estado. A mais próxima que encontrei foi "baderna" que só existe no Brasil e tem um fundo cultural muito importante (Maria Baderna). A outra é Bagunça de origem desconhecida.
Ao leigo não resta espaço aparente de reflexão, apenas estupefação real, já na Suprema Corte dos EUA se afirma serem eles a constituição viva.
Aparência & Realidade, Beleza & Tristeza, Baderna & Bagunça são realidades? Ninguém sabe o que significa ampersand, mas todos sabem para que serve o “hashtag”.
Quando da visita de Pierre Trudeau, dizem as más línguas que se ensaiou retrucar retribuindo a visita no mês seguinte em sandálias havaianas, mas foram demovidos ao saber do clima de Ottawa e Quebec. Felizmente, os professores de geografia não permitem enganos e aparências.
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Engenheiro agrônomo e florestal, ambientalista e escritor
domingo, 11 de outubro de 2015
MANDINGA...
Sebastião Pinheiro
*Engenheiro agrônomo, ambientalista e escritor
N.prot: 1176505. Prot. atendimento:2015-0005025288
Esta história pertence à memória
de uma anciã quilombola expulsa da sua terra na ditadura militar em Aracruz
pelos interesses da Casa de Windsor. Entrevistada por mim em 1983, onde vive,
no Lixão de São Pedro, junto com sua comunidade, na Ilha de Vitória, capital ES.
![]() |
Reprodução: History Room (http://historyroom1.blogspot.com.br/2015/04/assunto-para-o-2-ano-e-b.html) |
I - São Mateus já era um porto turbulento com
uma história longínqua com períodos cimentados sobre morte, desespero, dor e
desgraça nos navios negreiros de propriedade e bandeira de ingleses, holandeses
e portugueses, que ali aportavam com sua carga. Era o quinto maior porto de comércio de escravos, pela
facilidade de transporte pelo rio, que dá nome à cidade, até as Minas Gerais,
grande absorvedora de mão-de-obra na época.
É comum dizermos que o diabo mais sabe por velho que por
diabo. Em paráfrase, podemos, também,
afirmar que o "cavalheirismo e civismo ingleses", o são não
por educação, cultura ou humanismo, mas por antiguidade e aparelhamento na
organização do esbulho, guerra, repressão comercial ou através de seu sistema
de justiça. Há muitos capitães-de-mato
imitando-os nesta onda de "solidariedade" e voluntarismo.
Na região de São Mateus, uma das maiores primeiras
propriedades era a de um português de Cintra, de nome Joaquim Pedro com
familiares influentes na Corte lusitana e descendente direto de Vasco Coutinho,
Capitão Donatário da região.
O grande negócio da época era a cana-de-açúcar, mas para
a produção de açúcar (!). O que fazia
este colonizador comprar constantemente escravos africanos, devido à sua curta
vida útil, pelos maus-tratos no degredo e cativeiro. Para pagar aos traficantes ingleses, ele possuía uma das mais
belas e grandes plantações de fumo fora da Bahia e um alambique para a produção
de aguardente, ambos, com a devida autorização do rei de Portugal e
reconhecimento, agora, do jovem regime independente brasileiro.
O feitor, embora obeso e afável, era tão tirano e cruel quanto seus pares. Chegou a ter mais de seiscentos escravos.
Sentia-se justo, quando reprimia com severidade os
revoltados. Recompensado, quando
recebia a unção dos jesuítas. Seu
pelourinho manchado de sangue cheirava a carne podre. Ele era temido até por capitães-do-mato,
índios, negros fugidos e até mesmo pelos jesuítas.
As milícias portuguesas de segurança dos pioneiros raramente iam além da varanda da Casa Grande, pois ele a prescindia e o mesmo ocorria com as tropas com as novas cores imperiais.
Diziam as más línguas que seu pai alimentava seus cães
com carne humana de indígenas após as caçadas.
O novo império brasileiro nascia, e tudo ia às mil
maravilhas para o feitor de escravos.
Embora, em suas terras, não houvesse minérios, a produção agrícola
causava ciúmes aos mais poderosos mineradores do novo império.
Sua habilidade na administração das terras, plantações de
fumo, engenho de açúcar e produção de aguardente era invejada em toda a
Província ao sul da Bahia. Em suas
terras nasceram as primeiras melancias que os africanos semeavam por toda parte
ao longo dos caminhos. Eram as mais
doces e vermelhas cobiçadas nos calorosos verões à beira-mar e praça do
mercado.
Ele, ainda jovem, viu seu pai e toda sua numerosa família
ficarem calados quando foi declarada a independência do Império do Brasil de
Portugal, esperando não arriscar seu patrimônio, pois não entenderam a manobra
preventiva articulada por ingleses e portugueses.
II - Os tempos mudavam, e ele pressentia
dificuldades na reposição de escravos, quando os navios ingleses começaram a escassear
em suas visitas e ofertas no porto fluvial.
Depois até mesmo os oportunistas navios holandeses que aceitavam
qualquer mercadoria em escambo pelos escravos, faltavam e os preços da
mercadoria humana começaram a aumentar, em função da repressão britânica ao
comércio de escravos africanos, por interesse na capitalização industrial. Era uma nova fase para seu império, onde o
Sol não conhecia crepúsculo nem escrúpulos.
A expressão: "Mais caro que um negro e um cachimbo", passou à
história.
Joaquim Pedro, era seu nome, assumiu com a morte do pai,
não hesitou, pois tinha compromissos a zelar e desejava retornar à Europa o
mais rico possível.
Aceitou comprar o navio-negreiro do capitão proprietário
holandês, desde que ele fizesse uma última viagem transportando escravos para a
fazenda. Assim teria pelo menos mais 20
anos de mão-de-obra para seus empreendimentos. O preço era vantajoso: mil e duzentas arrobas de fumo e cem
barris de aguardente com dez anos de envelhecimento.
O capitão-proprietário holandês queria mudar de ramo, e
Joaquim Pedro sabia o valor do seu pagamento nos mercados europeus e mesmo no
Rio de Janeiro.
No inicio, o batavo relutou, mas aceitou fazer uma última
viagem, trazendo mais cento e cinqüenta escravos, pois Joaquim Pedro compraria
o navio cheio, para depois usá-lo no transporte de açúcar, fumo e peixe seco
para Ilhéus, Salvador, Campos e Rio de Janeiro.
O navio abastecido levantou âncora rumo à costa
africana. Lá chegando encomendou aos
traficantes locais 15 casais Benguelas; 15 casais Cabindas; 15 casais
Minas; 15 casais Quimbundo e 15 casais Malé.
A maior recomendação aos colonizadores portugueses era
dispor de uma diversidade étnica como garantia de segurança nas fazendas,
aliado a um tratamento diferenciado entre elas, para através da dissidência
poder impedir que a turba de escravos se rebelasse.
Com diferentes idiomas, religiões, costumes e tratamento
aplicado, havia dificuldade de sublevação,
e o controle periódico da milícia garantia a segurança do patrimônio e
vida dos habitantes portugueses. O
tratamento violento dos feitores ou dos capitães-de-mato destruía a
personalidade dos submissos e os tornava mais servis, medrosos e covardes. O riso fácil, adulação, mau comportamento e
conduta dúbia são as principais formas de alienação e deformação de caráter
encontrados nas vítimas de tortura e submissão.
Na verdade, pertenciam à etnia mandinga, eram membros de
uma caravana que trocava sal por cobre, arroz e couro no Alto Níger. O sal da Ilha de Bioko, antes conhecida
como Ilha de Fernando Pó, havia deixado a bandeira portuguesa e estava sob
proteção espanhola desde o reinado de Carlos III. Seus ascendentes tinham origem no Império Mali, e também no Império
de Gana, haviam sido deslocados para a Ilha por razões políticas.
Nesta ilha, não havia escravidão nem comércio negreiro,
há mais de vinte anos, e pequenos reinos africanos viviam em forma de
condomínio.
A caravana fora roubada e aprisionada por grupos Iorubas
na foz Níger e vendida como escravos para um inglês, que já temeroso de perdas
a mercadejou com o holandês, que veio costeando a África e embarcou os últimos
escravos quimbundos na Costa de Cabinda de onde rumou direto para o Brasil.
Entre eles estava uma jovem princesa e seu séqüito, cujo
pequeno reino estava estabelecido ao sul da Ilha de Bioko, que fica próxima ao
Arquipélago de São Tomé um dos principais e temidos centros de tráfico negreiro
na região do Golfo da Guiné, superado apenas pela Ilha de Gorée dominada pelos
portugueses.
III -
Ela tinha, desde muito jovem, o costume de acompanhar os mercadores,
para controlar a venda de pescado seco e sal em toda a região. Sabia falar e escrever espanhol e árabe. Tinha conhecimento de inglês,
holandês e português e dominava à perfeição doze idiomas nativos do continente
africano. Seu nome era Fanta.
Sua família havia migrado à Ilha. Eram mulçumanos. Ela sabia que se não ficasse incógnita traria muitos dissabores
ao reino pela chantagem dos piratas e comerciantes negreiros, com o pagamento
de resgate por sua vida.
Ela havia aprendido entre as suras do Alcorão: O inesperado somente é superado em favor daquele que usa o saber e sua organização no tempo e espaço próprio do seu destino.
Com sua avó, aprendeu no idioma pulaar a história
da Federação que deu origem ao Império do Malí, a Manden Kurufa e como
devia orgulhar-se de ser descendente direta do servo do profeta Maomé, Sindiata
Keita. Aprendeu, ainda, as
histórias de Mansa Mari Djata, que sempre exigia repetição, pelos benefícios que ele trouxe
às mulheres. Conheceu a necessidade de
transferência para Gana e a devotar a fidelidade de Kangala entre os
seus mais recentes ascendentes.
A vida é o meio e o fim. A sabedoria e conhecimento devem ser seus instrumentos medidos e controlados por uma ação inteligente. Estes foram os ensinamentos de seu pai além de suas leituras sagradas.
O cruzamento do Oceano Atlântico foi tormentoso, vinte e
três dias até chegar às terras do jubiloso Joaquim Pedro, que logo registrou a
carga, como propriedade no cartório de São Mateus, na praça do Porto.
O holandês partiu satisfeito com seus fardos de fumo e
barris de aguardente, esperando não ser assaltados por piratas antes de chegar
a Santos em um saveiro, procurando alugar um barco mercante para levar sua
mercadoria para a Amsterdã. Afinal a
Companhia das Índias Ocidentais iniciara seu capital com o roubo de um galeão
espanhol carregado de prata no Golfo do México. Ele fizera bons negócios e teve sorte, agora ia estabelecer-se
bem em sua capital e ser respeitado, podendo até comprar um título
nobiliárquico.
Joaquim Pedro deixou, consciente, o navio ancorado nas
margens do rio a poucos metros da Casa Grande,
avistado desde as grades da senzala, apavorando ainda mais seus
cativos. Nele se podia ler o nome Edwiges
Heilige*
O séqüito da princesa acostumado aos negócios com
africanos, árabes e europeus, agia com grande dissimulação e pronunciavam
frases quase inaudíveis, quase sempre em bambara, mandé, dogón, soninké, senufo,
kikongo, bantú, quimbundo e até mesmo o xisena. Ao desembarcarem, aquela carga humana não eram um grupo étnico
divergente ou antagônico. Tampouco
eram homens deslumbrados ou fascinados
aventureiros desterrados.
Durante a viagem, todos foram conscientizados como seria
o futuro e como eles poderiam, se organizados, em pouco tempo, montar as
estratégias para voltar para casa ou atenuar a humilhação, sofrimento e
martírio.
No desembarque, havia pouca ansiedade e aflição com a
nova situação, no interior, sabiam que ela seria temporária e isto dependia
mais do conjunto que de cada um por si.
IV -
Na chegada descansaram à noite e pela manhã iria ser celebrada a
marcação.
Com ferro de marcar gado em brasa, cada um deles iria
receber no seu glúteo direito a marca da fazenda, em suprema humilhação e na
presença de dois sacerdotes jesuítas, indiferentes aos lancinantes gritos de
dor e horror. Eles posteriormente
dariam a benção à nova propriedade.
A violência e degradação eram maiores porque os escravos antigos riam, faziam
troça ou eram indiferentes à agonia dos recém-chegados. Seus atos debochados faziam parte de um
"rito de passagem", inconsciente, onde os mais antigos com seu
comportamento mostravam superioridade, antiguidade. Contudo, também era inveja por haverem caído antes. Tudo isto era alimento para a cizânia entre
etnias.
As cicatrizes do corpo fecham rapidamente, as do espírito
sangram durante muito tempo, algumas eternamente.
Todos perceberam o porquê e importância da catequese
feita pela princesa e seu grupo durante a tormentosa travessia oceânica.
Os novos escravos, marcados, foram introduzidos em suas atividades.
Embora a selva fosse parecida com a africana, havia
muitas peculiaridades na natureza. Os
africanos, acostumados aos seus pequeninos pés de algodão, ficaram fascinados com os gigantescos pés de
algodão, arbóreos maduros, totalmente diferentes. A qualidade dos fios de algodão e tecidos existentes na fazenda
era muito macia e bonita.
Em pouco tempo, as mulheres, cumprindo uma ordem da
princesa, dedicaram-se freneticamente a colhê-lo, tecê-lo em fios e
confeccionar rendas e tecidos.
As sementes de algodão eram plantadas ao longo do caminho
para os canaviais. E já no final do
ano muitos escravos que andavam em andrajos ou seminus, estavam com
lindas túnicas brancas, algumas até com algumas rendas e bordados. Uns poucos homens começaram a usar sobre a
cabeça uma pequena toca de rendas...
Eles, após sua jornada de trabalho, traziam na volta do
eito, folhas de palmeiras de piaçava e trançavam redes de pesca, com uma
disposição, primeiro no escuro, depois foi permitido que os candeeiros
continuassem acesos para facilitar o trabalho de confecção das redes.
Fanta era muito dedicada e simples. À noite, na senzala, ela contatava,
carinhosamente, a todos e procurava saber os dialetos em que podia
comunicar-se. Em pouco tempo tinha um
controle total da situação, quase uma corte no exílio. Como, até mesmo os escravos não notassem,
isto era superior a uma corte, pois não havia vínculo de sangue ou hierarquia,
já que ninguém sabia de sua origem.
Desde as mais jovens crianças até as mais velhas senhoras, entrevadas pela rudeza do trabalho sofrido, a respeitavam e atendiam seu olhar suave, profundo e solidário. Ela tinha uma predileção pelos anciãos, cultuando sua sabedoria.
A um velho escravo ganês que estava sempre às voltas com
flores e plantio de árvores, entregou um punhado de sementes de
pimenta-do-reino, que trouxera misturada à sua longa cabeleira e na de algumas
de outras companheiras, dizendo: Isto pode ajudar no caminho para a liberdade.
Ele as plantou com carinho e cuidou com muita
dedicação. Os ramos da pimenteira
cresciam rapidamente no período de chuva.
Como os grãos eram poucos, ele começou a podar os ramos e plantá-los
como mudas, ampliando e acelerando o seu cultivo.
A princesa, agora escrava, quando podia, saía para longas
caminhadas, acompanhadas de anciãs e trazia muitas ervas, cascas de árvores e
cipós para preparar medicamentos para os mesmos.
Sem convencer novos adeptos, ela conseguia, até mesmo,
que muitos retornassem ao rito islâmico, impedido pelo poder da igreja jesuíta
junto aos portugueses e ritos animistas de outras etnias.
Como era uma rendeira e bordadeira, ficou agregada à Casa
Grande ensinando às sinhazinhas e escravas os pontos de renda, brocados,
tecidos, além de responsável pela costura de roupas para todas as necessidades
da fazenda. Trabalhava muito e aonde
ia tinha tecido linhas e agulhas nas mãos ou espetados na cabeleira.
A segurança de um pioneiro colonizador com escravos era
dada por capitães-de-mato e guardas portugueses contratados, além de visitas
periódicas da Milícia sediada no Porto de São Mateus. Era o controle do Reino, e agora, também, do novo regime.
Além disso, os portugueses na Casa Grande tinham muito
medo de serem envenenados, o que fazia com que toda a comida, antes de ser
servida, na Casa Grande fosse experimentada por uma criança escrava, obrigada a
comer um pouco de todos os pratos e ficar no ambiente, até que a comida fosse
servida e a refeição dos senhores terminasse, quando, então, podia retirar-se.
Isto não era uma novidade para a princesa, pois em sua
corte era adotada a mesma cerimônia de segurança, mas não se utilizava uma
criança e sim os próprios cozinheiros.
Ao saber desta situação, ela tomou suas mãos abertas e olhou-as
profundamente por um instante, pedindo inspiração a Alá.
Fanta estava sempre ativa e levava suas costuras e
bordados. Na cozinha, discretamente
ensinou as velhas cozinheiras a prepararem algumas sobremesas que aprendera com
os cozinheiros de navios espanhóis, ingleses, franceses e holandeses em suas
viagens e que aportavam para os negócios de sal e peixe salgado no reino de sua
família. Ser uma boa quituteira lhe
dava um acesso fácil pela gula dos seus senhores.
Ninguém deu importância, quando o menino que
experimentava a comida passou a vestir uma túnica branca, de fio de algodão,
rendada no peito e estar com a cabeça raspada.
A camisa fora tecida e rendada por Fanta e ela também
raspara a cabeça do mesmo...
Como membro da etnia mandinga, ela era conhecedora da
antiga arte e ciência da elaboração de filtros, leitura de mãos, olhos e
coração dominada há milênios por seu povo, o que os tornava respeitados.
Ela começou a atender
espiritualmente com uma descrição quase secreta a todos os escravos, em sua
angústia, dor e revolta.
Procurava fechar as
feridas do espírito. Era uma pastora e logo as fugas e brigas entre os escravos
desapareceram e uma dignidade interior, com respeito e solidariedade permeava
todas as etnias, pois a cada dia mais
eles tinham consciência de sua condição.
Os rebeldes a seus conselhos e recomendações eram
tratados da mesma forma, mas se por um acaso ameaçassem contar algo ao senhor
ou aos capitães-de-mato eram vítimas de providenciais acidentes no canavial,
plantação de fumo ou dentro do engenho.
E todos sabiam que isto fazia parte da construção dos objetivos maiores
e ajustes na harmonia coletiva. Não havia medo ou terror.
Em pouco tempo, todos trabalhavam de forma respeitosa,
sem serem servis, embora não-conformes, pois não pode haver conformismo ou
felicidade na escravidão. O primeiro
passo é quebrar a cadeia de degradação, quando se quer alcançar um objetivo.
V -
Os tempos nas terras de Joaquim Pedro eram outros. Já fazia um bom tempo, desde a chegada dos
últimos escravos, que não havia problemas ou confusões.
Agora, até os velhos escravos eram vistos ativos, mas
quem ia importar-se com velhos improdutivos que se arrastavam de um lado a
outro com ramos, flores, cascas e cipós muitas vezes com pequenas moringas e
panelas de barro e vasos de cerâmica.
Eles preparavam tinturas em aguardente ou licores; faziam pomadas em gordura de aves; suspensão em água de cinzas; mistura com mel de abelhas e outros preparados com muitas ervas e plantas medicinais que os mais velhos haviam aprendido no convívio com os indígenas tupiniquins e tapuias da região durante as fugas, até as recapturas.
A farmácia da senzala logo passou a ser usada para curar
até a família da Casa Grande e todos os escravos da fazenda e até mesmo os das
vizinhanças com tratamentos para queimaduras, fraturas, cortes, infecções,
picadas de insetos e víboras, alergia a plantas tóxicas, problemas de parto, e
principalmente, febres e doenças infantis.
Tudo era dissimulado com suavidade, disfarçado para
evitar as energias negativas da prepotência e ignorância do poder tanto do
feitor e seus filhos, como dos jesuítas controladores e melhores iluminados
pelo saber ordenado e corporativo.
Em contra-partida, crescia o saber interior na sociedade
dos escravos. Este estava cada vez
mais dentro de cada um e à disposição de todos de forma orgânica, para servir
com responsabilidade, pois todas as decisões eram coletivamente assumidas.
Quem não gostava daquela paz e tranqüilidade eram os
capitães-de-mato, recompensados por suas capturas.
Um dos capitães-de-mato, o mais malvado, sofreu uma
lição. E esta serviu para sublimar os
escravos menos ativos, aumentando suas ações harmônicas de coesão.
O facínora gostava de maltratar crianças e anciãos
entrevados impunemente. Teve um fim
terrível: Certa manhã um dos meninos
de cabeça raspada, que usava a camisa rendada,
esgueirou-se da senzala levando uma pequena moringa de cerâmica lacrada,
cheio de licor de jabuticaba por um caminho rumo à Casa Grande.
O capitão-de-mato exigiu do menino a entrega da
moringa. Ante a recusa o agrediu
com cascudos e tomou o vaso.
O menino choramingava, suplicava a devolução, senão ia
ser castigado no Pelourinho. O capitão
de mato ria. Tomou um gole. Como era muito gostoso, tomou mais dois.
O menino deixou de choramingar. Ficou sério. Esperou um momento e ordenou, no dialeto wolof
do próprio capitão-de-mato: - Devolva-me a moringa e me acompanhe. O capitão o fez sem pestanejar ou sequer
pensar.
Algumas horas depois chegou à Casa Grande nu. Caiu do
cavalo e ficou apopléctico na entrada da varanda. Seu baixo ventre começava a inchar. As coxas, logo, mais pareciam um sino. Foi levado para a senzala.
Mas começou a feder e como gritava ininterruptamente foi levado para
baixo de uma mangueira onde foi atendido pelo velho escravo ganês, muito
respeitado por seus conhecimentos e tratamentos.
Ele examinou o desnudo capitão-de-mato. Sua genitália estava maior que as melancias da fazenda.
Depois de um minucioso exame, foi taxativo: Picada de surucucu pico-de-jaca e bem na ganda
- kooy (glande), disse no dialeto wolof para que a vítima entendera
que, este estava maior que um coco.
É raro, filosofou o ancião: Essa cobra não ataca. Ele deveria estar "obrando"* em cima do ninho dela. O velho
escravo mina era muito matreiro: Ou devia obrar muito fedido.
O silêncio punitivo se espalhou entre os escravos. Não
era um silêncio risonho, pois uma punição é diferente de repressão. Todos, já há algum tempo, sabiam que
as punições não podem ensejar
degradação.
O menino-isca havia lavado muita bem sua vasilha de licor
e a enchera de urina para cortar os efeitos do veneno como fora determinado,
nem lembrava mais dos cascudos que recebera, apenas acariciava o rendado na
camisa, da esquerda para a direita, como se estivesse lendo com os dedos.
Olhava como se nada acontecera.
Apenas refletia sobre a dor, o exemplo e aprendizado para se alcançar o objetivo. Era a
consciência coletiva adensando seu poder, pois não há conformismo ou felicidade
na crença ou ideologia.
O diagnóstico do velho escravo ganês foi: Vai agüentar
mais uns cinco ou seis dias mais. Tudo
vai apodrecer e cair. O paciente
gritou tomado pela febre dia e noite, até que a gangrena o matou na entrada do
sexto dia...
Joaquim Pedro sentiu a perda, pois era o seu melhor
capitão-de-mato, mas como as coisas estavam tranqüilas tinha tempo para
procurar um substituto.
Sem heresia, parece que muito não adiantou, pois na
semana seguinte quatro escravos dos recém-chegados foram trazidos à senzala com
as pernas inchadas, muito inchadas. No
segundo dia Joaquim Pedro foi até eles e o velho escravo disse não passam desta
noite e mostrou onde as duas presas da víbora haviam perfurado, na verdade fora
feito com espinho tóxico e cipó. O
cheiro de podre era insuportável, pois eles haviam mutilado o infeliz
capitão-de-mato, antes de seu enterro e colocado suas partes apodrecidas sob as
palhas de suas camas.
Depois do velório, os tambores pararam e o enterro foi
pela madrugada, mas, na verdade o que estava sendo enterrado eram troncos de
bananeira enrolados em palhas e esteiras amarradas, como se fosse gente.
Parecia que a bruxa estava solta. Os jesuítas foram chamados para benzer a Casa Grande, Senzala, plantações e engenho e levaram suas “patacas” de prata.
Os quatro com a alergia nas pernas provocada por contato
com um raríssimo cipó irritante, foram tratados com gordura de jibóia. O velho escravo mina (ganês) era um mago.
Os “mortos” foram para as grotas, a começar a construir a
cidadela quilombola. Havia muito que
fazer e eles eram poucos.
Logo, algumas infelizes surucucus pico de jaca foram
mortas e trazidas até a Casa Grande e expostas como responsáveis pela desgraça
e perda do capital semovente do senhor de escravos, garantia fiduciária aceita pelos bancos
britânicos e reconhecida como poder pelos bancos brasileiros.
Os escravos por livre iniciativa construíram enormes
panelas de barro com tabatinga do fundo do rio pisada. Eram panelas com capacidade de 400
litros. Elas foram queimadas e levadas
para a praia, onde foram cheias com salmoura, já muito
evaporada nas lagoas artificiais à beira do mar.
Com o sol, a água do mar evaporava, mas todos os dias as
crianças repunham a água do mar evaporada e não deixavam a água da chuva entrar
protegendo-as com palmas secas de dendê.
Em duas semanas eles estavam até a metade de puro sal
marinho. Era uma prática tradicional em
Bioko.
A propriedade de Joaquim Pedro comercializava algo de
peixe salgado, mas o sal era muito caro e a atividade de pesca era fluvial e
salga de peixe era muito incipiente e a produção de sal era mínima, pois região
era chuvosa.
Os carros de bois traziam o sal e novamente os vasos eram
cheios com água do mar. Joaquim Pedro
gostou muito da inovação e seus filhos mais ainda, pois o sal era o ponto
nevrálgico para a produção de peixe salgado, que ele conseguia produzir para o
consumo e menos de cem barricas por ano, para venda, todo ele pescado no rio.
Mandou que os escravos fizessem mais dez panelas
gigantes. Contrariados começaram a
recolher a tabatinga do fundo do rio e amassar para atender o sinhô.
Fizeram as dez panelas gigantes e transportaram
clandestinamente muita tabatinga para a cidadela aonde os que iam chegando
aprendiam a fazer as panelas, talhas e utensílios que a população quilombola
necessitava para guardar suas provisões, água limpa e outros.
Agora, na Fazenda, como tinham mais sal do que necessitavam,
os escravos de Fanta sugeriram poder pescar à noite com suas redes, fazendo uma
jornada dupla por vontade própria. As
redes eram as primeiras que Joaquim Pedro via.
Eram de piaçava e fibra de cânhamo trançado cultivado cada vez mais em
suas próprias terras com sementes trazida na cabeleira dos escravos.
Autorizou satisfeito, sem perceber a indução, manipulação e condução que os escravos haviam construído sobre a sua cobiça. Agora eles podiam ir e vir com maior liberdade até a praia. Ampliando seu espaço vital, sem denotar poder.
VI - As sementes de cabaças começaram a ser
semeadas. Na colheita, com grande
cuidado uma a uma foram eliminadas as que não tinham sonoridade. Com muito cuidado a cabaça foi cortada para
dar a forma. Foi conseguido um fio de
cobre ligando as extremidades de um arco de madeira e fabricado o primeiro Mvet. O orgulhoso luthier entregou-a ao "griot". Ele começou a afiná-la. Logo passou a cantar e afinar e cantar
experimentando a qualidade e as modificações necessárias. Logo todos estavam em silêncio escutando
uma saga antiga.
Alguém desafiou o luthier a fabricar um Qanun. Ele sorriu. Foi visto nas semanas seguintes procurando os escravos
marceneiros e recolhendo madeira seca.
Batia nas varinhas e as punha ao ouvido. Depois passava largos períodos no engenho em suas tarefas
controlando a produção de aguardente e simultaneamente com pedacinhos de
madeira fazendo o instrumento. Teve a
ajuda de velhos escravos, já entrevados.
Algumas semanas depois apresentou o instrumento e começou a procurar
alguém que soubesse tocá-lo, pois ele apenas o conhecia, mas não tinha grande
experiência.
Houve uma aclamação quando a princesa tomou o instrumento
e começou a tocar e cantar. O som
mavioso ia muito além de um lamento ou tristeza. Era um canto esperançoso.
Logo muitos dos velhinhos estavam animados, sorrindo e cadenciando suas
mãos. A Cidadela já não era espaço de escravos fujões, havia uma nova atmosfera
cultural. Fanta solicitou que se
ensinasse a todas as crianças a tocar os instrumentos além da tabla e derbakke*.
Voltaram antes do sol nascer, com mais de seiscentos
quilos de peixe, alguns com trinta e quarenta quilos. Antes a pesca era somente fluvial, pois o mar ficava a três
léguas de distância.
No rio os peixes não superavam nunca mais de dois quilos
nas margens do porto. Eram traíras
que tiradas da água logo apodreciam e não serviam para salgar.
Ninguém notou, nem mesmo as crianças que tudo vêem. E vêem com outros olhos: Uma parte de
peixes pequenos estava salgada com sal e cinzas em uma técnica tradicional
mandinga da Ilha de Bioko pouco conhecida.
Eles eram a base para a paçoca, com farinha de milho, gergelim e dendê,
dos marinheiros que passavam vários dias no mar, sem acesso a água-doce.
O trabalho no mar era muito rentável e eles podiam se
deslocar até lá pelo próprio rio.
Aquilo seria muito rentável, pois os restos do peixe iam para a refeição
da senzala, já que eles sabiam aproveitar tudo.
Lucro dobrado matutava Joaquim Pedro, que mandou que
fosse cortada madeira especial para fazer um barco de oito metros para auxiliar
na pesca, já pensando que poderia produzir mais de dez mil barricas de peixe
salgado por ano para o Rio de Janeiro ou para o reino, pensando em uma escala,
pelas vantagens comparativas em função da produção própria de sal.
No golfo da Guiné desde a
antiguidade, havia muitos estaleiros, então fazer um barco de oito metros era
algo simples para aqueles escravos.
Os escravos cortaram as árvores e serraram a madeira;
fizeram os cravos e recolheram resinas. Fizeram ferramentas, trabalhando dia e
noite. Tudo com uma rapidez que fugiu ao controle do feitor, seus filhos e
seguranças. O resultado é que fizeram
um barco perto da Casa Grande e outro gêmeo na cidadela.
Ambos idênticos, pois,
também, através do trabalho controlavam o feitor que pouco e nada entendia de
construção e provisões de matéria-prima e sua transformação. Ele estava acostumado a exigir o produto
final e se apropriar dele, sem avaliar o sacrifício para fazê-lo.
Os barcos tinham até mesmo
encaixe para um mastro central, disfarçado por um tarugo de madeira, bem justo, apresentado ao feitor como
responsável pelo equilíbrio para evitar que o barco virasse com o vento. Uma explicação convincente. O que para o feitor era uma boa idéia e dela
se apropriou nas conversas e explicações para os visitantes na Casa Grande,
esbanjando bazófia sobre o seu conhecimento na construção náutica.
Os quilombolas, antes de saírem para a primeira pescaria
com o barco gêmeo, ficaram durante dez dias preparando a grande viagem,
treinando as atribulações que iriam encontrar no mar.
No solo cavaram uma maquete do barco de pesca, em tamanho
natural e com todos os barris de água, alimentos, redes, ali permaneciam
durante o dia e a noite, estudando detalhes e situações, criando dificuldades e
trazendo opções para sua solução.
Discutiam as correntes marinhas para o Norte de água fria; a corrente de
água quente que arrasta para o Sul.
Mar adentro, há calmaria. Era necessário o controle cuidadoso das velas,
caso avistassem algum navio.
VII -
Em um canto do engenho com entrada trancada por uma pesada porta havia
uma escadaria que levava a um porão com paredes de pedra e totalmente escuro,
apenas com uma vigia pequena de entrada de luz. Era a adega de Joaquim Pedro.
Ali, ele guardava os seus maiores valores: Barris de vinho do Porto e azeite de oliva, que junto ao bacalhau
e cortiça eram das poucas coisas portuguesas que o mundo não prescindia.
Nela os escravos não podiam entrar, pois recebiam os
tonéis à porta para transportá-los à Casa Grande.
A curiosidade era grande e um dos meninos foi amarrado
pela cintura e desceu até o interior da adega com a finalidade de levantar seu
interior e trazer amostras dos conteúdos.
Os dois litros de vinho do Porto, de cinqüenta anos,
encantou a todos, os dois litros de azeite de oliva por seu perfume e sabor
deixou-os também extasiados.
O velho mina recebeu o botim e se pôs a trabalhar com
frenesi. Era necessário decodificar
aquela riqueza.
Não se impressionava facilmente e quando provou o azeite
lembrou-se do azeite da palmeira de tucumã, logo corrigiu sua
sensibilidade e observou que o mesmo era idêntico ao azeite da palmeira de
patauá*.
A ordem que recebeu ao apresentar seu relatório foi de
que a produção de dendê deveria ser suspensa na época de frutificação da
palmeira e o prensado de seu azeite ser prioritário. Não entendeu bem, mas assim foi feito.
Em uma noite de burundanga as pesadas portas da
adega foram retiradas e tonéis de azeite português foram substituídos pelo de
palmeira. Na Cidadela passou-se a
utilizar o azeite de oliva, principalmente para a retirada da marcação e
fortalecimento da pele, para o qual era superior ao azeite de dendê. As crianças não gostaram, pois com o mesmo
não havia bambá para sua festa e alegria, mas a estratégia era elevar o
espírito da comunidade quilombola nascente.
O desenvolvimento de inovações tecnológicas garante o
sucesso, mas o velho mandinga estava completamente perdido, fazer um vinho em
meio a um monte de muçulmanos e outros somente tomadores de aguardente recém
elaborada. A estratégia de Fanta foi
que, assim que o substituto do vinho do Porto fosse encontrado, se levaria
diretamente à mesa da Casa Grande, substituindo os mesmos nas licoreiras e se
observaria o resultado.
A fórmula encontrada foi fantástica: fruto de
pau-ferro, colocado em aguardente recém elaborada, raspas de pau-de-óleo,
poucas flores de cânhamo, fruto de tintureira*** e armazenamento debaixo da terra por 30
dias.
A tinta do fruto do pau-ferro dissolvida em água dava a
cor e o grau de álcool. A adição de mel de abelha urussu garantia o doce e o
aroma. Raspas da madeira de óleo
precipitavam o excesso de tanino sobre a madeira e suavizavam o buquê.
O primeiro uso foi em um domingo normal e todos sentiram
a qualidade do mesmo na sobremesa. O
grande teste foi quando o arcebispo português de Salvador visitou a fazenda e
ficou encantando, pois já provara vinho do Porto de cem anos no Vaticano, mas
nunca havia experimentado nada igual.
Exigiu levar um barril para Salvador, para o orgulho e devoção da
família de feitores.
A sorte é que o previdente velho mina já tinha
substituído três barris e enviado para a Cidadela, para os cultos religiosos
africanos, onde a aguardente era substituída pelo famoso vinho deleitado nas
mesas mais fartas da Europa e Mundo.
Com autorização, uns escravos saíram para a pesca, seis
homens e três meninos, foram para o norte e chegaram à foz do rio Jequitinhonha
em Ilhéus. Voltaram com peixes
medianos. O barco gêmeo saíra durante a noite anterior, passara frente à casa
grande, pois os cães de guarda haviam recebido o resto da refeição da Casa
Grande e como eles dormiam profundamente...
O barco gêmeo com sua tripulação de quilombolas da
cidadela foi para o Sul. Fizeram seu
levantamento topográfico e chegaram até o rio Paraíba do Sul e cidade de Campos
dos Goitacás. Ambos voltaram carregados
de peixes, cada qual para o seu destino.
O barco gêmeo quilombola passou à noite da mesma forma como fora, pois,
novamente os cães de guarda dormiam.
Depois do levantamento litorâneo exaustivo, eles passavam
pela praia e pescavam com rede miúda alguns peixes pequenos e chegavam com o ar
cansados, desolados, famintos e com pouca pesca. A frase que repetiam para poderem conseguir mais espaço de
liberdade e ficar mais tempo no "mar". "o peixe grande está mais
no fundo" já desnorteava Joaquim Pedro.
VIII -
Duas situações estavam constrangendo os pescadores nas viagens mais
longas, a primeira era a falta de espaço pelos alimentos necessários, que
impediam um bom trabalho. O
desenvolvimento de paçocas auxiliou muito, mas ainda era incomodo os enrolado
de folhas de bananeira presos a cintura.
A outra era na hora de defecar.
Preocupados, passaram a estudar um alimento mais
concentrado que solucionasse os dois problemas.
O cozimento de peixes em dendê, sua moenda em pilão com
farinha de milho, gergelim e novamente ate a formação de uma pasta que
endurecia ao esfriar foi o caminho. A
questão era onde guardá-la.
A casualidade providenciou a solução: Os meninos escravos
tinham o costume de colocar o coquinho de jerivá, tucumã ou catolé depois de
roídos dentro do dendê para cozinhar a parte interior que ficava facilmente
extraída pelo olho de germinação. Isto
era um dos deleites das crianças.
Observando um destes coquinhos vazios, o velho mago mina
solicitou que todos os coquinhos vazios fossem entregues a ele.
Lavou-as bem, deixou secar e perfurou com uma agulha em
brasa.
Colocou uma a uma em um fio de algodão trancado e
mergulhou na pasta concentrada. A massa
penetrava no interior do coquinho.
Depois de esfriado, o mesmo era
limpo e mergulhado em cera de abelha derretida.
Alguns escravos passaram a testar o colar na cidadela e
com a aprovação, pois havia diminuído até mesmo o constrangimento, pois
diminuíam as defecadas em alto-mar.
Mas, o que ninguém esperava era a contribuição científica
da cozinheira da Casa Grande que trouxe grande quantidade de tripas de
galinhas, lavadas, viradas e tratadas com limão. Elas eram cheias com a pasta e as rações controladas com nós e
todos formavam um colar. A inovação
foi aprovada e seu nome foi dado “tasbih”.
Nas viagens longas sempre os pescadores levavam colares
de bolas de tripa ou coquinhos.
Faltava o levantamento topográfico do oceano e isto era o
mais difícil, mas não impossível.
A produção de peixe salgado começava a crescer. Na senzala a alimentação melhorava com os
restos dos peixes salgados e os peixes miúdos muito bem escolhidos. O negócio era cada vez mais lucrativo para
ambas as partes.
Mas não há bem que sempre dure ou corda que não se rompa.
Na terceira viagem, o barco da fazenda saiu e não voltou
pela manhã, nem durante o dia. Na
senzala a gritaria, lamúria e cantoria de cantos fúnebres cortou toda a
noite. As lamúrias eram tantas que nem
sequer Joaquim Pedro teve vontade de impedir o barulho, mas estava, na verdade,
mais preocupado com o valioso barco que
perdera.
Estávamos em outubro, com a família resolveu iniciar uma
novena para São Judas Tadeu na ânsia de recuperar seu patrimônio e semoventes.
Ele, nem os seus notaram os pequenos colares de coquinho
no pescoço dos escravos nem viram carregarem dezenas de cocos frescos na beira
da praia antes de partir.
No final do quarto dia, pela noite o barco gêmeo chegou à
cidadela e pela madrugada o de Joaquim Pedro aportou carregado de peixe fresco
de tamanho mediano.
Estava feito o primeiro levantamento do Oceano.
Em terra houve uma explosão de alegria, felicidade, os
atabaques rufaram avisando a todos. Os escravos orgulhosos carregavam e
tagarelavam sobre a abundância de peixe.
Os que desceram do barco se ajoelhavam pedindo perdão ao
patrão: uns falavam doninké, soninfo, mandinga, outros wolof,
kikongo, xichonga. Os quimbundos
sempre mais alegres, fazendo troça cênica dançavam rebolando, imitando o vento
horrível que os havia arrastado para mar adentro e o perigo das baleias,
tubarões e golfinhos e até sereias.
O vento é a natureza, mas São Judas Tadeu é o poder da
fé, refletiu Joaquim Pedro. Pediu à
esposa que lembrasse de mandar rezar uma missa especial na senzala quando os
jesuítas chegassem à Casa Grande.J
oaquim Pedro discutia com a família, entusiasmado pois, a informação induzida era que quanto mais mar adentra, maiores eram os peixes. "Sinhô, os robalos de setenta quilos foram os últimos pescados. Nós voltamos, quando faltou comida e água e o vento amainou. A gente ta com muita fome, sinhô."
oaquim Pedro discutia com a família, entusiasmado pois, a informação induzida era que quanto mais mar adentra, maiores eram os peixes. "Sinhô, os robalos de setenta quilos foram os últimos pescados. Nós voltamos, quando faltou comida e água e o vento amainou. A gente ta com muita fome, sinhô."
Uma pequena quantidade de peixinhos espinhentos estava separada
dos outros. Os mesmos, aumentariam a quantidade dos outros iguais
que estavam na Cidadela, onde seriam estudados, pesquisados e usados quando
necessário.
Era lá, também, que as cordas e o pequeno mastro ficavam
escondidos, junto com as velas de cânhamo, que permitia aos dois barcos gêmeos
aventurarem-se muito adentro do Oceano.
Joaquim Pedro, muito satisfeito com a explicação, julgou
que não havia razão para castigo, afinal havia peixe fresco e até algumas
lagostas vivas que mereciam a comemoração.
Não havia necessidade de intimidação, nem porque relaxar a ordem: Mandou
todos trabalharem no eito, antes de comerem.
A produção de açúcar aumentava mais, pois o que antes era
feito por oito escravos, agora bastavam cinco e também havia menos rebeldia
entre os escravos.
Os escravos que foram transferidos para cidadela e que para a Casa Grande haviam morrido, junto com os atraídos, já somavam mais de trinta. Em sua totalidade eram velhinhos e velhinhas desgastados pelo trato rude e alimentação escassa. Eram merecedores de descanso. Estavam rejuvenescidos com o bom tratamento e alimentação abundante. Eles eram algumas vezes substituídos, por escravos fugidos famintos e errantes encontrados ao longo do litoral e trazidos pelo barco gêmeo. Depois de sua adaptação à nova situação os interessados eram atraídos para a causa trabalhando na Fazenda.
O ato de marcação era o ponto máximo do exercício de poder tirânico, ao reduzir o indefeso a suprema humilhação e flagelo. Alertando que poderia chegar ao extremo de proximidade à morte, cuja margem não era ultrapassada somente por uma questão econômica, nada mais.
Como o controle de escravos na fazenda era feito através
das marcas. Cada Fazenda tinha sua
marca, que era a mesma dos bovinos e bestas da Fazenda, que todos os escravos
tinham no glúteo direito.
A marca da Fazenda de Joaquim Pedro era um anagrama das
três letras de seu nome. Uma letra jota
maiúscula, da qual saía do mesmo eixo para o outro lado, na parte superior,
mas um pouco abaixo a letra p, também maiúscula. Neste eixo era cortado pela letra C maiúscula do sobrenome
Cintra, mas de forma invertida ou espelhar no seu terço final.
Joaquim Pedro passara mais de um mês e a refizera três
vezes para que sua marca fosse aceita e
registrada no cartório. Isto
garantia direitos e evitava as disputas entre senhores de escravos, roubo ou fuga e abrigo a fujões de outras
fazendas.
A arte de esconder as marcas antigas e fazer marcas novas
era a base do sucesso de introdução de escravos na fazenda de Joaquim Pedro,
desde a cidadela, sem que fossem notadas.
Os que vinham de fora para perder a marca antiga recebiam um tratamento especial, muito especial.
Para eliminar as cicatrizes da marca anterior, se
aplicava uma seqüência de seiva de algumas plantas, que comiam os tecidos das
cicatrizes, enquanto os tecidos sadios eram protegidos com cera de abelha e de
palmeiras.
Antes o paciente recebia uma cuia cheia de vinho do Porto
de cinqüenta anos, legitimo, da adega de Joaquim Pedro, deleite de bispos,
papas e nababos. Como
"anestesia" uma generosa dose de vinho de arac, feito imitando
o verdadeiro de Timbuktu, que leva tâmaras e flores de cânhamo. O vinho de arac quilombola era feito
com frutos de jerivá e as mesmas flores de cânhamo, mas em maior quantidade.
O tratamento da retirada da marca era tão gostoso que o
paciente, queria logo receber sua nova marca.
Mas era obrigado a um descanso e uso de ungüentos para fortalecer a pele
e tecidos, quando novamente o velho ganês dava o vinho de arac e também
alguns licores com tinturas de diferentes ervas ao “paciente”, pois o ferro em
brasa era muito mais forte e não havia por que sentir dor. Com a nova marca sem dor se destruía a
primeira marca, vencendo o tirano.
Alguns escravos abusados até sorriam quando o ferro
marcava as carnes. Depois, pomadas,
tinturas, ervas e muito azeite de oliva
português tratavam, até o paciente receber alta e ter sua transferência para a
fazenda e engenho onde era introduzido cautelosamente com apoio logístico de
todos os outros escravos. Em paralelo
era ensinado o comportamento na fazenda, detalhes da organização e quem ele
substituiria, seu nome e costumes, até mesmo dialeto, para assumir sua
identidade.
O trabalho mais difícil e importante era retirar a dor
espiritual da marcação anterior.
A retirada da marca espiritual era um rito lento que
eliminava a revolta, ódio e substituída pela lenta construção da vingança, onde
o individuo era apenas um instrumento dentro de toda uma harmonia.
Mas o que mais levantava a moral, era saber que todos
teriam suas marcas finalmente retiradas antes da viagem e que chegariam de
volta a sua terra com a recuperação da honra e vingados.
Esta era a parte mais importante, pois isto fortalecia a
organização subterrânea. Alcançar a
liberdade e muito diferente de alcançar o poder.
Na fazenda de Joaquim Pedro, havia uma atmosfera em
desenvolvimento. Uma situação muito
diferente, mas somente os velhinhos e velhinhas entrevados compreendiam em seus
olhares. Eles significavam a
cumplicidade de perceber o imperceptível e com o doce olhar controlavam tudo
inclusive os jovens mais afoitos.
Ninguém estranhou quando
Joaquim Pedro determinou que mais sal, comida e água doce fossem colocados no
barco a remo que saiu para a pesca nas semanas seguintes.
Exigir que o peixe fosse limpo em alto mar para que menos
alimento chegasse na senzala e ele obtivesse maior transporte e lucro era seu
objetivo, além de exercício de ódio e tirania.
Tampouco houve desespero,
quando o barco não voltou no sétimo dia e somente chegou no décimo dia com o
dobro de peixe a quase totalidade dele já limpa e salgados, somente alguns
peixes eram transportados presos dentro de covos vivos para agradar a Casa
Grande. À noite, a novena foi para São
Jorge padroeiro pela bem-aventurança, pois o feitor logo enterraria mais uma
botija de ouro em algum lugar da Casa Grande.
IX - Joaquim Pedro estava tendo sucesso na gestão de seu engenho, terras e pesca.
A chegada foi, novamente, exultante, pois foram quatro dias sem notícias. Alguns chegaram fazendo que estavam mortos de fome e doentes. Novamente o mastro foi dissimulado e as velas levadas pelo barco gêmeo.
O melro tinha mais de cento e cinqüenta quilos e chegara
vivo à fazenda. Joaquim Pedro sentiu vontade
de enviá-lo para a capital, mas não havia como, mandou salgá-lo.
Na Casa Grande, uma criança de cabeça raspada fingindo
que brincava com sementes de olho de boi falava sozinho bem baixinho, no
chão, ao lado da princesa que bordava uma manta para Sinhá.
Não era brinquedo, era o relatório da viagem e o que para
todos eram palavras inteligíveis, na verdade era bantú: - Foi encontrada a Ilha
dos Rochedos e monte alto. Está inabitada. Foram visto em alto mar barcos
grandes viajando para o norte e para o sul.
Não fora visto nenhum navio negreiro.
As velas funcionaram, era preciso uma cobertura para evitar o Sol
escaldante. O cálculo é que se
necessita de comida e água para três dias para ir e vir, então necessitamos de
um barco com o triplo do tamanho deste.
Terminado o relatório, sem desfaçatez, a criança pediu
leite, ganhou uma banana e a princesa o pôs para fora delicadamente. Havia muito que fazer, ela estava
satisfeita com o domínio da nova língua.
Na preparação do almoço era comum a princesa suspender o
trabalho com suas rendas e tecidos e ir ajudar as velhas cozinheiras. Quando percebia, por volta do meio dia que
Joaquim Pedro estava chegando à Casa Grande, colocava mel misturado com alecrim
sobre a chapa quente do fogão, para induzi-lo à cozinha.
E conversava em voz alta com as cozinheiras, pois na Casa
Grande só se podia falar em português, que ela fingia não dominar bem: Se pescadô tem barco grande, pesca por
mais tempo e traz mais peixe não pricisa ir a cada lua é só sargar. Né
verdade mãe Ngmena!
Joaquim Pedro fingiu que não ouviu, mas ficou curioso:
Durante o período de produção de açúcar a pesca tirava um grupo de escravos
importante e isto era ruim, mas sem os restos de peixes na comida da senzala a
produção caía muito.
A solução é construir um barco maior, pensou. Melhor ainda podia pegar o navio negreiro
que estava no porto do rio sem atividade e colocar as velas, ver quais os
escravos que se saiam melhor e ir pescar com eles. Afinal, tinha algum conhecimento náutico e levaria mais uns
quatro ou cinco amigos bem armados e avisaria a marinha imperial de sua nova
empresa.
Antes do jantar, a criança de camisa rendada e cabeça
raspada foi trazida para experimentar a comida. Comeu todos os bocados e aguardou sentada no chão da cozinha à
vista dos senhores, aguardando a ordem de retirar-se.
Saiu e foi direto e devagarzinho para os braços do velho mina. Ele havia dado ao menino bambá (farofa de dendê) antes de ele ir para sua tarefa. A criança recebeu uma cuia de água morna com sal e cinzas de fogão. Imediatamente começou a vomitar. Vomitou até o bambá.
Foi-lhe servido um chá de farinha de fava de Calabar* e colocado para dormir.
Na casa grande, na varanda Joaquim Pedro e seus filhos
sentados com seus licores conversavam.
Uma voz falando o seu português disse ao seu ouvido: É melhor construir
um barco novo com os escravos. -
Repita: E Joaquim Pedro repetia.
O mesmo foi feito com os dois filhos e eles
repetiam. Foi dito aos três que fossem
dormir. E eles foram dormir.
Na manhã seguinte, todos, na casa grande acordaram tarde
e com muita fome. E a primeira coisa
que disseram foi: É melhor construir um barco novo com os escravos.
Os filhos queriam comandar a construção do saveiro ou
escuna e foram autorizados para o orgulho do seu pai.
Novamente saíram com escravos para cortar as árvores,
serras as tabuas, mastros, preparar as ferramentas e começar a construção do
barco.
Em menos de três meses dois belos saveiros estavam
construídos: Um na Casa Grande e outro na Cidadela.
Entretanto, enquanto isso Joaquim Pedro continuava
organizando as pescarias.
O último resultado foram seis dias pescando em alto
mar. Com uma carga de quase uma
tonelada de peixe salgado. Os escravos
pegaram um cardume de dourados com as redes de piaçava e cânhamo que haviam levado. Da janela da Casa Grande a princesa pensava: Se eles trouxeram
isto para cá, o que não levaram para a cidadela.
Dias após a volta o grupo de escravos mandingas foi visto
defumando dourado. A cozinheira
combinou com a sinhá preparar um peixe defumado assado na Casa Grande, pois a
semana fora muito pesada com porco assado, grossas sopas e gordurosos ensopados
e galinhas à cabidela. Antes da
comida ser servida lá estava um menino de carequinhas com a camisa de
renda, era parecido com o que fizera a prova no almoço, mas menos parecido que
o que fizera a prova na janta anterior.
Ele depois de cumprir todo o ritual da experimentação dos pratos e
esperar a refeição terminar foi levado para os braços do velho mandinga e seus
vomitórios.
Joaquim Pedro, toda a família e até os cães de guarda
comeram tanto que sua sesta foi até a manhã seguinte.
Enquanto toda a casa grande dormia, nove escravos celebravam o inicio do mês sagrado do
Ramadan. Formando um círculo e com
braços enlaçados e passos compassados dançavam, girando contra os ponteiros do
relógio, um mais velho com uma túnica verde dizia no centro: "Allahu
maa es sabirin" e todos repetiam.
O chefe religioso voltava a dizer "Allahu maa es sabirin"
e parava como suspenso no ar e todos continuavam: "Va lihalli el
machreq va el maghreb e aceleravam o giro contra os ponteiro do relógio.
Depois da celebração, a princesa chegou discreta e
acompanhada de duas crianças e fez a saudação: Salamaleicum! Diante do olhar severo de um dos mais
velhos usou o dialeto palaar que aprendera com a avó: São meus olhos,
meus ouvidos e não tem boca. As
crianças fingiram não entender as palavras.
O robusto mandinga falou pausadamente: Já fizemos três
viagens até as ilhas dos Rochedos que está a três dias no barco pequeno. É a mesma de nossa viagem.
O velho marinheiro de Bioko observara que o capitão negreiro holandês viajava sempre contra
o nascimento do Sol. Eles haviam passado naquelas ilhas cinco dias antes da chegada. Lá não tem nada, só pedras, mas se pode juntar água doce, pois chove e há uma pedra alta de mais de quinhentos metros, onde se avista muito longe e se pode ver barcos indo para o sul e para o norte. A ilha está totalmente abandonada. Nosso barco pequeno pode chegar ao litoral em dez dias, mas não tem como levar comida e gente para todo este tempo. Quando o novo barco ficar pronto poderemos começar fazer a travessia, enquanto isto, levemos as talhas de água e provisões para a Ilha deserta em viagens continuas. Na maior, conseguimos uma caverna pequena, podemos ampliá-la com ferramentas para guardar os mantimentos protegidos dos animais.
As viagens dos barcos pequenos de ida e volta à Ilha demoram três dias, mas é muito cansativo e o sol é muito forte. Salamaaleekuum!
Ela assentiu, sorriu e começou: Os jesuítas fizeram a
visita e somente voltaram dentro de uma lua cheia. A milícia de segurança somente chegará em uma lua deverão
ser vigiados até deixarem a região. O barco sai na noite de lua minguante e não
poderá ter uma carga muito grande, para ter velocidade. A comida e água deverão ser mínimas. Precisamos levar dez casais de velhos de
volta para casa e o barco deve voltar o mais rápido possível, aproveitando os
ventos desta época. Vamos fazer
mais sepulturas no cemitério e
festejar suas passagens, enquanto outros ficam escondidos na cidadela esperando
a viagem. Os que forem
substituí-los devem ficar sobre os cuidados do velho escravo ganês das
medicinas e tratamentos de marcação. É
a primeira grande viagem de retorno,
sentenciou.
X -
O ano estava chuvoso. Joaquim
Pedro estava preocupado com a produção de açúcar que não ia ser maior que a do
ano anterior, embora ele houvesse plantado uma área maior. Assim sendo ele precisava de muito mais
peixe para sua produção e para deixar os escravos contentes e mais produtivos,
com seus restos e vísceras.
Entretanto, a cada viagem de pesca os peixes eram menores
e o barco precisava ficar no mar muito mais tempo, pois ia cada vez mais mar
adentro. Autorizou que a jornada de
pesca fosse de doze dias, mas exigiu que todo o peixe chegasse salgado e bem
seco. Os escravos adaptaram tendais
para redes do lado do barco para colocá-los para secar e poder permitir melhor
situação dentro do barco. Com os dois
barcos em ação conjunta era possível fazer os levantamentos e ainda abastecer
tanto a casa grande quanto à cidadela.
Afinal os escravos necessitavam abastecer mais de cento e cinqüenta
quilombolas ativos.
A cidadela era nas grotas íngreme e inacessível pela
selva densa. Eles nunca faziam fogo à
noite, nem ruídos para não chamar atenção.
O sistema de vigilância e segurança era todo controlado por
crianças. Quando crianças carequinhas,
depois de sua experimentação da comida na Casa Grande iam passar dois ou três
dias na Cidadela, para recuperação. As
mães escravas não reclamavam e se não eram notadas, permaneciam na cidadela.
Um dos meninos
experimentadores de comida na Casa Grande era um grande consumidor de pimentas
nas refeições. As cozinheiras
atenderam quando ele pediu o molho de pimentas nos bocados a serem servidos.
Comeu e permaneceu
sentado no chão esperando que o jantar terminasse e lhe fosse autorizado a
sair.
Sentiu alguns
calafrios ao sair rumo à senzala. A
meio caminho sentiu uma tontura e cambaleou, mas foi agarrado pelo velho
escravo ganes, que o levou ao colo.
Imediatamente lhe
administrou o vomitório de água morna, cinzas e sal. Repetiu o tratamento, pois notou o forte cheiro de pimenta e
pedaços das mesmas em seu vômito. Foi
muito difícil reanimá-lo.
Duplicou a dose de
chá de Calabar.
O menino ficou meio
adoentado uns dois dias e foi levado para a cidadela, onde ficou sob observação
durante uma semana.
A primeira
recomendação foi diminuir a pimenta vermelha na Comida da Casa Grande e
substituí-la nos temperos por pimenta-do-reino, que era cultivada na cidadela e
pouco conhecida.
A segunda é que era
proibido aos meninos comer pimentas três dias antes da sua escala para provador
de comida na Casa Grande.
A situação era
delicada e exigia providências. Por
mais árdua que seja a refrega, não é permitido colocar em riscos inocentes
mesmo com as mais nobres intenções, aprendera Fanta no Alcorão.
Fanta e o velho mago
mina passaram horas conversando em soninké. Ela achava a proposta arriscada,
mas o mago ponderava ser necessário o experimento para dar maior segurança na
proteção as crianças e ao mesmo tempo maior eficácia no uso, sem acidentes.
Finalmente ela
concordou, pois não se pode negar ao saber as oportunidades que trarão maior
conhecimento sobre os riscos, sejam quais forem os resultados.
O mago propunha que
os restos de comida destinado para os cães de guarda na Fazenda, seriam
agregadas diferentes quantidades de pimenta.
Como cada cão come sua ração em separado dos outros para evitar brigas,
era muito fácil avaliar os resultados.
Fanta tinha razão o
infausto aconteceu, pela manhã havia um cão morto e dois intoxicados.
Foi fácil administrar
gotas de tintura de fava de Calabar aos cães e à água dos mesmos, mas o morto
continuaria morto.
A sinhá, esposa de
Joaquim Pedro, se desesperou, pois era o cão de seu maior afeto. Condoída mandou lavá-lo no rio, fazer um
caixão. Ela ia providenciar a vinda dos
jesuítas para
encomendar a missa de corpo presente. Joaquim Pedro antecipou que era proibido pela Santa
Igreja encomendar animais e mandou os escravos enterrarem logo o cachorro.
Foi apresentada uma
sepultura, ao pé da mangueira onde agonizou o capitão de mato, com pedras
brancas e muitas flores que agradou a Sinhá, pois não acompanhara o enterro.encomendar a missa de corpo presente. Joaquim Pedro antecipou que era proibido pela Santa
Igreja encomendar animais e mandou os escravos enterrarem logo o cachorro.
Fanta pediu em nagô
que a cozinheira da Casa Grande induzisse a Sinhá a comer cabrito assado, pois
era o prato menos repetido pela família.
Minutos depois aos
gritos a sinhá anunciava a todos que escolhera comerem cabrito assado.
O couro do cachorro
foi retirado pois era útil como bucha nas rodas do carro de boi, por facilitar
sua lubrificação com gorduras, diminuindo o ruído e permitindo ações mais
tranqüilas, nos transportes noturnos.
O cachorro, sem rabo,
patas e cortado na metade do focinho para extrair os dentes superiores e
caninos ficava um cabrito. Uma vez
limpo o cão foi mergulhado em um molho de vinagre, sal, alho e cebolas
esmagadas, com manjericão, alecrim e alfavaca
Assou lentamente toda
a tarde e inicio da noite, com banhos periódicos do vinha d'alho.
O cabrito foi
muitíssimo elogiado, após a refeição.
Para evitar a
desconfiança foi deixada a cabeça, pois muitas vezes nos porcos assados,
Joaquim Pedro notou que os escravos tiravam o rabo, as patas, a língua, as
orelhas para levar para a senzala e ele passou a proibir que isso fosse feito, evitando um
aproveitamento de proteínas pelos mesmos, embora na Casa Grande não comessem
tais partes.
O velho mago mandinga
foi buscar o menino provador do dia, que nem sequer havia tomado azeite de
dendê e bambá pois a ceia era uma festa, sem atividades noturnas extras.
Ansioso o velho
escravo perguntou para o menino: Que
tal o cabrito?
A criança em sua
inocência respondeu: Comi muito pouquinho.
Estava gostoso, mas bem apimentado.
Quem gostou mesmo foi a mãe do Sinhô, que se atracou na cabeça assada e
só largou quando era caveira bem limpa.
O velho mina matreiro
queria rir, mas conhecia a perspicácia das crianças.
Na cidadela chegava
um genuíno caprino para a comemoração de cem ano de uma velhinha e deleite de seus convivas.
Ela não aceitou
preparar o cabrito para o seu aniversário, doou para uma cerimônia de muito
mais importância.
Um jovem mestiço,
filho de um dos filhos do Sinhô com uma escrava, era muito revoltado por saber
de sua origem, embora não tenha sido criado como os “filhos de Saladino”* terminou indo para o pelourinho, embora
tivesse uma companheira e um filhinho pequeno. O menino poucos dias depois de cumprir três anos viu seu pai
morrer pendurado no pelourinho.
Por esta razão o
menino cresceu extremamente revoltado.
Fez uma traquinice de
colocar uma casa de marimbondo tapa-goela dentro do quarto do seu avô ilegítimo
(filho de Joaquim Pedro). Foi
brutalmente castigado com a máscara de folha de flandres em todo o rosto e
pendurado no Pelourinho, donde adquiriu uma pleurisia que nem mesmo o velho
mago mina conseguiu curar.
Este menino foi
enterrado como “morto” e depois ressurgiu na Cidadela, mas tinha poucas chances
de viver.
O grupo de velhos
ex-escravos resolveu fazer a oferta de troca pelo cabrito e chamar a avó
do menino do inframundo para realizar a cura do mesmo.
Escolheram uma
caverna com a boca para o outro lado do vale e que não ressoava para a Casa
Grande, nem para nenhum vizinho pois seria necessário uma cerimônia durante
toda a noite. Foi escolhida uma noite
de Iansã (Oyá).
A avó do menino, de
nome Rosa foi invocada pelo grupo de escravos com cantos e toques nos
atabaques. Seu espírito baixou no
terreiro e começou a dançar e cantar.
Trouxeram-lhe o menino já desfalecido, sem qualquer chance de vida.
O cabrito foi
sacrificado. Um pouco de sangue do
mesmo foi administrado ao menino em uma cuia.
Um pouco de vinho do Porto de cinqüenta anos e aguardente (marafa)
foram queimadas na cuia e das cinzas, o menino foi “cruzado”. Riscado com traços de pemba e pontos
feitos com ponta de punhal, na cabeça.
Recebeu sete cruzes
na cabeça e três em cada dorso da mão.
As gargalhadas do espírito da avó eram sinistras, mas todos riam e
dançavam como se vissem outra coisa. O
menino acabava de ser batizado naquele terreiro e todos dançavam.
Antes do Sol nascer,
Vovó Rosa desincorporou do cambono
(cavalo). Saravóu, subiu
gargalhando e antecipando: - Os arcanjos começam a atiçar o fogo.
No dia seguinte o
menino estava bem melhor, lhe deram uma dieta de ovo de pato e cinza de fogão,
em uma semana ele estava totalmente sadio, tão alegre quanto às crianças
quimbundas.
As vovós diziam que a
"troca" fora para tirar o veneno do sangue do avô paterno.
Assim o jovem rapaz
cresceu, os velhos escravos nas horas de nervosismo e tensão o viam
cantarolando em xisena: “Ela veio sacudir sua saia no Congá. Com licença de Oxalá é Vovó Rosa que vem
saravá.”
O jovem se
transformou no braço direito do capitão do saveiro quilombola de velas negras e
o primeiro a chegar na costa africana deixando os velhinhos. Seguramente no sorriso da avó havia algo
mais que ela não quis antecipar.
XI - O saveiro da Casa Grande ficou pronto e
recebeu o nome de Cintra.
Joaquim Pedro determinou a seus filhos a organização de
uma pescaria para três semanas, pois em breve ia começar a colheita de açúcar e
tinha de ter todo o pessoal na colheita e engenho. Por desconfiança, obrigou que o seu outro capitão-de-mato
comandasse a viagem sem interferir com os escravos. Bem armado, o capitão-de-mato embarcou.
O irmão gêmeo do Cintra não tinha nome, era quatro vezes
o tamanho dos barcos pequenos, um mastro grande e dois pequenos, tinham o fundo
chato, como o outro e era muito veloz.
Tinha espaço interior para trinta pessoas, mas não tinha como carregar
água e alimentos para todos a não ser por a quatro a cinco dias. Os anciãos não podiam se alimentarem de
colares e paçoca durante toda a viagem.
Dedicados à pesca partiam cheio de comida e voltavam cheio de peixe
salgado.
A ordem do saveiro quilombola era fazer viagens até a
ilha e depositar lá tudo como entreposto, inclusive os escravos e depois dali
os transportá-los diretamente à África, enquanto o barco pequeno fazia as
viagens entre a cidadela e a ilha para abastecimento continuo de libertos
e provisões.
Tinham que levar tábuas serradas, cravos, ferramentas,
mastros para substituição em caso de acidentes, resinas e outros repostos para
reparações. Estava sempre atulhado de
talhas com água, azeite de dendê, peixe seco, farinha de milho e paçoca de
amendoim e gergelim. Mais de mil cocos
estavam espalhados pelo seu fundo.
Ele fora transportado durante uma noite que uma das
crianças carecas teve de fazer o vomitório.
O saveiro quilombola zarpou pela noite com vinte casais
de escravos da cidadela e uma tripulação de cinco experimentados
pescadores. O barco pequeno quilombola
ficara designado para recolher escravos
fugidos para a cidadela e precisava pescar constantemente para garantir as
provisões na cidadela onde já havia mais de 300 pessoas cuidando os cultivos de
pimenta, fumo, cânhamo, cana-de-açúcar e produção de panelas de cerâmica.
Dois quilombolas que
haviam fugido do Sul chegaram à Cidadela.
Foram entrevistados por um comitê de recepção e organização.
Ambos tinham uma
história um tanto diferente, mas com morte e desespero. Seus pais morreram nas charqueadas, uma
atividade de matar o gado para tirar a carne e fazer o charque, carne-seca e
similares e aproveitar o couro salgado.
Trabalhavam com o
sangue dos animais quente, sobre o sangue apodrecido dos dias, semanas e meses
anteriores sobre moscas, calor, frio, chuvas e um vento cortante contínuo. Poucos agüentavam mais de cinco anos nessas
condições.
Tinham de carregar as
mantas de carne salgada nas costas e as queimaduras eram cada vez maiores pelo
sal que não deixava infeccionar, mas aumentava suas lesões.
Com a eclosão da
guerra entre os poderosos locais e o império, fomos obrigados a ir para a
frente de batalha, sem treinamento, para enfrentar as tropas mercenárias do
imperador: Eram austríacos, belgas,
franceses e zuevos todos soldados atrás de fortuna.
Mas, a dor ensina a
gemer e a cada combate mais experiência se adquiria, ademais quem luta pela
vida, sabe o que pode perder.
Os que eram peões nas
estâncias ensinaram os outros todas as artes de montar o cavalo sem sela ou
montaria. A necessidade de
defender-se levou à imitação e o uso da lança foi um aperfeiçoamento diário.
Muitas vezes não
havia cavalos suficientes e dois lanceiros dividiam um cavalo. O que causava muita surpresa aos brancos
enfeitados. Um colocava a lança no
olho do cavalo e outro levantava o miserável, com um impacto visual forte sobre
os companheiros deles.
Quando os brancos
viram que a guerra ia ser resolvida nas salas com bebidas e conversa. Primeiro, desarmaram todos os
lanceiros-negros, que sempre iam à frente.
Depois desmontaram todos e por ultimo estavam tirando a comida e
apetrechos. Então nós fugimos, roubamos
um barquinho pequeno e remávamos de noite e dormíamos de dia escondidos.
Depois de seis dias
chegamos ao porto, subimos em um navio estrangeiro. Entramos entre os fardos de Charque e couros e se escondemos.
Antes molhamos bem o
poncho de cada um em água doce e viajamos escondidos até as grandes minas de
Sal (Cabo Frio). Ali os escravos nos
informaram da Cidadela e aqui viemos.
Temos nossas espadas
que tomamos dos oficiais que enfrentamos.
Podemos fazer lanças
para ajudar na defesa, na pesca, sabemos criar gado. Conta com a gente em tudo que for para fazer.
O capitão do saveiro
quilombola sorriu e perguntou: Nasceu antes da travessia ou depois? Nós fizemos a travessia criança com nossos
pais, mas não somos irmãos, fomos capturados juntos e dominávamos o kikongo e
o xichonga agora só falamos o português. Depois trabalhamos nas Charqueadas e os últimos dez anos foram
na Guerra, por incrível que pareça, foram os melhores. Enganaram-nos, pois disseram que quem
lutasse bem ganharia a liberdade. Pelo
que imaginamos todos os nossos companheiros já estão mortos.
O capitão, assentiu:
Suas lanças vão ser muito importante para a pesca em alto mar. Comandante, eu meto uma lança no olho de um
cavalo a galope e não erro. A morte è
tão instantânea que ele não se mexe.
Estás acostumado com
o mar?
Depois da solidão da
travessia do Oceano, nos aprendemos em uma imensidão verde igual o mar, que não
tem fim e é uma solidão pois nunca se encontra gente ou bichos, só gado e as
bestas. O outro quilombola
completou: Há uma companhia que é a do
chimarrão, quente no inverno frio e muito refrescante no verão. –É algo de que se sente falta.
Fanta assumiu:
Bem-vindos, Allahu maa es sabirin. Eles logo responderam Aleicumsalama.
O velho mina não
deixou os dois descansarem, queria saber tudo sobre o chimarrão. Tudo foi detalhado com minúcias.
Já descobrindo o que
era o chimarrão, perguntou: Faz urinar?
E a resposta foi: Bah!
Nos dias seguintes o
velho mina não parava um segundo, buscando folhas, secando-as. Lembrou da árvore que os negros do Sudão
havia plantado atrás da senzala e que dava os frutos muito amargos. Foi buscar
as folhas, pois delas já tinha feito a tintura e esta tinha sido usada no
batizado do neto do Feitor misturado no suco de tamarindo com tintura de Cola
africana.
Foi a coisa mais
alegre, pois ninguém parava de rir até os jesuítas, prefeitos, vizinhos todos
passaram toda a tarde felizes depois de tomarem o suco de tamarindo.
Foi preparado um
chimarrão com as folhas africanas, mas os dois disseram ele não è amargo no
começo. Só no fim, no começo é bem
doce.
O velho mina lhes deu
a tintura da árvore africana (Cola nitida)*
em suco com muito açúcar. Ambos
tomaram e arrotaram. Bah! este está bem
melhor, mas não é chimarrão.
O velho mina havia
descoberto em uma planta africana. Sua
tintura estimulante era imprescindível para a travessia, quando era necessário
ficar até três noites sem dormir.
Os dois mudaram de
oceano e foram fazer suas charqueadas com os atuns e ficaram conhecidos como os
lanceiros-do-mar.
Lá havia muito trabalho, organização e
conscientização. Como em toda parte há
alguns tão judiados, que ficam irrecuperáveis e podem por a perder todo um
trabalho coletivo.
Estes eram tratados com todo o tipo de tinturas e ajudas,
mas os que eram brigões e não respeitavam a comunidade, recebia após muitas
admoestações, uma última refeição preparada com o peixinho espinhento, que era
cuidadosamente recolhido e tratado.
Pois após os estudos e experimentações se chegou a conclusão que ele era
o mesmo que existia nas praias do Golfo da Guiné e que era tão venenoso quanto
aquele.
Seu efeito, paralisava todos os músculos e a morte
ocorria após oito horas de agonia, sem o individuo poder mexer um músculo
sequer. Todos sabiam que manter os
objetivos e metas era o primeiro principio que todos haviam jurado cumprir na
sua chegada ou transferência para a Cidadela.
Uma primeira admoestação pública era tolerada, mas a segunda
era servida a refeição final.
O saveiro Cintra largou muito antes do Sol nascer com
provisão para duas semanas no mar. O
barco a remo de Joaquim Pedro ia auxiliar para alguma emergência. Ambos tinham o leme amarrado para o local
onde nascia o Sol e poucas horas depois já era possível um avistar o
outro.
Antes de colocar o mastro e a vela no barco a remo, o
capitão-de-mato foi convidado a tomar um licor de uvaia. Ficou falante, mas conversava coisas
estranhas, sempre sentado em um canto, como se estivesse em outro mundo. O barco pequeno era muito mais rápido e
logo ultrapassou o Cintra. O
capitão-de-mato foi transferido seu interior junto com sua cabaça de licor,
mais parecia um morto-vivo, pois não sabia onde estava, nem o que estava fazendo. Apenas obedecia.
Era o efeito da tintura de datura de flor amarela e fruto
roxo, que em alguns dialetos africanos é chamada de burundanga. Esta planta tem a capacidade de fazer que,
quem a ingere de perder totalmente a memória do que está acontecendo, podendo
cumprir ordens sem saber o que faz e não se lembrar do que fez, aconteceu ou
sofreu.
A tintura dessa planta africana era misturada aos licores
de frutas. Os escravos riam, pois ele
deveria ir e voltar, mas não teria nada para contar. Chegaram à Ilha (Trindade) ao meio do terceiro dia.
A ilha era imponente e seu pico de mais de 500 metros
avistável desde o nascer daquela manhã, a outra pequena a ela era praticamente
inacessível.
Escolheram uma baía e recolheram as velas e começaram a descarregar as talhas, barris, fardos de fumo.
Escolheram uma baía e recolheram as velas e começaram a descarregar as talhas, barris, fardos de fumo.
O escravo-capitão do Cintra fazendo troça mandava o
capitão-de-mato carregar os barris e fardos mais pesados. E o chamava de burundanga, sendo
imediatamente atendido.
Uma das anciãs foi ao comandante com uma idéia: Por que
não tingem as velas da cor do mar, para que o barco não seja avistado por
outros à grande distância. Ela mostrou
suas roupas negras tingidas com jenipapo e as azuis-marinhos obtidas com anil. O comandante fascinado agradeceu. Pensou em fazer, também, túnicas azuis como
dos marinheiros ingleses que aportavam em Bioko.
Um dos olhos e ouvido da princesa observou
que deveriam ser trazidos alguns bodoques dos tupiniquins e arco e flechas para
se caçar aves, pescar e também proteger os que iam ficar na ilha. O comandante ficou mais estupefato, possuía
uma tropa e seu conjunto cada vez ficava mais homogêneo e único. Repetiu
sozinho: Allahu maa es sabirin ( Alá está com os perseverantes) Sura
2 Vers 153
Descansaram um dia todo e pela madrugada partiram da ilha
em direção onde nasce o Sol.
Era a grande aventura, seriam mais de dez dias. Chegavam à costa africana ou tudo
terminaria no fundo do mar. O vento
era muito forte e o barco pequeno logo se distanciou à frente do saveiro
distinguido durante o dia como um ponto no horizonte e à noite por uma lanterna
de dendê.
O jovem imediato há muito havia encontrado na praia à
beira d' água um belo cachimbo de raiz de raiz de roseira e bocal de marfim,
seguro que era inglês. Passou a usá-lo
durante as viagens, principalmente à noite.
No oitavo dia, os do saveiro começaram a observar aves
marinhas de costa e logo a silhueta do continente. O barco pequeno já estava voltando com guizos e areia das praias
onde havia entregado os anciãos e anciãs e alguns fardos de fumo e um barril de
aguardente como suborno.
O mercador interessado em encaminhar os libertos para
suas regiões, tribos e clãs não queria os fardos de fumo, nem o barril de
aguardente. Exigiu o cachimbo como
pagamento.
O capitão imediato ficou desconfiado e fez uma
contra-proposta para dobrando o número de libertos que ele deveria encaminhar
pelo cachimbo. O que foi aceito por
ambas as partes.
Somente na hora de tocar terra africana, que os
ex-escravos mostravam a marca da fazenda dizendo: Diga para ninguém tirar sua marca. Esta é a comprovação que nossa vitória "xinga"
Joaquim Pedro.
Eles reconheceram os idiomas quimbundo, bantú
e kikongo dos seus habitantes.
Uma toalha bordada em renda,
disfarçando as letras árabes, feito pela princesa, devia imediatamente
chegar ao seu pai em Bioko.
Seguramente chegaria, através dos marinheiros, pois a promessa de
recompensa era muito valiosa, foi entregue mais um fardo de fumo e um barril de
aguardente.
No saveiro todos exultaram, pois tudo dera certo, tinham
pouco tempo para voltar para a ilha, passaram para o barco pequeno as provisões
necessárias para o retorno. O
capitão-de-mato, ainda sob o efeito da burundanga, acompanhado pela cabaça de
licor subiu a bordo. Eles tinham de voltar
para pescar e retornar no prazo.
O barco pequeno e o Cintra chegaram na projeção da foz do
rio Doce na lua nova e isto era bom para a pesca. Em poucas horas os barcos estavam atulhados de peixes salgados e
alguns frescos e dos maiores somente.
As redes vinham penduradas carregadas de peixes gigantes. Deixaram os mastros e velas para serem
recolhidos pelos quilombolas e chegaram ao porto de São Mateus aparentando
cansaço e a pele queimada pelo sol. O
saveiro quilombola teria de esperar a noite e o efeito da datura para poder
passar pela casa grande e ir para a cidadela.
A explicação dada foi de muita calmaria, mas, quando a
lua nova entrou, eles pegaram o peixe e o vento foi trazendo muito velozmente o
barco, permitindo que uma parte chegasse fresca.
Joaquim Pedro exultava com o resultado, mas não conseguia entender seu capitão-de-mato, transformado em escolta de pescaria, que somente repetia muito peixe voador, muito peixe voador, muito peixe voador. Tão confundido, passou mais de uma semana sem saber sequer de que lado montava seu cavalo.
Os velhinhos responsáveis pela marcenaria estavam
afoitos. Com machados e enxadas
estavam cavando em volta dos tocos de jacarandá, mogno e cedro. Eles tinham experiência, que nos tocos de
cedro, um pé do solo para cima e para baixo, há uma madeira totalmente
diferente que serve para fazer cachimbos imitando a raiz de roseira.
Logo, uma centena de belíssimos cachimbos torneados e
polidos com cera de carnaúba estavam à disposição dos marinheiros quilombolas. Sua vantagem era o valor de troca e ademais
que poupavam muito espaço e peso ocupado com as cargas para o pagamento de
subornos e prêmios, permitindo mais carga humana.
O período de corte da cana-de-açúcar era o mais propício
para os escravos fugirem, pois se trabalhava até à noite na colheita,
transporte e funcionamento do engenho de açúcar e alambique, entretanto nas
terras de Joaquim Pedro era diferente, pois os escravos dele iam buscar nas
áreas vizinhas mais famílias para esconder na sua cidadela.
Alguns eram incorporados às atividades da colheita de
cana-de-açúcar, enquanto esperavam o translado e a viagem de regresso.
O controle de produção de Joaquim Pedro era pelo número
de carros de bois carregados que entravam no engenho. O interessante é que eles estavam aumentando constantemente e
ele nem imaginava que estava transformando em açúcar e aguardente toda a
produção da cidadela, que era trazida e misturada à dele e depois subtraída
para ser transportada à Ilha e servir, junto com o fumo para pagar os subornos
na costa africana.
A produção de pimenteira era toda da cidadela e já
ultrapassava a centenas de barricas, mas poucos sabiam seu valor.
Na primeira refeição onde se serviu para os escravos só
angu, abóbora e beiju, as viagens de carros de bois carregados de
cana-de-açúcar diminuíram pela
metade. Desesperado Joaquim Pedro
mandou matar seis vacas para remediar o problema com os bofes. Não adiantou.
XII - Ele foi obrigado a organizar mais uma
pescaria.
Em paralelo, foi feita a segunda viagem, com trinta
casais de anciãos, eles nem seriam notado, pois já haviam sido substituídos e
aguardavam com ansiedade acampados na cidadela. Ali aprendiam o valor do trabalho livre sem a apropriação pelo
feitor. O prêmio era a viagem e tinham
de aguardar a sua vez, que era decidida por todos em uma assembléia.
Apliquei o aprendido nas aulas na
Escola de Navegação de Timbuktu e os penosos exercícios navegando nas
caravanas, nas areias do deserto se orientando somente pelas estrelas, com mapas
mentalizados e desenhados no couro de cabra. O épico do Almirante Abukbar
descobridor do grande rio (Amazonas) mil vezes maior que o Níger do outro lado
do oceano em 1322.
Já temos um mapa dos céus daqui
até Bioko, que está entalhado no chão dos nossos barcos e sextantes que toda a
tripulação sabe usar com precisão.
Ademais fizemos o entalhe dos relevos da cidadela e da África entalhado
na parte interna do bombordo e sotavento para correção de curso.
O saveiro quilombola saíra com suas velas negras tingidas
com jenipapo, dois dias de antecedência ao barco pequeno. Contudo, chegou à Ilha, apenas algumas
horas antes. Houve a troca de
tripulação e carregamento de provisões.
Ambos continuaram em direção onde nasce o Sol com o cuidado de se saber chegar
ao mesmo local, pois o capitão desenhara e esculpira o relevo do horizonte, no
ponto de interesse.
O jovem comandante-substituto, fora imediato na viagem
anterior e sabia muito bem onde tinha de chegar. Sozinho cantarolava, batendo os dedos no leme do barco: Ela
veio sacudir a sua saia no congá. Com
licença de Oxalá é Vovó Rosa que vai saravá.
O barco de pesca, também utilizava velas negras, recebeu
todos os anciãos e a última parte da viagem foi feita à noite. Pela madrugada deixou sua carga humana no
mesmo local da viagem anterior.
Ninguém tinha retirado a sua marca.
E todos a exibiam satisfeitos, inclusive alguns dos que receberam a
marca da fazenda sobre outra anterior.
Sim eles eram vencedores. Como
sempre os quimbundos eram os mais salientes.
O grupo foi recebido por um dos casais de velhinhos
retornados. A mensagem deles era muito
importante: O pai da princesa já sabe e diz que oito dias para o norte pela
costa se chega ao arquipélago de São
Tomé e logo a Bioko. Desde a Ilha dos
rochedos, direto os pescadores fazem em cinco dias, mas se deve passar ao norte
de uma ilha grande, onde tem muitos navios militares de bandeira inglesa com
muito cuidado pois é uma prisão.
Não se deve passar de dia, pois eles não toleram
barcos pequenos, identificados como piratas.
A velhinha sorridente, entregou uma bússola que o pai da princesa sabia
que eles precisavam e um mapa marítimo em couro de camelo. Oxalá tenham bom retorno.
O capitão-imediato passou a bússola para as mãos do
capitão que comandava o saveiro quilombola.
Ele a reconheceu. Abriu as mãos
e olhou profundamente, agradecendo a Alá.
Seu lugar tenente começou instintivamente a cantarolar: Ela veio
sacudir sua saia no congá, com licença de Oxalá...
A viagem de retorno foi mais rápida que a anterior, mas
houve tempo para o saveiro ajudar na pesca e transporte, fazendo parte dos
peixes chegarem fresco à fazenda. A
única novidade é que eles deveriam usar uma bandeira no saveiro, para não
levantar desconfiança.
Uma bandeira portuguesa ou do império brasileiro não
causaria surpresa. Seria necessário
conseguir uma bandeira em Vitória. Era
necessário fazer perucas, ter roupa de marinheiro e pintar os marinheiros
quilombolas de branco, para poder parecer europeus quando algum barco passasse
muito perto, pois eles poderiam ser
aprisionados outra vez. Além de terem
velas brancas.
Fazer as perucas foi simples com crina de cavalo, pelos
de rabo de boi e palha de piaçava, algumas eram castanhas algumas eram
avermelhadas, pois os marinheiros sempre eram europeus.
O interessante foi que, na cidadela sem entender muito
bem, um grupo de quilombolas passou a
untar todo o corpo com uma mistura de polvilho de mandioca com gordura de coco
e um pouco de dendê, que tornou os
escravos brancos, meio amarelados, encardidos, como árabes ou chineses que
ficaram muito tempo ao sol. A solução
encontrada, foi levada em potes para os barcos e Ilha dos Rochedos.
Na cidadela havia mais de trezentas famílias fugidas da
região, muitos substituíam os anciãos e a produção de açúcar e aguardente
aumentavam. O trabalho livre enganava
o trabalho escravo, da mesma forma que a moeda de valor afasta a moeda sem
valor do mercado.
O saveiro quilombola partiu sozinho com noventa anciãos
para a ilha, onde iam aguardar para serem transportados ao continente
africano. Havia provisões para setenta
dias, mas todos sabiam que deveriam pescar e caçar aves, pois as provisões eram
intocáveis, assim como a água.
Não deviam fazer fogueiras à noite, para não atrair a
curiosidade de navios para a ilha e ter sempre um conjunto de pessoas no monte
da Ilha dos Rochedos sob um grande guarda sol de palha, controlando a passagem
em ambos os lados até o horizonte.
Quando os barcos quilombolas fossem avistados, uma lanterna grande de
dendê, com espelhos deveria ficar acesa
lá em cima após o por do Sol. Durante
o dia, gomos de caniço finos e compridos servem como luneta para observar uma
distancia até três vezes mais longe no horizonte.
Na senzala, o grupo mais próximo chegou para a reunião
com a princesa. O menino escravo já havia tomado o chá de fava de Calabar e
dormia normalmente.
Na Casa Grande, todos haviam ceado e tomavam o licor de
jenipapo. As crianças comiam doce de
abóbora enriquecido com burundanga.
Conversavam em voz alta até altas horas.
O relato feito pelo comandante da segunda excursão fora
rápido em nagô e sua recomendação: Instalamos a bússola, a prioridade é
encontrar a ilha mais ao nordeste de Trindade, a dois ou três dias de viagem e
como foi avisado ter muito cuidado pois a ilha é cercada por navios
militares. Vamos precisar dos dois
barcos pequenos e dos dois saveiros para encontrá-la. Depois somente nosso barco pequeno. Dali, fica perto o Arquipélago de São Tomé e o caminho é conhecido
até Bioko. Não podemos perder muito
tempo procurando a Ilha. Temos de
encontra-la. Cada barco pequeno vai
com uma variação de dez graus. Isto dá
os 40 e vinco graus que foi recomendado.
Antes o saveiro quilombola fez mais seis viagens solitárias
à ilha, cada uma, com mais noventa anciãos e voltou para a cidadela.
XIII - O aniversário de Joaquim Pedro se
aproximava era o auge da colheita da cana e ele queria uma festa gigantesca.
Seu navio negreiro, o Santa Edwiges transformado
um cargueiro havia retornado do Rio de Janeiro onde fora deixar uma carga de
açúcar, aguardente e peixe salgado, cujas vendas estavam garantindo uma sobre
renda para o feitor. Logo os escravos
mais velhos e descartáveis seriam chamados para fazer uma obra de alvenaria na
Casa Grande e depois seriam trucidados, pois ali seria enterrada mais uma
botija de ouro.
Joaquim Pedro colocou o navio negreiro à disposição dos
escravos para auxiliar na pescaria. Foi
carregado com provisões para um mês, sal, água, azeite de dendê, cocos, até
galinhas vivas foram carregadas, pois ele ia acompanhar a viagem. Seus dois filhos, mais velhos, tomariam
conta da fazenda.
No navio cargueiro havia espaço para muitas provisões, e
os escravos aproveitaram todo o espaço dizendo que no mar se fica com muita
fome. Joaquim Pedro, como sempre,
levaria um menino escravo para provar antecipadamente todo o alimento que
desejava ingerir.
Então, a princesa que era conhecedora de seus hábitos
mais íntimos e preparara três moringas de vinagre e outras três com tintura de
fava de Calabar africana, para proteger a criança cobaia, pois agora não tinha
como trocar de criança como vinha fazendo desde o começo na Casa Grande.
O licor de jenipapo era a predileção de Joaquim Pedro e o
mar convidava. Ele entrou em transe, e
o menino da cabeça raspada, havia tomado dois copos de dendê e água morna de cinza para vomitar e algumas
gotas da tintura de Calabar para cortar o efeito da datura.
O melhor é que os quilombolas amarravam uma corda na
cintura do menino e o atiravam ao mar em saudável brincadeira, mas na verdade
para o choque térmico é sinérgico com a tintura de fava de Calabar, bloqueando
o efeito tóxico da datura. Ele não
ficou nem amuado pela intoxicação, mas o pobre do português, cantarolava, tirou
a roupa e todos fingiam que nada anormal estava passando.
Chegaram à ilha e ele nem mesmo notou a mesma, nem o
mundaréu de anciãos seus escravos. Ele
desceu do barco completamente nu. Duas
velhinhas desmaiaram quando o virão, não pela indecência, mas pela presença do
feitor.
Ao saberem do estado do mesmo, se urinavam de tanto
rir. Escravos faziam troça uns com os
outros e os quimbundos rebolavam
O plano era ir, como recomendado, na direção ao
nordeste. Eles já sabiam, que saindo
da Ilha dos quilombolas, a bússola tinha de estar em 57 graus e antes da noite
apareceria grande Ilha (Santa Helena).
O barco pequeno já partira com a direção anotada pelo nascimento do Sol,
marcado em seu leme. O saveiro zarpou
da ilha na metade da tarde com trinta casais de anciãos que haviam estado na
ilha desde a viagem anterior. Todos
estavam felizes e mostravam sua marca ao próprio Joaquim Pedro ao subir a
bordo.
O barco de Joaquim Pedro seguiu na manhã seguinte.
O barco pequeno avistou a ilha no final do crepúsculo,
suas velas negras tingidas com tintura de jenipapo o disfarçavam que era
invisível a menos de duas milhas. Ele
contornou a ilha a uma distância segura e continuou a viagem. Na noite do segundo dia, percebeu que
estava indo em direção a uma nova ilha, contornou-a pelo sul a uma boa
distância, pois esta era a sinistra São
Tomé e Príncipe, poderoso centro negreiro no passado.
O saveiro quilombola mantinha-se de dez ou doze milhas no
seu rastro. Depois de cinco dias de
viagem, o pequeno barco avistou o litoral era diferente do litoral das viagens
anteriores.
Aproximou-se e deixou sua carga humana, com mais um
bordado feito pela princesa Fanta, para seus pais, entregou fardos de fumo,
barris de aguardente e oito cachimbos genuínos de raiz de jacarandá para pagar
o serviço.
Um dos anciãos que havia aprendido um pouco de árabe,
iria procurar um mercador. O pequeno
barco voltou na direção inversa e logo encontrou o saveiro, que rapidamente
descarregou seus passageiros. Ele
novamente aproveitando o manto da noite chegou ao litoral e descarregou no
mesmo local os ex-escravos, agora libertos.
O barco pequeno passou pelo barco grande de Joaquim Pedro
e somente deu as diretivas.Ele
esperaria na noite do dia seguinte a chegada do saveiro para descarregar seus
passageiros para o mesmo e imediatamente voltaria para encontrar com o barco
pequeno já retornando.
Os noventa ex-escravos não agüentaram chegar às praias,
muitos se atiraram às águas, ao sentirem pouca profundidade. A festa foi muita. O pessoal do saveiro trocou dois fardos de
fumo por três porcos vivos e algumas galinhas na praia, carregaram as talhas
com água e voltaram para o mar.
Todos chegaram ao lugar marcado ao sul da ilha (Santa
Helena). Estavam preocupados, pois
cruzaram por barcos de pesca, avistados à noite pelo reflexo das lanternas nas
velas brancas.
Resolveram pescar ali mesmo. Qual não foi a surpresa, quando começaram a sentir as redes tão
pesadas como nunca antes. Ao puxar a
mesma, sentiram que os peixes eram gigantescos. Não eram os melros, nem dourados ou robalos, eram atuns, peixes
com mais de 300 quilos, que necessitavam ser mortos com fisga e içados para
dentro do barco. Os escravos das
charqueadas mostravam sua destreza. Os
lancaços iam olho a dentro dos atuns que pouco se mexiam. Ainda bem que o barco grande de Joaquim
Pedro estava ali, pois seria perigoso para o barco pequeno e mesmo para o
saveiro quilombola colocar um peixe daquele tamanho no seu interior ainda meio
vivo.
Em poucos minutos pegaram setenta e quatro atuns e
Joaquim Pedro tomava mais um licor de jenipapo e datura, alheio a tudo e a
todos. A pesca estava terminada, o
peixe salgado. O barco pequeno largou
na frente com cinco atuns limpos pois havia acabado o sal e ele tinha condições
de chegar à ilha em três dias. O
saveiro saiu com mais cinqüenta atuns salgados para cidadela.
Os céus estavam anunciando tempestade para dentro de dois
ou três dias e ficaria perigoso estar em alto mar.
O barco de Joaquim Pedro usou a Ilha dos escravos como
referencia para o retorno e ali foram mortos e assados os porquinhos. Depois da comida zarparam. Todos a bordo lavavam cuidadosamente e
tiravam qualquer vestígio de gente no mesmo.
Joaquim Pedro resolvera colocar roupa e a cada dose de seu licor, o menino ia ao seu ouvido contando como fora a pesca do atum.
Depois que a ilha dos escravos não era mais vista no
horizonte a cabaça de licor de jenipapo foi trocada e na comida junto à farinha
podia se notar alguns caroços de fava de Calabar para acelerar a
desintoxicação.
Joaquim Pedro chegou em casa normal, orgulhoso com os
vinte atuns que pescara.
Na Casa Grande reuniu a todos para contar havia matado um
atum de mais de 300 quilos com um tiro de bodoque e puxado o mesmo sozinho para
dentro do barco e sangrado.
Arrogante, desafiava: Esta negrada de merda. São imprestáveis, precisou eu ir junto para
pescar atum, mas com um olhar distante dizia: O porquinho pururuca estava
delicioso. Um flash de memória fugira
ao controle da burundanga. Era
bem verdade, os porquinhos trocados por folha de fumo, assados na ilha estavam
deliciosos.
Todos ficaram assustados, como comer porquinho pururuca em
alto mar? Desconfiaram que era potoca
do senhor. Seus filhos, esposa, filhas
e netos incrédulos se entreolham, imaginando ele, tão obeso e desajeitado com
um bodoque acertando um peixe na água, mesmo com trezentos quilos e pior ainda
matando-o...
Perguntando ao capitão-de-navegação do navio negreiro,
como estava o porco. Ele disse muito
educadamente: Nego num comi carni di proco não. Dá coceira, Sinhá
Os olhos e ouvidos da princesa fingia brincar no chão da
cozinha. Tinha a cabeça raspada e
vestia a camisa de renda. Cabia a ele
experimentar a comida naquele dia.
Fora avisado, que comesse tranqüilo, pois era dia
especial. Mas o menino nem sequer
sorria, apenas se compenetrava. Ele
sabia que na luta pela liberdade um pequeno deslize pode destruir anos e anos
de organização e trabalho.
Assim que a tormenta passasse os barcos voltariam ao
mar.
As terras de Joaquim Pedro eram uma referencia, na
cidadela quilombola chegavam escravos fugidos das Minas Gerais, da cidade de
Salvador e até mesmo das charqueadas do sul do país. Havia mais de cinco mil escravos, todos disciplinadamente
substituindo os anciãos, esperando seu transporte para a ilha e para o
continente. Havia uma consciência fruto do exemplo, respeito e altruísmo.
Cada vez menos os valentões e ignorantes queriam impor
sua vontade e alterar a consciência coletiva e cada vez menos se utilizava a
aguardente de datura ou para os mais recalcitrantes era servida a farofa de
bambá de dendê com pedaços de baiacu.
O veneno nas vísceras do baiacu é muito violento. Em
menos de cinco minutos estavam totalmente paralisados e a morte somente ocorria
oito a dez horas depois. Este peixinho
que sempre vinha na rede e que ficava inchado com espinhos era juntado a pedido
da princesa e colocado em azeite de dendê.
Com este azeite era preparada a farofa e frito o peixe da despedida para
os que não entendiam o Allahu maa es sabirin. A toxina do baiacu* é um
dos venenos mais poderosos e muito usados nas costas litorâneas em todo o
mundo, também em Bioko e Golfo da Guiné, onde o mesmo é conhecido como
peixe-sapo.
Agora, o saveiro quilombola tinha autonomia e bússola
desde a Ilha dos Escravos, não necessitava mais aguardar o barco pequeno ir
pescar, sair ao mar ou chegar a Bioko.
Sua logística era fazer quatro viagens até a ilha dos
ex-escravos e juntar as provisões necessárias e fazer uma viagem de retorno com
carga completa até o litoral da África.
O relevo da Ilha de Santa Helena visto desde o saveiro
fora esculpido ao lado do primeiro relevo do continente a estibordo. Havia um forte de Pedra sobre um monte alto
com o formato de um pão-de-açúcar.
Já se sabia da viagem com o navio negreiro que se devia
sair da ilha dos ex-escravos muito cedo para chegar às proximidades da ilha na
noite e poder passar ao norte dela sem ser percebido.
Muitas vezes, a sorte não é companheira e coisas
estranhas podem ocorrer. Foi isso que
aconteceu. Uma calmaria depois da
saída da Ilha de Trindade deixou o barco meio dia ao largo e chegou a Santa
Helena em pleno meio-dia cercado de barcos pesqueiros.
Providencialmente haviam trocado a vela negra pela
branca, que nunca haviam usado e era guardada para emergência.
Sem se fazerem de rogados, todos estavam com túnicas
brancas e os mais bem vestidos com túnicas azuis, cabeleiras de crina e eram
brancos, na verdade um pouco amarelos e encardidos.
Foram saudados pelos marinheiros ingleses com batidas de
sino e gritos e acenos de mão ao verem a bandeira do império brasileiro subir
ao mastro. Até o relevo da ilha
desaparecer no horizonte ultrapassado eles permaneceram em oração de
agradecimento a Alá.
Nas proximidades de Santa Helena havia, também, um banco
de atum, que fazia desnecessária muita provisão para chegar até ao litoral
quatro dias depois, desde que se pudesse matar os mesmo na rede antes de
subi-los ao saveiro, tarefa que os lanceiros realizavam com destreza e
sincronismo militar.
Para se ganhar tempo o Cintra era usado em nova logística
ia e vinha em pesca de três ou quatro dias até a Ilha dos Quilombolas, onde
deixava gente e carregava Atum salgado.
Voltava à São Mateus e descarregava. Carregava gente. Assim a
cada seis dias havia uma viagem com mais de 90 pessoas, que tinham de trazer
seus enrolados de paçoca de peixe seco com gergelim, dendê e farinha de milho,
colares de tripa, coquinhos e paçocas e três cocos para cada um, por falta de
espaço.
O saveiro quilombola seu irmão gêmeo, ficava aportado na
Ilha (Trindade) e fazia o transporte entre a ilha e o continente negro na
viagem mais larga. Normalmente cada
três viagens do Cintra era uma viagem do quilombola. Por isso uma das viagens do Cintra era somente de alimentos e
agua, cocos, dendê e frutas secas desde o continente americano e também desde o
continente africano.
Assim, os escravos tinham de cultivar muito fumo, pimenta
do reino e muita cana-de-açúcar na sua cidadela, para poder pagar os subornos e
trocar com o pessoal do litoral africano.
O problema era introduzir a cana-de-açúcar no engenho da
fazenda, destilá-la e o pior era retirar o barris. A estratégia era ir substituindo barris de aguardente velha com
aguardente nova e até mesmo barris cheios de água, que futuramente seriam
carregados com aguardente.
Joaquim Pedro via que cada vez mais o engenho trabalhava
destilando. Não faltava lenha, embora a
produção era um pouco menor.
Ele mandou cortar mais madeira de óleo para fazer mais
barris e cada cinco barris novos que ele via entrar no engenho, não se dava
conta que o conteúdo de três barris velhos eram trocados durante as noites de burundanga,
levados ao saveiro quilombola e transportados para a Ilha.
E isto acontecia, quando, nos finais de semana, todos
tomavam o licor de jenipapo, até mesmo os sacerdotes jesuítas que vinham
celebrar as missas dominicais. Um
desses sacerdotes subiu em uma árvore e ficou lá durante toda noite gritando frases em latim e nos intervalos
cacarejando como um galo.
As velas negras do saveiro quilombola, tingidas por
jenipapo, já eram reconhecidas no golfo da Guiné. Todos queriam prestar serviços ao mesmo pelo seu pagamento de
uma arroba de fumo e um barril de aguardente.
Esta recompensa permitia colocar vinte ex-escravos,
libertos, no litoral para procurar sua região, tribo, clã ou familiares.
Quando o assunto era mais sofisticado a recompensa era
uma pequena barrica de cinco litros de pimenta do reino.
Fanta havia ordenado que os nativos fossem transportados
à ilha e lá ficassem aguardando viagem por etnias. Assim os cabindas, benguelas, guinés, minas, malés, quimbundos,
iam em viagens em separados, mais próximos, pois a cada entrega, mais se
conheciam as regiões e mais clãs e tribos vinham às praias para receber os
retornados, muitos que já não praticavam seu idioma e outros que até mesmo não
mais os conheciam. Ela conhecia como
ninguém gente e respeito.
Sempre avisando que na viagem seguinte qual seria o povo
transportado para facilitar a localização dos parentes, o que sempre era
recompensado com aguardente e fardos de fumo e pimenta-do-reino.
Na terceira viagem, o saveiro das velas negras chegou a Bioko, mas precisamente a Rialba.
Na terceira viagem, o saveiro das velas negras chegou a Bioko, mas precisamente a Rialba.
No porto todos já sabiam que ele trazia noticias da
princesa desaparecida. Uma carta
bordada de Fanta foi entregue e chegou à corte com descrição, com a mensagem em
árabe: Salamaaleekum. Logo nos
reuniremos para regozijo de Alá, precisaremos de mais dois ou três navios
grandes para transportar umas mil pessoas.
Acompanhem o saveiro até a ilha onde estarão todos os escravos. Meu comandante dirá o caminho a seguir, se
necessário posso deixar um navegador para orientação. Aceitem estas barricas de pimenta do reino e os cachimbos como
presente pelo meu futuro retorno. leeikuumsalamaam.
Seus pais estavam mais que felizes, estavam orgulhosos já
se haviam passado quatro anos e meio de sua sentida ausência.
Nas terras de Joaquim Pedro as comemorações de natal se aproximavam, o engenho estava sendo mantido, o telhado consertado, as paredes caiadas. O mesmo passava com a senzala, com as janelas, portas e paredes da Casa Grande.
Nas terras de Joaquim Pedro as comemorações de natal se aproximavam, o engenho estava sendo mantido, o telhado consertado, as paredes caiadas. O mesmo passava com a senzala, com as janelas, portas e paredes da Casa Grande.
Na cidadela quilombola já havia um equilíbrio. Eram transferidos quase o mesmo número dos
que chegavam e a cana-de-açúcar, aguardente, tabaco e os animais eram
abundantes assim como a produção de coco e dendê. Uns ex-escravos recém-chegados de Cruz das Almas e Cachoeira na
Bahia, eram exímios fazedores de charutos e isto aumentava em muito o valor do
tabaco, além de diminuir o espaço ocupado.
Havia três fornos continuamente queimando cerâmica com vasos e talhas
para o transporte de provisões.
Guiado pelo jovem imediato do saveiro quilombola, foram
feitas dez viagens e com o auxílio do pai de Fanta, foram transferidos mais de
doze mil escravos, transportados e libertos na costa africana.
XIV - Havia um novo tempo. O representante inglês no porto de Vitória,
de nome Ney, que obrigava o tratamento de Sir (pronuncia-se sar) chegou a São
Mateus, cumprindo funções de observar e informar sobre as novidades em
desenvolvimento de interesse de sua alteza real. Sua obrigação era relatar tudo que fosse solicitado e o que
pudesse trazer futuros prejuízos, políticos, econômicos e financeiros à Coroa.
Após estar com as
autoridades locais, se fez convidar à Casa Grande, onde sabia haver sempre um
ótimo cálice de vinho do porto.
Chegou à Casa Grande
na carruagem do Prefeito Municipal, acompanhado de um jovem jesuíta espanhol
recém-chegado que tinha conhecimento do idioma do “Sir”, pois senão seria
impossível para o anfitrião entender o que falava o digno representante do
Império ultramarinho.
Na parte traseira da
carruagem havia dois guarda-costas iorubas de gigantesca estatura e bem armados
para suas funções.
Um deles entrou a
casa, ignorando respeito e foi direto aos escravos na cozinha, arrumadeiras e
todos fazendo as perguntas em vários dialetos, para conhecer etnias e saber
detalhes e informações mais íntimas sobre os proprietários.
Chegadas e partidas
de navios, compras e vendas efetuadas, encomendas de ferramentas, comércio de
pedras preciosas, ouro, transportes noturnos de aguardente e fardos de fumo,
construções nas casas, missas celebradas, visita de médicos, número de escravos
mortos ou fujões, além de dados sobre chuvas, secas, pragas, perda de
animais. Enfim os guarda-costa
dominavam mais de dez dialetos e interrogaram a todos os empregados.
Fanta respondeu em
bambara e fez-se de surda a todos os dialetos articulados. Ficou impassível às mais terríveis
obscenidades em wolof, nagô (ioruba), mina, benguela,
quimbundo e cabinda. Tampouco
alterou a expressão ao escutar inglês, francês, holandês e espanhol. Ao ouvir a expressão Salamealeicum, após
alguns segundos repetiu: Salami e apontou para o chouriço de estava
pendurado sobre o fogão da cozinha. O
interlocutor retirou-se de forma grosseira, pois pelo convívio com o britânico
não admitia ignorância. Ela continuou
bordando próxima a janela para aproveitar a luz. O dialogo de inteligência com o serviçal ioruba estava ganho.
O inglês, da mesma
forma que seus serviçais, procurava através do jesuíta obter informações com
Joaquim Pedro, sobre comércio, piratas, sonegadores de impostos, devedores
entre os vizinhos e vendedores de fumo e aguardente. Sem discrição anotava o mesmo que maravilhava a Joaquim Pedro que
não sabia escrever.
Quando Sir Ney
perguntou sobre o Black boat, Fanta errou o ponto e espetou o dedo. O pobre jesuíta, entendeu Bote Negro, que em
espanhol significa cárcere e também pote.
Traduziu primeiro por Senzala, depois por pote negro. Fanta correu à cozinha e agarrou um pote de
geléia de jabuticaba e colocou em pequenos pires de sobremesa a cozinheira foi
entregar aos convivas.
O jesuíta ficou
agoniado pois o inglês repetia Black boat e traduziu que o inglês
queria comprar o Santa Edwiges.
O inglês incompreendido e fanático por geléias deixou de lado e
atracou-se com a mesma pois já havia tomado três cálices de vinho do Porto sem
comer qualquer coisa, o que não era permitido pelo treinamento que recebera
antes de chegar para suas funções. A
mesa estava servida, o menino com cabeça raspada já havia experimentado a
comida.
Após a ágape, Sir Ney
exigiu geléia de jabuticaba como sobremesa e todos os acompanharam, inclusive
os guarda-costas. Algumas vasilhas com
uma geléia especial de jabuticaba foram introduzida na dispensa da Casa Grande,
para atender os comensais e enxeridos.
Desta foi servida.
Depois de comer,
disse em tom solene em um português bastante claro: As autoridades de Sua
Majestade Real estão muito preocupados com a presença de um navio com velas
negras que esta rodeando a Ilha de Santa Helena, que foi o presídio de
Napoleão. Nossas autoridades crêem que
ele é o responsável pela queda do preço da pimenta do reino e pelos baixos
preços dos cachimbos ingleses na costa africana. Desejamos vossa colaboração Mr. Cintra.
O jesuíta,
envergonhado, se refez por sua tradução inicial, pois não havia traduzido tão
mal.
Após o almoço,
partiram com potes de licor de jabuticaba, pois a viagem de carruagem até o
Porto da cidade de São Mateus demoraria mais de três horas e ele precisava
pegar seu barco antes do anoitecer.
Periodicamente, o
engenho tinha todas as suas máquinas em manutenção para evitar surpresas. No alambique era comum se esfregar areia
grossa para tirar as crostas de zinabre.
Depois usar areia fina com suco de limão para limpar as juntas e
emendas.
Joaquim Pedro trouxe
umas pedras esverdeadas, que achou ser boas para a limpeza e determinou que os
escravos as transformassem em areia fina para efetuar a retirada das
incrustações com as mesmas. Depois
exigia o polido com areia fina da mesma pedra
e suco de limão.
Estas pedras chamadas
ao serem aquecidas para eliminar as incrustações de zinabre, com o suco de
limão, causou uma catástrofe: Matou três escravos, após uma doença misteriosa,
com uma agonia assustadora.
As pedras esverdeadas
começaram a ser estudadas pelo velho mago mina, que percebeu que elas soltavam
um gás que corroia o vidro, além do mais, fora alertado por uma velha escrava
moçambicana que vira estes efeitos com negros caçados em sua terra que se
suicidavam comendo uma planta. Ela
presenciara lá e agora viu as três vitimas e alertou o mago mina que também
conhecia o efeito, muito parecido com a erva-de-rato* que matava o gado da fazenda envenenado
e muito parecida a outra que existia na África**. Ao combinar-se com zinabre formava um
veneno poderoso***.
O mago estudou por
cinco luas e encontrou em uma planta chamada de "azedinha", igual a
um trevo uma grande quantidade de acetato de cobre. Era usado no Malí para produzir ouro separando o cobre. Seus estudos alcançaram grande
profundidade.
A geléia de
jabuticaba fora preparada com pedras esverdeadas e era quase inócua aos seus
comedores, que apenas ficavam vários dias tristes, deprimidos. Contudo, eles não podiam consumir
simultaneamente o licor de uvaia pois o mesmo fora preparado com
“azedinha”. Esta combinação era mortal
e agonizante.
Na viagem de retorno,
o inglês e seus guarda-costas deixaram o jesuíta na Capela e partiram para o
porto, onde britanicamente saudaram a partida com mais uma dose de licor e
comeram um pouco de geléia, pois os guarda-costas tinham muitas intimidades com
o seu patrão e necessitavam de estímulos.
O barco chegou a
Vitória na manhã seguinte, e os três foram internados com suspeita de malária e
tratados com quinino, sem resultado.
Um outro médico chamado disse ser tifo, pois havia uma diarréia
incontrolável...
Na verdade, o velho
mina conseguira preparar um veneno binário*
de altíssima eficiência...
Os três morreram a
bordo de um navio rumo ao Rio de Janeiro, onde havia mais recursos.
O mesmo fim teve o
jovem jesuíta, que agonizou mais tempo pois era mais comedido com a comida
exótica da sua nova área de atuação.
No local, a morte do
jesuíta foi atribuída à doença trazida pelo Sir e seus escravos, mas em Londres
foi registrada como enfermidade causada pelo sacerdote proveniente das Ilhas
Canárias. E como a ciência britânica
não erra, esta ficou a versão final.
XV - Fanta sabia da gravidade da situação: -
Maomé, senhor que meu ancestral Sindiata Keita serviu fielmente diz: "Ao
perseverante não é dada a faculdade de vacilar". Ela reuniu o grupo de decisão.
A décima primeira viagem seria a última e nela Fanta iria
com todos os escravos que estivessem na Cidadela. Ninguém vence sua Majestade Real sem escrúpulos, em cujo império
não há crepúsculo. Urge preparar a ceia
de despedida, determinou.
Para tal, a ilha foi abastecida por vinte e duas viagens
do saveiro e mais de mil pessoas estavam lá aguardando o transbordo, que era
feito por três navios de pesca que o pai de Fanta arrendara. Muitos eram transferidos para Cabinda,
Gabão, Camarões e Guiné, onde ficavam todos os que moravam mais ao norte.
Havia um aglomerado na periferia de Conakry, formado
somente com ex-escravos retornados.
Na fazenda de Joaquim Pedro, a safra de açúcar havia
terminado, toda a aguardente estava destilada em colocada nos barris. Os fardos de fumo estavam pronto para a
venda. A produção de sal e peixe
salgado estava a pleno vapor, pois o verão tinha começado.
Na Casa Grande havia alvoroço para a comemoração de
natal.
As milícias fizeram as visitas de controle e segurança,
aproveitando para receber os presentes natalinos e subornos, o mesmo fizeram os
jesuítas, para arrecadar as oferendas e dízimo.
O preparo de porquinho na pururuca, galinha à cabidela e
dourado fresco assado e moqueca de lagosta e saladas de palmito de dendê. As tigelas de papos-de-anjos, quindins,
doces e pudins de aipim. Era
necessário aproveitar todos os ovos, pois depois viria a quaresma e as galinhas
não punham.
O menino, experimentador da comida, sentou-se no chão da
cozinha, com a camisa rendada feita por Fanta, tinha a cabeça raspada como
todos os meninos provadores da comida.
Toda a ceia da Casa Grande fora preparada com aquele óleo
de dendê, as vezes usado na cidadela para os recalcitrantes, egoístas e
individualistas, que colocavam seus projetos pessoais ou privados acima dos
interesses e objetivos coletivos. Esta
levemente apimentado, ao paladar da Casa Grande e com pimentas vermelhas.
A preta-velha, que era a cozinheira principal, colocou um
pouco de cada comida no prato e o menino sentado no chão, comeu, sem reação,
sob os olhos atentos de Joaquim Pedro.
Já era noite e quase a hora de iniciar a ceia de comemoração do
natal. Por mais que houvesse mais
candeeiros e lampiões a iluminação da sala de visitas da Casa Grande não era um
salão das grandes cidades.
O menino terminou de comer e continuou no chão da
cozinha. A comida foi servida e a nora
de Joaquim Pedro, perguntou pelo filho, Joaquim Pedro Neto. Onde será que anda este menino... Fanta levantou-se, prestativa e disse ia
buscá-lo sinhazinha. Deve estar na
senzala.
Todos estavam famintos e começaram os brindes e a
comilança natalina. Os três jesuítas aproveitando, tomavam o vinho do porto com
cinqüenta anos de envelhecimento e faziam saudação de boa-venturança, para o
renascimento. Joaquim Pedro já tomara
vários cálices de Jeropiga.
O menino experimentador da comida continuou brincando
sentado no chão da cozinha.
A cidadela estava vazia.
Um saveiro e o barco pequeno já haviam zarpado. O ex-navio negreiro começava a ser
carregado freneticamente com aguardente, açúcar, peixe salgado e água além de
mais de dois mil cocos estava somente aguardando a ordem da princesa.
Ela chegou ao porto e acenou, para a partida.
Voltou a casa grande para buscar sua camisa de rendas que
os experimentadores de comida usavam, sempre.
Tirou-a do menino que não se mexeu.
Ele a olhou inerte pela tintura de datura, com seus profundos olhos
azuis. Ela o tomou ao colo e o sentou
ao lado de seu avô.
Sua pele havia sido pintada com pintura de jenipapo, a
mesma que tingira as velas do saveiro e barco pequeno. Sua cabeça fora raspada, e também,
totalmente tingida, assim como seu corpo.
Fanta chegou a mesa e alertou: Aqui está Joaquim Pedro
Neto. Ela escolheu o espanhol, pois
não queria conspurcar seu árabe: - Sepan sus mercedes, la mayor violencia es
quitar el porvenir a alguíen sin darle oportunidad. Ustedes
lo hicieron. Nosotros sabemos que solo
el saber y la organización dan las condiciones de almejar la libertad. Llevo comigo la camisa de renda que durante
todo este tiempo antecipó y anunció el futuro de ustedes.
Na renda podia-se perceber escrito em árabe: O anjo da
vingança.
Todos estavam lúcidos, bem lúcidos, mas ninguém podia se
mexer, pois o efeito do veneno do baiacu já ia longe no sistema nervoso. A agonia duraria um longo dia com total
lucidez.
Os escravos velhos haviam dito, onde estavam enterradas
todas as botijas com moedas de ouro e prata.
As paredes foram quebradas, os chãos foram cavados e todas foram uma a
uma retiradas, entre elas havia muitos ossos de escravos.
Foi preciso um carro de bois para transportar tudo ao
Saveiro. Antes de embarcar no saveiro
Fanta falou para o casal de velhinhos que não desejaram retornar. Muitos escravos ainda vão chegar aqui.
Tudo que foi feito, deve continuar sendo feito na
Cidadela com os recém-chegados. Avise a
eles que a senzala tem continuar sendo a casa de todos.
Todos podem continuar a fazer o que nós fizemos.
Ela notou que a estibordo e bombordo o Saveiro tinha uma
frase talhada em baixo relevo em árabe: Anjo da Vingança.
Não sorriu, pois a punição é diferente da repressão.
O barco entrou no Porto de Rialba há pouco o Sol se
escondera. Não havia iluminação.
Pouco a pouco os marinheiro e população no porto sentiram
a suavidade dos nove qanuns, seis mvets e seis tablas e quatro derbakke. Os meninos com seus instrumentos como uma
gigantesca filarmônica foram crescendo, crescendo e tomaram a noite.
Quando saveiro aportou, a musicalidade fazia parte de
tudo e de todos pois eles estavam novamente em casa.
De boca a ouvido e de ouvido a boca esta história
percorreria os mais recônditos rincões do Saara, toda a Costa e até as Ilhas do
Oceano Pacífico.
O Santa Edwiges, rebatizado como o Arcanjo da Vingança
retornou abarrotado, vinte e três dias depois, aportou com grande festa em
Bioko, por sua valiosa carga. Mil
barricas de pimenta-do-reino; seiscentas arrobas de fumo; cinco mil charutos;
mil e duzentos cachimbos; mais de mil moedas de ouro e cinco mil moedas de
prata.
O mais contente era um velho mandinga, cheio de sementes,
plantas, tinturas, que imitava os quimbundos rebolando, mostrando a todos as
sementes que trouxera do cativeiro. Eu
vou xingar, vou xingar todos os Joaquim Pedro desse mundo e rebolava causando
riso.
Cada um dos escravos libertos recebeu cinco patacas de
prata e três moedas de ouro. Um pouco
de folhas de fumo, um corote com aguardente e um valioso cachimbo, genuíno
pelos quais foram trocados. Eles
sabiam que um cachimbo permitia cinqüenta libertos chegar ao seu lar.
Seu pai estava no porto e quando o menino de cabeça
raspada desceu do saveiro o velho não conteve as lágrimas: Onde está o meu neto. - Salaamaleeekuum meu sogro. Ele está aqui. Foram meus olhos, ouvido,
coração. E agora tem boca. O menino
corria para o avô. Trazia sua camisa de
renda, ainda suja com a nódoa negra de jenipapo. Ela jamais sairia.
O capitão do saveiro quilombola abraçou-se ao pai e mãe
simultaneamente. Todos choravam, a
princesa e seu filho enlaçaram os braços e todos começaram a dançar girando no
sentido contrário aos ponteiros do relógio.
Nas terras de Joaquim Pedro, apenas um casal de
velhinhos, Laudêncio e sua companheira, que não quiseram fazer a viagem de
volta. O único filho deles havia sido
morto no pelourinho.
Mas o principal é que eles sabiam que, muitos escravos continuaram aportando e como não havia ficado ninguém, alguém deveria ficar para recebê-los e transmitir o embrião de organização, sobre como tomar conta dos cultivos, do engenho, da cidadela. Inclusive transmitir os conhecimentos sobre plantas, peixinhos espinhentos, raspar a cabeça, tecer camisas de renda e fazer tintura de jenipapo.
Mas o principal é que eles sabiam que, muitos escravos continuaram aportando e como não havia ficado ninguém, alguém deveria ficar para recebê-los e transmitir o embrião de organização, sobre como tomar conta dos cultivos, do engenho, da cidadela. Inclusive transmitir os conhecimentos sobre plantas, peixinhos espinhentos, raspar a cabeça, tecer camisas de renda e fazer tintura de jenipapo.
Ninguém mais entrou na Casa Grande e se espalhou a
noticia de que era mal-assombrada.
Em pouco tempo a senzala fervilhava novamente. A cidadela produzia e a pesca era feita para
alimentar a todos.
Para fortalecer a lembrança do passado contado por
Laudêncio e esposa, alguns se reuniam em círculos e dançavam contra os
ponteiros do relógio, com método e
compasso, repetindo: "Allahu maa es sabirin" (Alá está com os
perseverantes) e paravam como suspenso
no ar e todos continuavam: "Va lihalli el machreq va el maghreb"
(Alá é o Ocidente e o Oriente) e aceleravam o giro parando novamente, sempre
contra os ponteiros do relógio.
Alguns egoístas e recalcitrantes, recebiam a farofa de
milho, dendê e pedaços de um peixe muito gostoso, mas era sua última ceia.
Aos poucos o tempo foi passando, a história foi sendo
esquecida. Dizem que a dança do Pagamento
de Promessa, denominado Kikumbi tem origem na odisséia da
princesa...
Esta é a verdadeira história da formação do Quilombo do Laudêncio, em São Mateus no Espírito Santo.
Esta é a verdadeira história da formação do Quilombo do Laudêncio, em São Mateus no Espírito Santo.
E isto me foi contado por uma velhinha afro-descendente,
no Lixão de São Pedro na Ilha de Vitória, ainda no tempo da ditadura militar,
não a econômica.
A vovó sobre o lixão disse: - Nós perdemos a senzala e os
novos negreiros agora nos degredam pelo eucalipto e pelo álcool da
cana-de-açúcar e há novos capitães-de-mato, canibais. Nada mudou. Ela sorria:
Fanta disse que continuarão chegando “escravos” por muito tempo. Alguns se transformarão em canibais,
tiranos e capitães de mato, todos deslumbrados com a servidão dourada do "voluntariado" e
"solidariedade" proposta pela Casa de Windsor, império sem
escrúpulos.
- Oremos para
sermos todos levados à senzala. Não
temam. Basta transformá-la e criar
a Cidadela e logo todos veremos a
chegada do anjo da vingança.
Saravá Zambi!
Sobre o lixão havia crianças com as cabeças raspadas, por
causa dos piolhos, sem camisa,
disputavam restos, metais, pedaços de plásticos e papéis.
O nome correto da princesa era Zacimba Gaba!
* Santa
Edwiges
* defecando
* tambores
tradicionais
* Oenocarpus
bataua Martius
** Phytolacca
decandra
* Physostigma
venenosum
* Os soldados
da I e II Cruzadas estrupavam mulheres mulçumanas, Saladino criou seus filhos,
nas artes militares. Os castrou para que recebessem os cruzados obcecados pelo
ódio.
* Esta planta
é conhecida como cacau do Sudão, e é a base para a fabricação do vinho e refresco
de Coca-Cola.
* Tetrodotoxin
(TTX)
* (Palicourea
marcgravii)
** (Dichapetalum
cymosum)
*** (Monoflúoracetato
de potássio).
* Veneno inócuo quando separado
em dois partes, mas muito poderoso quando estas estão juntas.
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