A progressiva difusão
da cultura da bandidagem entre os trabalhadores de farda (que vai muito além do
ato de delinqüir) assusta; mas o que surpreende mesmo, em um país em que o
desemprego ainda é realidade de milhões, é a suposta necessidade da identificação
de "ser trabalhador" como credencial para ser respeitado como
cidadão. nenhuma abordagem sobre violência que ignore esse cenário pode ser
levada a sério. “O governador vai à televisão e diz que ‘vão investigar’.
Investigar o quê? As pessoas sabem que há policiais envolvidos”, diz um morador
da região. “As crianças da periferia só vão passar a respeitar os policiais
quando não souberem que eles bateram nos pais delas, ou atiraram em um
conhecido”, emenda outro. “Quem mata pai de família, para mim, é bandido.”
Texto e Foto reproduzidos de: apublica
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Foto: Spensy Pimentel |
Tempo de terror no Rosana
25.02.13 Por Spensy Pimentel #ViolênciaPolicial
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Indignação, medo e desconfiança da polícia imperam na
comunidade atingida pela chacina de 7 trabalhadores em janeiro, entre eles o DJ
Lah; 6 PMs estão presos, mas pelo menos 14 foram vistos na cena do crime
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O momento da tragédia já ganhou várias versões, que correm
pelo Jardim Rosana, bairro da região do Campo Limpo, zona sul de São Paulo.
Eram pouco mais de 11 da noite e o dono do bar já tentava despedir a freguesia:
“Gente, está na hora de fechar”. Havia semanas circulavam na região as ameaças
feitas por policiais de que “coisas ruins poderiam acontecer”. Na prática,
avisos como esse são interpretados como um toque de recolher – e o fato é que o
perigo era iminente.
Os assassinos encapuzados chegaram ao bar anunciando:
“Polícia!” Nesse ponto, não há divergência entre as versões, até porque as
ameaças ouvidas por várias pessoas no bairro eram claras: a ação era uma
vingança por alguém do bairro, dois meses antes, ter gravado e enviado à TV
Globo um vídeo do momento em que policiais abordavam e aparentemente executavam
Paulo Batista do Nascimento, o Limão, morador daquela mesma rua. Cinco PMs
foram presos em novembro, depois da exibição das imagens – eles haviam
registrado no boletim de ocorrência ter encontrado o corpo já sem vida em uma
viela.
Há quem diga que, ao ouvir anúncio de que se tratava de
policiais, Laércio, que estava próximo à porta do bar, gritou a resposta chave:
“Calma, aqui só tem trabalhador!”
Só depois de ter levado um primeiro tiro na perna, a
despeito de sua advertência de que não havia “vagabundos” no recinto, Laércio
teria xingado: “Seus filhos da p…”. Outros dizem que ele os chamou de
“covardes”. Há também gente que estava no bar, no momento do crime, que conta
que não houve tempo de dizer nada.
Mas há quem lembre que, depois do grito “Polícia”, Laércio
teria dito: “Não tenho medo de vocês, seus covardes”. Ou foi como se dissesse:
na sequência, virou-lhes as costas – tanto é que tomou a coronhada de uma
escopeta na nuca, antes de ser executado com vários tiros que o atingiram de
costas, como me dizem. “Ele morreu como um homem, eles mataram como covardes”,
emenda o narrador que, como quase todos os entrevistados, pede que seu nome não
seja revelado.
Até o momento eram seis os policiais militares presos pela
chacina que vitimou sete pessoas no dia 4 de janeiro, num bar na rua Reverendo
Peixoto da Silva, no bairro do Jardim Rosana, zona Sul de São Paulo. A
investigação policial e a Justiça vão compor sua própria versão sobre esse
episódio trágico em que morreu o protagonista das histórias acima, o DJ Lah,
Laércio de Souza Grimas, 33 anos, integrante do grupo Conexão do Morro. Mas
poucos no Rosana acreditam que o crime será esclarecido até o fim.
Já se sabe que não é verdadeira a primeira versão que
circulou, a de que teria sido Laércio o autor do vídeo exibido na Globo. Os
moradores do bairro insistem: o responsável pela denúncia saiu dali logo depois
de ter registrado as imagens. “Chegaram a dizer que o DJ tinha dito por aí que
ele teria gravado. Isso não é verdade, estão querendo usá-lo como bode
expiatório”, explica-me um deles.
A indignação é geral. Covardia é a palavra mais ouvida para
descrever o que aconteceu. Todos os que morreram no bar eram “trabalhadores”,
termo que na periferia paulistana significa o oposto de tudo o que deveria ser
alvo da polícia: crime, vagabundagem, “vida fácil”. Quem vive ali encara um
cotidiano árduo, feito de ocupações cansativas e mal pagas, além de horas de
transporte público para chegar ao emprego, que frequentemente fica “da ponte
pra lá”.
Não há como determinar se a expressão foi forjada pela
canção dos Racionais MC’s ou se foram os rappers que captaram o termo que já
circulava. Mas o fato é que para quase todos ali o mundo paulistano se divide
entre os que vivem de um lado ou de outro das pontes do rio Pinheiros.
“Tá pensando que você está nos Jardins?”, alguém se lembra
de ter ouvido de um policial durante um enquadro, depois de ter cobrado uma
abordagem mais respeitosa. Os Jardins – uma das regiões mais ricas de São Paulo
– ficam, claro, do outro lado da ponte.
Há muito o rap denuncia esses maus tratos, que não raro se
convertem em violência mortal. O protesto contra a violência policial é a marca
do Conexão do Morro desde que o grupo do DJ Lah começou a se destacar na cena
paulistana, no final dos anos 90.
O single de estreia do trio, que veio à luz por volta de
1998, se chamava, justamente, “Saiam da mira dos tiras”. “São eles é que
forçam, são eles que atiram/ Reze pra sobreviver”, completava o refrão. Laércio
tinha pouco mais de 18 anos nessa época, e foi também nesse período que nasceu
sua primeira filha.
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