quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sobre morte, promessas e nosso ânimo de cada dia

Ao ver ontem um post que circula pelo Face, a partir de um guia produzido por jornalistas profissionalmente questionáveis, sobre uma suposta “desumanidade” de Che Guevara, parrei para refletir a respeito da questão do que é realmente desumano. Nós, brasileiros, de formação radicalmente cristã, temos uma forma de pensar a morte como algo calamitoso, pavoroso e inaceitável. A vida é um bem precioso – sem dúvidas – mas é reduzida ao plano individual, algo típico da classificação religiosa. Na realidade, nosso conceito de morte é muito ajustado em um plano antroprocentrico. Não digo que fujo disso, mas começo a compreeender melhor como me limita essa visão. Há pessoas que pensam e se orietam na visão de morte como um sentido maior, para além do individual. Não necessáriamente vingativo, mas inserido em um julgamento humanitário no plano coletivo. Nesse enfoque, matar é parte de um processo de existência, da construção de uma utopia que assegure uma condição de vida plena a todos. Uma situação de guerra, por exemplo, explicita bem isso. De certa forma – e aí entra bem nossa concepção antroprocêntrica – quando consumismos outras vidas para nossa sobrevivência, estamos dentro dessa lógica de guerra pela vida, pelo bem estar. Então, tendo a pensar o quanto há de cinismo nessa moral religiosa católica, que embasa a lei, sobre a morte como inadmissível. Na verdade, há coisas mais pavorosas, às vezes. O sofrimento, por exemplo. Lembro que li no Memorial da Resistência, em Mossoró, que o grupo de Lampião, durante fuga dessa cidade, matou impiedosamente um jovem que assim pediu. Este, que era espião do grupo, havia sido ferido por entrincheirados nessa cidade. Com uma bala na barriga, o garoto acompanhou o grupo, mas sangrava muito com o ferimento. E, assim, pediu para ser morto para o alíviio da dor. E assim fizeram os cangaceiros. Quer dizer, a morte, às vezes, é um caminho auto-deliberado. E quem tem o direito de negá-lo? Outras vezes (ou sempre) é um acontecimento inevitável da existência. E o que adianta lamentá-la? E ainda, em outras, é um ato ajustado a um processo utópico de dimensões maiores, um elemento tático que até contraria uma ideologia, mas, paradoxalmente pode ser etapa necessária para a construção de uma condição que assegure vida plena às maiorias. Ah, as maiorias... sempre elas. Não, não tenho opinião ainda definida sobre isso. Mas cada vez mais me convenço que pode ser muito interessante ter algo pelo que vale a pena morrer.

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Outra coisa que me perturba às vezes é a séria dificuldade que tenho de assimilar estupidez. Em geral, até posso entender ou, com o tempo, contemporizar. Mas aceitar apaticamente, nunca. E acho que não conseguiria isso em nenhuma hipótese. Talvez essa dificuldade tenha a ver com a visão que tenho de que as pessoas que machucam os outros, em qualquer circunstâncias, não devem ser digna de panos quentes. Assim, perdão, desculpa ou piedade são palavras criadas para amenizar e ajustar uma cultura agressiva. E nada resolve. O problema é quando se contagiamos por essa mesma estupidez e com ela começamos a responder. Perigoso. Acho que nessas horas é momento de se cogitar em mudar de postura. Ao longo da história brasilera, tivemos vários momentos de estupidez. Nesse momento, estamos acompanhando, via Comissão da Verdade, a situação do Estado frente a explicação sobre partes escuras de nossa história. Acho precioso a presidenta Dilma ter delclarado que o Estado não será vingativo e não se guiará pelo ódio. Mas não tenho dúvida, fazer os acusados e toda a sociedade enxergar transparentemente o que ocorreu naqueles anos de chumbo é muito salutar.


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Há exatos 50 anos, o cinema brasileiro ganhava a Palma de Ouro do Festival de Cannes com o longa-metragem O pagador de promessas, dirigido por Anselmo Duarte. O filme conquistou a simpatia do júri do festival, que preteriu obras como O anjo exterminador (Luis Buñuel), Electra, a vingadora (Michel Cacoyannis) e O eclipse (Michelangelo Antonioni), entre outros, que concorriam na seleção oficial. Apesar de ganhar o prêmio máximo do mais importante festival de cinema do mundo, Anselmo Duarte passou a vida reclamando do boicote dos cineastas do Cinema Novo, que nos anos seguintes levariam a bandeira do cinema brasileiro mundo afora. Em várias ocasiões, Duarte revelou que eles invejavam seu feito e atrapalharam sua carreira de diretor.

Veja uma resenha completa aqui.



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