5 de dezembro de 2012
Reproduzido do site do MST
Evitar uma relação de causa e efeito entre alimentos
transgênicos e possíveis problemas de saúde. Essa é a razão para alterar a
legislação que determina a rotulagem de produtos transgênicos comercializados
no Brasil, diz o agrônomo José Maria Ferraz à IHU On-Line. Na entrevista a
seguir, concedida por telefone, Ferraz esclarece que a legislação que permite a
comercialização de agrotóxicos no país determinava o monitoramento e a
rotulagem dos produtos.
Hoje, o monitoramento foi flexibilizado pela Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança – CTNBio, e a rotulagem pode deixar de ser
obrigatória coso o Projeto de Lei 4148/08 seja aprovado. “O grande problema é
que o monitoramento e a rotulagem foram condições sine quibus non para a
aprovação, à época, do uso de organismos geneticamente modificados (…) no
Brasil. Mas, agora que aprovaram o uso, querem retirar a legislação para não
haver responsabilidade do que estão fazendo”, lamenta.
De acordo com Ferraz, o tema ainda não foi debatido pelos
membros da CTNBio, mas a Comissão não deve se opor ao PL 4148/08, porque apenas
um grupo seleto de pesquisadores questiona a liberação dos transgênicos.
“Não vejo grandes possibilidades de haver uma posição
contrária à mudança. Isso porque, através de uma discussão interna, feita por
e-mail, propus uma reflexão sobre o PL PL4148/08 para todos os membros da
CTNBio, e três se manifestaram. Um deles disse que a rotulagem era algo
‘nazista’, que estão querendo marcar os produtos transgênicos tal como marcaram
os judeus. Ocorre que outros produtos também são rotulados e não há nenhum
preconceito”, reitera.
José Maria Gusman Ferraz é mestre em Agronomia pela
Universidade de São Paulo – USP e doutor em Ecologia pela Universidade Estadual
de Campinas – Unicamp.
Cursou pós-doutorado em Agroecologia pela Universidade de
Córdoba – UCO, Espanha. É professor do curso de mestrado em Agroecologia e
Desenvolvimento Rural da UFSCar e professor convidado da Universidade Estadual
de Campinas.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia o Projeto de Lei 4148/08, que
propõe a não rotulagem dos produtos transgênicos?
José Maria Ferraz – Os organismos geneticamente modificados
– ou simplesmente OGMs – foram aprovados, à época, com uma série de
considerações para poderem ser aprovados. Uma delas era o monitoramento dos
produtos após a liberação comercial, e outra era a rotulagem dos alimentos
transgênicos. Essas foram as duas condicionantes para a aprovação de sua
comercialização propostas pelos órgãos oficiais e por autoridades que
instituíram a lei.
No entanto, este Projeto de Lei prevê a retirada do
monitoramento dos produtos transgênicos, e a não rotulagem dos produtos. O
monitoramento já havia sido flexibilizado pela CTNBio, porque antes havia uma
série de regras de monitoramento e, com a flexibilização, uma empresa pode
pedir o não monitoramento do produto caso considerar conveniente.
Então, não havendo monitoramento ou ocorrendo de forma muito
flexível – ou ainda, se os produtos deixarem de ser rotulados –, não será
possível estabelecer uma relação de causa e efeito no sentido de identificar se
determinado produto está, ou não, causando algum efeito à saúde da população.
Os produtos orgânicos, por exemplo, são rotulados e todo
mundo gosta que assim seja. Então, por que não rotular os transgênicos, se se
acredita que eles são bons? Não tem lógica não rotular, até por garantia de o
consumidor poder optar se ele quer ou não comer determinado produto.
IHU On-Line – Quais são as razões e justificativas para
alterar a legislação acerca da rotulagem de produtos transgênicos neste
momento?
José Maria Ferraz – A justificativa é para não estabelecer
uma relação de causa e efeito em um produto que pode gerar problemas à saúde.
Trabalhos de pesquisadores franceses estabelecem claramente uma correlação
entre o milho NK603 com tumores em ratos testados em laboratórios no longo
prazo. Os estudos realizados no Brasil são de curtíssimo prazo, de 30 a 35
dias. Se os produtos estiverem rotulados, será possível estabelecer uma relação
de causa e efeito caso aconteça algum problema.
IHU On-Line – A rotulagem de transgênicos permite o
monitoramento dos produtos transgênicos após a introdução deles no mercado.
Como será feito o controle dos produtos transgênicos e os estudos sobre as
implicações à saúde, caso o PL seja aprovado?
José Maria Ferraz – A tentativa de não rotular os produtos
flexibiliza também o monitoramento deles. Assim, o monitoramento acaba sendo
parecido com o recall de carros: coloca-se o produto no mercado – segundo os
economistas é mais barato deixar o produto no mercado do que fazer um controle
de qualidade –, e, caso ocorrer algum problema, ele é recolhido. O fato é que
isso não pode ser feito com alimentos que influenciam diretamente a saúde da
população.
Entretanto, a flexibilização do monitoramento levará a uma
situação dessas. O produto será comercializado e, se apresentar algum problema,
será relatado e então serão realizados estudos para ver se o caso procede. Só
depois disso será tomada alguma atitude. Junto disso a não rotulagem dos
produtos forma um pacote “extremamente interessante” para a flexibilização
geral dos transgênicos no sentido de não poder estabelecer uma relação de causa
e efeito do que está acontecendo com os OGMs.
O que me deixa estarrecido é o fato de essa alteração estar
sendo proposta pelo presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT), que
está vinculado a um partido que sempre defendeu os interesses públicos e
sociais. Mas, agora há uma inversão nos valores, porque as empresas têm
interesse nesse governo e vice-versa.
IHU ON-Line – O PL 4148/08 é uma tentativa de evitar as
pesquisas na área de transgenia?
José Maria Ferraz – Nem se trata do aprofundamento das
pesquisas, porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa não tem
uma notificação para os OGMs. Ou seja, não há uma notificação como há para os
nortox, por exemplo, que quando ocorre alguma contaminação tem de avisar a
Anvisa.
O grande problema é que o monitoramento e a rotulagem foram
condições sine quibus non para a aprovação, à época, do uso de OGMs no Brasil.
Mas agora que aprovaram o uso, querem retirar a legislação para não haver
responsabilidade do que estão fazendo.
IHU On-Line – Como é feito o monitoramento entre a relação
de causa e efeito dos produtos transgênicos comercializados?
José Maria Ferraz – A legislação que determina o
monitoramento é de 2002, mas apenas há dois anos estamos vendo os produtos
transgênicos serem rotulados de fato e, mesmo assim, são os produtos que têm
como base os OGMs, tais como o óleo de soja, o amido de milho e algumas rações
e proteínas de soja.
A lei obriga a rotulagem de produtos que tenham a partir de
1% de conteúdo geneticamente modificado. Porém isso não é feito. A rotulagem é
obrigatória, mas não está sendo comprida a contento. Não há fiscalização
suficiente para acompanhar se esses produtos têm rotulagem ou não.
IHU On-Line – Como o PL 4148/08 tem sido discutido na
CTNBio? Quem é favorável e quem é contrário a essa mudança?
José Maria Ferraz – O panorama é o mesmo daqueles que são
mais críticos à liberação do OGM sem estudos aprofundados. Faço parte do grupo
minoritário, que não é contra o OGM por ser contra, mas quer que sejam
realizados estudos em longo prazo.
Esse grupo defende a precaução porque, se existir a
possibilidade de causar algum dano à saúde, isso deve ser verificado antes.
Dentro da CTNBio essa questão ainda não foi discutida porque ela apareceu de
repente. Então teremos uma reunião nesta semana na qual provavelmente esse tema
será abordado.
Não vejo grandes possibilidades de haver uma posição
contrária à mudança. Isso porque, através de uma discussão interna, feita por
e-mail, propus uma reflexão sobre o PL PL4148/08 para todos os membros da
CTNBio, e três se manifestaram.
Um deles disse que a rotulagem era algo “nazista”, que estão
querendo marcar os produtos transgênicos tal como marcaram os judeus. Ocorre
que outros produtos também são rotulados e não há nenhum preconceito.
A rotulagem justamente oferece a oportunidade de o
consumidor optar pelo que ele quer consumir, e saber o que está consumindo.
Todos os produtos demarcam os percentuais de proteína, sal, lipídio e todos os
ingredientes. Embora a rotulagem seja lei, dentro da CTNBio o debate será
complicado.
IHU On-Line – Há previsão de autorizar a venda de novos
produtos transgênicos?
José Maria Ferraz – Existem muitos produtos transgênicos na
lista; eles ainda aguardam alguma autorização. Hoje já existem arroz e feijão
transgênicos, que são a base da nossa alimentação, e os estudos sobre os
impactos à saúde foram realizados sem profundidade. Foram estudados 30 ratos
por 35 dias.
O problema é que todos os animais eram machos. Sabemos que
há diferenças hormonais entre machos e fêmeas, e cinco deles, sem exceção,
apresentaram reações como aumento de perda do fígado, diminuição dos rins e
problemas no intestino. No mínimo era necessário realizar mais testes para ver
o que continuaria acontecendo. Mas a possibilidade foi desconsiderada. A
discussão não é científica; é ideológica.
O pior é que tem no mercado uma série de OGMs cruzados com
outros OGMs. Esses produtos não passam mais na CTNBio, porque eles foram
aprovados isoladamente. Existem produtos feitos à base de sete produtos
modificados geneticamente, que dão origem a novos produtos. Isso precisa ser
avaliado porque sabemos que a maioria dos genes que estão no nosso corpo são
silenciosos. A situação é crítica e não vejo possibilidade de mudança, a não
ser que a população seja informada.
IHU On-Line – É possível estimar o percentual de alimentos
brasileiros que são transgênicos?
José Maria Ferraz – Quase todos os produtos derivados da
soja, ou ao menos 90% deles, e do milho são transgênicos. Uma parcela
equivalente a 80% do algodão também é de transgênicos.
Associado a isso há um aumento de alterações hormonais,
alterações em termo do surgimento de doenças degenerativas, câncer, apesar de
não termos um dado estatístico específico. Os transgênicos são associados aos
agrotóxicos, então há um efeito sinérgico e as plantas passam a produzir as
toxinas. Toda planta produz a toxina já liberada para alimentação. Por isso
que, provavelmente, deu essa incidência de câncer associada ao glifosato, que é
a toxina mais utilizada.
Hoje, as plantas de modo geral estão mais tolerantes ao
glifosato, e os OGMs utilizam herbicidas muito mais fortes. Essa é uma
exigência dos OGMs, ou seja, uma venda casada entre OGMs e herbicidas. A
tendência é aumentar o uso desses herbicidas mais poderosos, mais prejudiciais
à saúde e ao meio ambiente.
Não sabemos por que o Brasil, sendo o maior produtor de
alimentos do mundo, é o maior consumidor de agrotóxicos. É uma relação causal
muito evidente com os OGMs.
IHU On-Line – Como a lei de biossegurança tem sido aplicada
diante dos novos produtos transgênicos?
José Maria Ferraz – Ela tem sido flexibilizada porque o
princípio da precaução tem sido violado, apesar de o Brasil ter assinado um
acordo internacional. A lei de biossegurança existe com o princípio de
precaução estabelecido, mas no caso do feijão transgênico, onde está aplicado o
princípio da precaução? Nenhum país do mundo, por pior que fosse, iria aceitar
um trabalho científico com cinco organismos, só sendo avaliados em termos de
toxidade.
A partir da regulamentação do feijão dá para se ter uma
ideia de como está funcionando a lei de biossegurança no país. Na verdade, ela
está favorecendo o interesse do agronegócio e não da população, de modo geral,
porque só tem estimulado o uso de agrotóxico casado e uma insegurança quanto ao
produto que está sendo colocado no mercado. Não é de hoje que tentam alterar a
legislação.
O PL será votado e sabemos como a maioria pensa. Boa parte
dos representantes está ligada aos ministérios, e os ministérios têm a
recomendação de aprovação dos OGMs, com exceção do Ministério da Saúde. Para
você ter uma ideia, pessoas ligadas ao Ministério da Agricultura analisavam os
artigos científicos. Neles mostravam-se os problemas de caso que se estava
avaliando, mas não se colocavam essas informações nos seus pareceres.
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