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Enquanto isso, a Espanha mostra a eficiência dos cacetetes do "Primeiro Mundo" para proteger a ideologia do Capital Foto: Poka Broma Solidário Warcelona (Face) |
O que existe por trás da luta pela transparência
Reproduzido do Sul 21
Por Marino Boeira *
A atual campanha dos grandes veículos de comunicação a favor
da transparência dos salários dos servidores públicos esconde por trás um
evidente componente ideológico, qual seja o de mostrar o Estado como um ente
perdulário, incapaz de realizar uma sugestão adequada de suas tarefas e que por
isso mesmo é um obstáculo ao pleno desenvolvimento da sociedade. Ou seja, é o
velho discurso em favor do estado mínimo, do mercado resolvendo todos os
problemas dos países através da competitividade sem limites, capaz de gerar
mais desenvolvimento e progresso num processo de depuração que vai eliminando
os mais fracos e despreparados.
O fracasso dessa ideologia nos países europeus, quase todos
à beira de um colapso econômico, não intimida os defensores da ideologia que defende
a ausência do Estado, ou pelo menos uma participação ínfima nas grandes
decisões econômicas. Ao pretender expor os vencimentos de alguns setores
públicos – obviamente aquela minoria melhor remunerada – os meios de
comunicação trabalham no sentido de provocar a revolta de grandes setores da
população que vive com baixos salários. Basta ler as secções de “cartas dos
leitores” dos jornais para ver como é eficiente esta estratégia. Junto com as
críticas aos marajás do funcionalismo (lembrando o Collor) fica implícita a
idéia de que o Estado, o brasileiro em particular, é um parasita que infecta a
sociedade.
Obviamente, existem grandes distorções entre o que ganham alguns
setores do funcionalismo público, como magistrados e altos diretores de órgãos
estatais e uma maioria de agentes da educação, saúde e segurança. Lutar contra estas distorções, estabelecendo
uma proporção menos injusta entre os ganhos desses setores, é uma meta pela
qual devem lutar todas as pessoas que batalham por um país melhor para todos.
Não é isso, porém, o que se vê na leitura dos jornais que se esmeram em mostrar
as folhas salariais de certos órgãos públicos, mas jamais se interessaram em
mostrar o que ganham altos executivos de empresas privadas e dos grandes
bancos. A desculpa é que, como são negócios privados , não interessa que os
outros saibam quanto ganham, embora seja óbvio que estes altos ganhos
interferem no preço final dos produtos ou serviços que levam ao público
consumidor. O que importa é reduzir o poder do Estado. Dentro dessa linha estão as campanhas contra
a cobrança de impostos.
Os mesmos que criticam os governos por não oferecerem
melhores serviços nas áreas de segurança, saúde e educação, são os que promovem
campanhas do tipo “um dia de imposto zero”, esquecidos de que sem estes
impostos, nada poderia ser feito.
Empresários que reclamam dos impostos altos, têm assessorias
especializadas em encontrar brechas na legislação que permitam que paguem menos
do que um assalariado no imposto de renda, por exemplo. São, evidentemente, práticas legais, mas nem
sempre éticas, nem patrióticas. Os jornais que defendem a ausência do Estado em
atividades que dizem que deveria ficar restritas à atividade privada, são os
primeiros a fazer campanha em favor do auxílio aos setores privados de produção
que enfrentem dificuldades eventuais inerentes ao sistema capitalista.
Assim é
com o fazendeiro que, em vez de providenciar açudes na sua propriedade, irriga
suas lavouras com as águas de um rio, que deveria ser um bem comum, e é o primeiro
a não querer pagar os financiamentos do Banco do Brasil, quando surge uma seca.
Assim foi com os bancos que precisaram do auxílio do governo par a não quebrar.
Assim é com as universidades privadas, que mesmo cobrando altas mensalidades
dos seus alunos, reivindicam do Estado bolsas de estudo para alunos carentes.
Falar mal da saúde pública, como fazem sistematicamente os jornais, é fácil. Aí
estão as emergências dos hospitais lotadas para dar uma aparente razão às
críticas. Esquecem porém que o INSS é o maior plano de saúde pública do mundo,
capaz de salvar a vida de milhares de pessoas diariamente a um custo zero para
elas e ainda ajudar a manter de pé estruturas hospitalares privadas.
Uma solução utópica, que certamente os defensores do Estado
mínimo nos meios de comunicação, não aceitariam seria o estabelecimento de um
verdadeiro sistema capitalista no Brasil, com as suas possibilidades de lucros
e perdas, sem o apoio de qualquer órgão público, como é feito hoje através de
juros subsidiados, sem prazo de resgate e com a renúncia fiscal.
Trata-se evidentemente de uma utopia, até por que
historicamente o desenvolvimento do sistema capitalista se fez com a
apropriação da maquina estatal pela burguesia, que desde a época das grandes
revoluções usa o estado para seus interesses de classe.
As poucas experiências do chamado “Estado do bem estar
social”, na Europa e Estados Unidos são hoje lembranças do passado e em
lugares, como no Brasil e alguns outros países da América, onde governantes
mais sensíveis não atendem todos os interesses empresariais, seus arautos mais
eficientes – os maiores veículos de comunicação – estão diariamente fustigando
os agentes do Estado, denunciando esquemas de corrupção, verdadeiros ou
imaginários e práticas de nepotismo .
Por trás dessa prática moralizadora se esconde o interesse político de
retornar a uma época recente onde o Estado brasileiro estava praticamente
falido.
Marino Boeira é professor universitário
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