"O tradicionalismo passou por algumas fases distintas,
até assumir oficialmente um caráter 'oficialista', cívico-fundamentalista"
Há alguns anos circula pela internet o Manifesto contra o
Tradicionalismo, escrito por um grupo formado por jornalistas, historiadores,
produtores culturais, pedagogos e autoridades acadêmicas. O manifesto é um
texto que reúne diversas reflexões sobre o sentido do MTG na sociedade
rio-grandense. Segundo o grupo, “o manifesto é, em seu conjunto, a defesa da
cidadania, da democracia, das relações republicanas e da liberdade cultural
(...) representa um movimento da ilustração contra o fundamentalismo”. A IHU On-Line
conversou com o professor e jornalista Tau Golin sobre o manifesto. Durante a
entrevista, feita por e-mail e telefone, Tau Golin afirma que “o
tradicionalismo, ao ser inventado por um grupo de jovens secundaristas (...), surgiu no sopro dos regionalismos, porém com
uma adaptação, com a busca de um modelo. Esse modelo foi se especializando até
se transformar em uma militância sistêmica”.
Luis Carlos Tau Golin graduou-se em jornalismo (1986) e
História (1994). Seu mestrado e doutorado, na área de história, foram
concluídos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Atualmente, é professor da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul.
Seus projetos de pesquisa atuais estão focados na iconografia e no inventário
documental da fronteira do Estado em dois de seus vizinhos: Argentina e
Uruguai. Além disso, estuda a formação das fronteiras geopolíticas do Rio
Grande do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual a função atual do MTG na sociedade
gaúcha?
Tau Golin - O Tradicionalismo passou por algumas fases
distintas até assumir oficialmente um caráter “oficialista”,
cívico-fundamentalista. Em todo o seu desenvolvimento, no entanto, ele
representa a expressão de uma contradição fundamental, de uma tensão entre os
dirigentes e as esferas concretas das representações sociais. O Tradicionalismo
teve seu impulso criador no espectro dos movimentos regionalistas, que
começaram a aparecer na segunda metade do século XIX. No Brasil,
invariavelmente, durante a República Velha, as elites regionais buscaram
tipificar seus perfis nos discursos e símbolos locais. Na luta política,
curiosamente, esses elementos eram utilizados como caracterização "do
outro", muitas vezes como caricatura, com elementos pejorativos. Essas
"nomeações", no geral, ocorriam a partir "de fora". E
aquilo que inicialmente possuía uma intenção depreciativa passava a ser adotado
como uma caracterização identitária. A truculência da elite rio-grandense na
cena política nacional e platina deu-lhe o classificativo depreciativo de
"gaúcho" (grupo social de ladrões de campo, salteadores, gente sem
hábitos civilizatórios etc.). Por diversos processos, acabou em gentílico.
O Tradicionalismo, ao ser inventado por um grupo de jovens
secundaristas no Colégio Júlio de Castilhos (1), surgiu no sopro dos
regionalismos, porém com uma adaptação, com a busca de um modelo. Cezimbra
Jacques (2) já organizara os grêmios gaúchos para manter lembranças da vida
campeira. Manifestações desse tipo já haviam surgido no Uruguai. Paixão Cortês
(3) fora tocado pelos rodeios e estilo de vida dos caubóis norte-americanos.
Todas essas influências resultaram na escolha da "estância
tradicional", a propriedade privada, o espaço da elite agropastoril e
escravocrata, como o ethos, o mito fundante regional.
O modelo foi se especializando até se transformar em uma
militância sistêmica. Todos os elementos simbólicos populares, hábitos,
costumes etc., foram inseridos e reinventados, inspirando criações, no universo
de uma ampla estância imaginativa. O próprio estado, multicultural e
multirracial, aos poucos, foi sendo consagrado como uma versão simbólica de
estância. Ao se apropriar dos elementos reais e simbólicos da população,
dando-lhe novo sentido, o Tradicionalismo transformou-se em verdadeiro sugadouro.
Entretanto, essa motivação genuína da população, de etnias, ao mesmo tempo que
foi direcionada para o civismo obediente e regulador, inseriu no âmbito do
Tradicionalismo as tensões contraditórias entre as manobras reguladoras do
poder dirigente e os modos de vida regionais, das culturas locais, das visões e
concepções sobre o que é ou deveria ser a cultura do Rio Grande do Sul. De
outro lado, como partiu de mosaicos de folclores, culturas populares, danças,
cantigas, espaços gauchescos, buscou estilos onde esses aspectos já existiam ou
estavam em desenvolvimento superior - Uruguai e Argentina. A cópia e a imitação
também fizeram parte. Entretanto, ao contrário do viés cívico, governamental,
militaresco e disciplinador do Tradicionalismo, no Prata, o "folclore"
possui convicção e se constitui no espaço "dos paisanos" e anda
sempre ao arrepio do poder; cultua, inclusive, um certo ódio ao
"milico". Bem ao contrário do Rio Grande, onde o Tradicionalismo
acabou se transformando em uma cultura de caserna, de inspiração de um
positivismo desilustrado, dominado, em especial, pelos oficiais brigadianos,
funcionários públicos e pela direita culturalmente limitada, líderes de legiões
de "artistas" do lumpesinato.
Na fase espontânea, lúdica e telúrica do Tradicionalismo foi
colocada uma canga disciplinadora, controladora, de obediência. Esse processo
começou a ocorrer por volta de 1967, com a criação de um órgão centralizador.
Ou seja, a fração militante conservadora do Tradicionalismo expressou a sua
hegemonia na instituição do MTG como instrumento da Ditadura Militar. Nessa
arreada, o Tradicionalismo transformou-se na "cultura oficial" do Rio
Grande do Sul como expressão do poder e assumiu seu aspecto militantemente
ideológico. Terminava qualquer inocência em seu interior.
A trilha sonora da tortura foi a música tradicionalista.
Todo preposto da ditadura no Piratini teve um lacaio pilchado para servir o
mate, assar o churrasco e animar a tertúlia. Cada quartel construiu seu galpão
crioulo como eco desse tempo obscurantista, de tortura, de morte, de repressão
e de controle popular, especialmente da alma e da sensibilidade.
Os "tradicionalistas" de alma castelhana (os
subversivos estrangeiros), invariavelmente, foram proscritos.
IHU On-Line - O Manifesto contra o Tradicionalismo, do qual
o senhor é um dos signatários, afirma que o Rio Grande do Sul é multicultural e
que é ilegítimo e alienante todo movimento que impede e dificulta os
desenvolvimentos culturais e estéticos. Reprimir os novos grupos da música
popular gaúcha que se modernizaram e trouxeram novidades para dentro dos
Centros de Tradições Gaúchas é, também, uma forma de dificultar o
desenvolvimento de novas culturas e movimentos?
Tau Golin - Com o passar do tempo, o MTG conseguiu
estabelecer um "cânone". Ao mesmo tempo em que oficializou
procedimento, exerce uma vigilância e um controle nos aspectos artísticos e
comportamentais. A motivação fundamental é o poder, o exercício e a
demonstração de estabelecer o que pode, o que é "certo" ou "errado".
Patrão tradicionalista é um ente da aparência, da pós-modernidade, tem que
parecer-ser. No campo da moralidade, uma de suas bandeiras mais
preconceituosas, com aqueles discursos mofados sobre a "família", do
fio de bigode, do combate à opção sexual, é de uma hipocrisia vexatória. Ora,
sabe-se que o seu próprio universo é formado pelas condições humanas; a rigor,
esses discursos podem ser tapados pelo poncho tecido por suas folhas-corridas.
O núcleo fundamental do Tradicionalismo, do qual deve emanar
o comportamento e a cultura, é a estância simbólica. A arte da elite era
preferencialmente palaciana. Admitiam-se somente as expressões
"aceitas". Na verdade, a oligarquia real era universal. O
Tradicionalismo não é sequer uma extensão cultural da oligarquia, de cuja propriedade
retirou seu ícone fundante. Ele é uma leitura equivocada, uma adoção ilusória
de sua rusticidade. Sequer abagualada e xucra, pois isso poderia remeter para a
insubmissão. Sequer o "gaúcho" possui um lugar na estrutura do CTG.
Ali se encontram o peão, o agregado, o posteiro, o capataz, todas as figuras
obedientes, atreladas ao mando da sede, do núcleo inquestionável do poder do
patrão. Gaúcho remete à insubordinação, ao não confiável, à marginalidade, à
ameaça à propriedade, ao comportamento incontrolável e, inclusive,
abagaceirado.
IHU On-Line - Em suas pesquisas o senhor encontrou gaúchos
que se utilizavam de adereços junto com a veste tradicional, algo que o MTG
repreende e afirma ser algo apenas de uso feminino. Como o senhor vê essa
"recriação" da tradição feita pelo MTG, sendo que a tradição e
costumes eram diferentes? Por que o gaúcho que usa adereços é tão mal visto
pelo MTG?
Tau Golin - O MTG é um movimento de defesa de uma moralidade
conservadora, de uma idéia pastoril cristã de família. Tudo em sua volta se
movimenta, cria novos comportamentos, novos modos de vida. Quase todo patrão ou
tradicionalista possui filhos roqueiros, metaleiros, de opções alternativas,
gostam e vivem de MPB, cultura latino-americana etc. Muitos tiram o brinco da
orelha, desfazem as tranças, quando vão para o CTG. Outros negam a escolha dos
pais. O tradicionalista é um ser fragmentado. Ele vive duas vidas. A real e a
simbólica-militante, os espaços concretos e os da ritualidade. Ele vive em
pesadelo constante. Entretanto, o fundamentalismo de muitos, invariavelmente,
descamba na irresponsabilidade, inclusive com seus filhos. Sempre tem um
piquete de estúpidos para agredir pessoas "fora do padrão", para
achar que brinco ou outro adereço é coisa de "viado", de afeminado,
alguém que precisa apanhar para aprender, o método da estupidez para converter
à obediência – a chamada pedagogia da doma usada com animais.
Historicamente, os gaúchos usavam brincos, tranças, adoravam
adereços, enfeitavam-se. Entre eles encontravam-se marinheiros e cavaleiros.
Tinham diversas procedências e etnias. Trouxeram para a pampa, inclusive,
muitos elementos da navegação. Na América, amestiçaram-se culturalmente, indianizaram-se e acaboclaram. Ainda hoje, na
península ibérica e em outros lugares do mundo, quando você encontrar um
navegador com um brinco de argola na orelha, comece a desconfiar que em sua
frente pode estar um indivíduo admirável, que praticou uma travessia
excepcional, que enfrentou mares tenebrosos. É por isso que, quase sempre, você
vai encontrar brinco em orelha de "homem feito", alguém com muita
experiência e valentia, o qual recebeu aquele "adereço" por
merecimento. Muitos colonos que vieram para o Rio Grande do Sul procediam de
regiões européias em que o brinco era "coisa de homem" e aqui o
ostentaram.
Mas, como disse, CTG não é lugar de gaúcho; é lugar de
patrão e peão, de gente obediente, conformada e militante da ordem, mesmo que o
sistema trate o povo como gaúcho e excluído.
IHU On-Line - De que forma o manifesto pode mobilizar o MTG?
Como está sendo a recepção dele por parte dos gaúchos?
Tau Golin - O manifesto defende princípios republicanos. Ele
esclarece à população que o MTG é uma entidade privada, mas que, colocando-se
como "cultura oficial", invadiu instituições, domina espaços do
governo e possui reservas vitalícias nos órgãos públicos. Além disso, arrecada
considerável verba pública para os seus eventos. Invadiu a escola para
converter os alunos ao seu culto, quando a educação republicanamente é o espaço
do saber, do estudo. É por isso que o manifesto postula por uma CPI na
Assembléia Legislativa. Defende audiências públicas: no Conselho de Educação,
para discutir pedagogicamente a falência da escola pública provocada pelo
cetegismo; sobre a influência das diretoras-prendas nos planos de ensino e a
patronagem sobre os professores, com o desejo de transformá-los em preposto de
CTG; no Conselho de Cultura, onde existe a aprovação de enorme quantidade de
projetos de lazer e turismo tradicionalista para captação de verbas pela LIC.
Além da usurpação direta, o MTG tem diversos subterfúgios para sua arreada das
verbas e espaços públicos.
Por essas questões, o manifesto é, em seu conjunto, a defesa
da cidadania, da democracia, das relações republicanas e da liberdade cultural.
No extremo, representa um movimento da ilustração contra o fundamentalismo. Sua
intenção é não deixar que um movimento de caráter privado usurpe as esferas
públicas e atropele o civismo, ocupe o imaginário e substitua as identidades
pelo "tipo gauchesco clubístico citadino" e o "legitime"
como modelo regional hierarquicamente superior às contribuições das demais etnias.
O manifesto, de certa forma, é sucedâneo a uma enorme literatura e posturas
públicas já conhecidas, e que vem conseguindo fortalecer as particularidades
culturais inter-regionais, demonstrando que o MTG é um movimento militante
ideológico-cultural, cada vez mais fundamentalista e intolerante, que
procura converter-se em um poder dentro
do Estado, invariavelmente pressionando, quando não elegendo governantes.
Muitas pessoas já se deram conta isso. Quase todas têm uma
experiência para relatar. O próprio gauchismo tem procurado formas alternativas
de associação, sem a necessidade de reproduzir a estrutura da estância
escravocrata. Reúnem-se em piquetes, em centros de cultura gaúcha, em ciclos,
em grupos etc. Cada vez é mais forte a percepção que tradicionalista não significa
necessariamente gaúcho; e, muito menos, rio-grandense. Aliás, no mundo real da
campanha, nas regiões de hábitos autênticos do povo concreto, mestiço, caboclo,
interétnico etc., há um sentimento (e muitos o verbalizam) de que o
tradicionalista, ao menos estilisticamente, é a carnavalização do gauchismo.
Tem forte componente da indústria cultural, não necessita da experiência da
territorialidade. Ele é uma agremiação estilística que, no seu limite, chega ao
fundamentalismo. Escreveu alguns manuais encíclicos e pretende convertê-los em
práticas litúrgicas da vida.
IHU On-Line - A cultura que o MTG defende é uma forma de
retardar o desenvolvimento social do Estado?
Tau Golin - Sem dúvida. O "orgulho gaúcho" é
completamente inútil para protagonizar a modernidade, apesar do próprio
tradicionalista ser um ente pós-moderno, no sentido que postula uma identidade
pela imagem e pelo culto ritualístico. A sua energia e militância, no entanto,
cria um cenário dogmático. A população é inicializada cada vez mais cedo em
seus rituais, na arregimentação de seu calendário de eventos, submergindo em
uma cotidianidade cetegista escapista, numa incompreensão do mundo em que vive.
Os espaços sociais são tensionados pela vontade aculturadora do tradicionalista
militante, que luta para fazer do outro a sua projeção pilchada. Em sua
catequese postula pilchar o Rio Grande e, no limite, o mundo. Atua em todas as
esferas da existência, em especial, nas de formação de "consciência".
Ele tem uma idéia de história baseada em heróis tutelares (em conseqüência, os
heróis do estado, no geral, são senhores de escravos), tem uma concepção
artística fechada, possui uma forma de religiosidade – o cristianismo pilchado
e conservador. Na verdade, a missa crioula é uma ode ao mundo estancieiro. A
propriedade foi sacralizada. O latifúndio, por sua extensão, é ressignificando
como a "estância do Céu"; Deus, como o "Patrão celestial";
São Pedro, como o "capataz"; Jesus Cristo, como o
"tropeiro" que andou pela terra mangueirando o rebanho; e, Nossa Senhora,
como a "prenda" disso tudo.
No conjunto, pode-se dizer que o MTG fortalece o dogmatismo.
Essa "dureza" de pensamento se evidencia na sala de aula, na
política, na cultura. Não existe nada pior do que o ignorante com
"certezas" imutáveis. Praticamente é um insensível com o outro. O
mundo é uma pirâmide, com o patrão no topo; e ele, psicologicamente, junto... O
fundamentalismo é uma totalidade. No seu último congresso, o MTG adotou o
projeto de fundar as suas próprias escolas de ensino fundamental e médio, além
de uma universidade. É simplesmente assustador para a vida republicana.
IHU On-Line - O senhor acha que o MTG vive ainda como se
estivéssemos sob o regime militar?
Tau Golin - Ele é o herdeiro de uma ordem ditatorial e
transformou-se no desaguadouro do pensamento e das práticas de caserna. Digamos
que existe uma disputa constante no interior do Tradicionalismo, porém o
dogmatismo, o positivismo desilustrado e o espírito de caserna são hegemônicos
e derrotou completamente aquele espírito paisano, de sociedade civil, que ainda
se encontra no seu interior. Hoje, o MTG, ao menos no Rio Grande do Sul, possui
um forte impulso militaresco; as pilchas já não são mais expressões da
vestimenta civil, pois os CTGs andam uniformizados; e os piquetes parecem
grupos militares ou de milicianos, invariavelmente ocorrendo escaramuças entre
eles, em disputas inócuas, mas de intensa mobilização.
IHU On-Line - O gaúcho, mesmo o que não tem forte ligação
com o movimento tradicionalista, comemora veementemente uma guerra que perdeu,
a Guerra dos Farrapos. Como o senhor vê esse tipo de cultura inserida em nossa
história?
Tau Golin - A Revolução Farroupilha é muito mais complexa e
interessante do que as versões consagradas pelo Tradicionalismo. A noção
dominante foi criada pelo movimento republicano na campanha contra a monarquia.
Na luta pela proclamação da República, os farrapos foram usados como
"exemplo" de um pretenso passado republicano. O autoritarismo
castilhista colocou-se, por fim, como herdeiro dessa tradição, e, por meio da
difusão educacional, disseminou-se a falsa visão de que os farrapos eram
republicados e que o povo lutou ao seu lado contra o Império. Essa visão foi
retomada no grande evento de 1935, comemorando o seu centenário. Na década
seguinte, a primeira geração de tradicionalista escolheu entre os caudilhos
farroupilhas os seus heróis e os disseminaram como lumes tutelares do Rio
Grande, homens exemplares a serem seguidos.
Entretanto, com o desenvolvimento dos estudos históricos,
comprovou-se que os farroupilhas constituíam três frações diferentes e, muitas
vezes, antagônicas; não eram republicados, exceto uma minoria com idéias ainda
muito vagas. A fração militar e majoritária, liderada por Bento Gonçalves era
monarquista. Além disso, a maioria dos proprietários, inclusive os da terra, e
o povo rio-grandense lutaram pelo Império, pela brasilidade. Ou seja, nunca
houve um levante do Rio Grande do Sul contra o Império. Na verdade, o que
ocorreu foi uma guerra civil; e, nela, os farrapos eram minoria e, além de
tudo, não eram republicanos. A tão cantada República Rio-Grandense vivia quase
sempre sobre carretas e em povoações ocupadas temporariamente.
Contra a historiografia universitária, o Tradicionalismo e a
imprensa consagram uma ilusão, uma impossibilidade de conhecer o passado em sua
riqueza e complexidade.
IHU On-Line - O manifesto pode, ou deseja, unir forçar e
formar um novo movimento baseado na verdadeira história étnica e cultural do
Rio Grande do Sul e, com isso, aceitar a inserção de novas culturas dentro
dessa história?
Tau Golin - O manifesto é um texto de reflexão e denúncia.
Seu núcleo elaborador não tem caráter militante. Ele se refere a uma violação
da vida republicana pelo Tradicionalismo. Portanto, diz respeito às
instituições do Estado e da sociedade civil. Do ponto de vista cultural e
educacional, indica as implicações que a hegemonia e a influência do MTG possui
nessas esferas, a sua forma seletiva, normatizadora, e excludente de elementos
constitutivos da historicidade rio-grandense, além de pretender controlar a
liberdade artística. Acima de tudo, o manifesto demonstra como um movimento de
interesse particular, em um viés fundamentalista pilchado, opera no Rio Grande
do Sul, selecionando, consagrando e reconhecendo as manifestações que comungam
com sua visão de história, de cultura; e faz um alerta máximo: a destruição do
patrimônio rio-grandense. Em suma, o manifesto condena a militância do
Tradicionalismo para tutelar o povo, demonstrando a insustentabilidade
histórica de sua pretensão usurpadora, ao mesmo tempo em que defende um
processo de inclusão na historiografia e na cultura de participação e
representação republicana de todos os segmentos sociais.
Em suma, o MTG é um problema contemporâneo e não da
história.
Notas:
(1) Colégio Julio de Castilhos: Localizado em Porto Alegre,
esta instituição de ensino é uma referência para a capital gaúcha. Conhecido
como Julinho, a entidade formou autoridades políticas e personalidades
importantes para o Rio Grande do Sul.
(2) Cezimbra Jacques: Considerado o primeiro historiador
santamariense. Foi professor do Colégio Militar de Porto Alegre e lutou na
Guerra do Paraguai. Participou da criação da primeira academia de letras do Rio
Grande do Sul e foi um dos fundadores do Partido Republicano do Estado. Criou
Grâmio Gaúcho de Porto Alegre, considerada entidade precursora da cultura
gaúcha. É autor de "Ensaio sobre os costumes do Rio Grande do Sul" e
"Assuntos do Rio Grande do Sul", entre outros.
(3) Paixão Cortês: Formado em agronomia, o folclorista é um
dos personagens mais importantes do movimento tradicionalista gaúcho, o MTG. Em
1947, junto de Barbosa Lessa inicia uma pesquisa para recuperar traços de
cultura local. Foi o modelo inspirador para a estátua do Laçador, em Porto
Alegre.
Fonte: Instituto Humanitas UNISINOS
Autor: Redação da IHU
On-Line
Revisão e Edição: de responsabilidade da fonte
Nenhum comentário:
Postar um comentário