Sexta-feira,
26 de Setembro de 2014 | ISSN 1519-7670 - Ano 18 - nº 817
JORNAL DE DEBATES
COMENTÁRIOS ANÔNIMOS
Reproduzido do Observatório da Imprensa
O veneno digital
Por Robert Fisk em 15/01/2013 na edição 729
Reproduzido da Agência Carta Maior, 13/1/2013; título
original “Comentários anônimos, atitudes covardes: é tempo de pararmos de beber
este veneno digital”
Reconhece esse cara? Ele é um “mentiroso”, “idiota”,
“simpatizante terrorista”, “enganador”, uma “desgraça”, um “louco insano
liberal”, ele está “na folha de pagamento da Irmandade Muçulmana” e “na folha
de pagamento de neonazistas europeus”. Ele é “louco”. Mas espere. Esse pobre
cara é também “um ignorante, inútil, pedaço de merda que odeia judeus”, cujo
“ódio pode ser visto em seus olhos”. “Urina de porco esteja nele no inferno”, é
uma das maldições dirigidas a ele.
Ele diz “mentira em cima de mentira, todas elas direta ou
indiretamente destinadas à destruição de Israel”. E ele recebeu a seguinte
mensagem: “Os islâmicos cortadores de gargantas com quem você simpatiza,
cortariam seu pescoço de lápis de orelha a orelha com prazer, só porque você
não se curva ao pedófilo sanguinário [sic] profeta deles.” E agora uma pista.
Nesta mesma lista de sujeira virtual – enviado em apenas dois dias – um
escritor anônimo acrescenta: “Poderia Robert Fisk ser o próximo?”
Pessoas doentes
Meu pecado – e acima, acreditem, é o fim limpo do abuso –
foi escrever um artigo na semana passada sobre o Oriente Médio em 2013. Agora,
nos velhos tempos, quando alguém recheava sua caixa de correio com algo
abusivo, você iria à delegacia, em dois toques, esfregando cartas de tinta
verde no rosto do sargento na delegacia. Comportamento ameaçador, pelo menos.
Mas, agora, apenas reclamar sobre esse tipo de material incendiário marca-o
como o excêntrico. “É por causa do seu perfil”, um amigo me disse. Então é isso
que eu mereço? Eu sempre disse que se você é repórter do Oriente Médio, você
tem que encarar os gravetos e as pedras. Às vezes, literalmente.
Mas algo está errado aqui. Certamente não é para isso que a
internet serve? Em todo o mundo agora, o anonimato – a ruína de todo o Editor
de jornal – é aceito por cyber-jornalismo, o mais odioso, mais compreensível.
Eu já desisti de vários debates em programas de rádio no meio da transmissão
por causa da recusa absoluta das âncoras de explicar por que eles não vão
desafiar os tweeters ou escritores de emails, às vezes violentamente nomeados.
Sites e blogs e salas de chats nunca foram destinados a cobrir as crueldades
semelhantes à Breivik, dessas pessoas doentes.
O ex-diplomata dos EUA, Christopher Hill, um homem cujas
opiniões normalmente me fazem estremecer – ele foi embaixador no Iraque,
especial ao Kosovo e um negociador de Dayton – observou esses perigos. “O
acesso instantâneo à informação não significa acesso imediato ao conhecimento,
muito menos à sabedoria”, escreveu ele recentemente. “No passado, a informação
foi integrada com a experiência. Hoje, ela é integrada com a emoção... A
tecnologia digital tem desempenhado um papel importante “na promoção dessa
atmosfera de maus modos, viciosos ataques pessoais, intolerância,
desrespeito... Bullying agora é virtual”.
Pouco antes do Natal, um ministro de Estado irlandês, Shane
McEntee, cometeu suicídio depois de receber uma porção de desagravos online. No
seu funeral, o seu irmão Gerry foi aplaudido quando atacou a mídia social: “Que
vergonha de vocês, vocês covardes que lhe enviaram mensagens horríveis no site
e em texto, que vergonha de vocês.” Shane McEntee tinha sido particularmente
condenado por defender cortes no programa de governo para cuidados a crianças
especiais da Irlanda e, de qualquer maneira, eu não tenho certeza de que
e-mails anônimos matam.
Jornais perseguem pessoas também, mas, pelo menos, editores
têm um endereço.
O vice primeiro ministro da Irlanda já falou de nova
legislação contra o abuso na internet – complicado isso, quando os ex-oficiais
da IRA sentam em Dáil Eireann e o abuso pode funcionar nos dois sentidos. O
governo francês também está considerando novas regras para evitar comentários
racistas, antissemitas e homofóbicos no Twitter. Hashtags racistas e anti
Judias foram removidas na França, em outubro, mas o Twitter agora alega que não
pode revelar suas identidades reais – em outras palavras, os culpados – desde
que foram arquivadas na Califórnia, desta forma, as leis francesas não se
aplicam.
Então me deixe ir agora ao jornalista irlandês John Waters,
que no ano passado reclamou do “veneno desproporcional de comentários online” e
a maneira que blogueiros recorrem a “formas de comunicação pré-civilizadas”. Em
uma paródia do estilo cyber, ele escreveu que preferiria que o criador do
Twitter fosse preso e sua empresa fechada. Então, ele acrescentou –
deliberadamente, na língua e gramática das mensagens repulsivas que todos
recebem: “Queria q eles queimassem o fundador do Twitter em óleo e deixassem
sua carcaça na rua p os urubus.”
Veneno
E o que aconteceu? Um representante do Twitter ligou para um
empregado do jornal de Waters – de um telefone fixo – para reclamar que sua
última frase “passou de um certo limite”. Que limite em especial, eu me
pergunto? E quando Waters – um homem com quem não estou muitas vezes de acordo
– depois queria entrar em contato com o Twitter para remover uma postagem
difamatória, ele descobriu que só poderia fazê-lo... por se inscrever ao
Twitter! Não, não somos Luditas, disse Waters. Mas algo era necessário “para
frear o clima tóxico e sem lei em andamento na web”. Por que pseudônimos são
autorizados a apresentar-se como participantes de um debate democrático?
Eu concordo. Salas de chat e seções de comentários em
jornais online, muitas vezes afirmam ter um “moderador” – uma expressão
covarde, uma vez que sugere que o abusado e do abusador são igualmente culpados
ou inocentes – que pode remover o material “inadequado”. Isto é um pouco como
dizer que Hitler poderia, por vezes, fazer
comentários “inapropriados”. De fato, com a leitura de um
livro durante o Natal sobre a ascensão dos nazistas ao poder na Alemanha,
descobri que muitas ameaças do NSDAP (Partido Nazista) nos anos trinta hoje
parecem insultos da internet.
Então o que fazer? Comentários on-line são muitas vezes
factualmente errados, mas o anonimato permite aos escritores usar uma linguagem
vulgar e abusiva para apoiar as suas mentiras. Eles rodam muitas vezes no que
tem sido chamado de “teste de qualidade” – aplicada com rigor, por exemplo,
quando os editores de jornais se recusam a publicar cartas sem um nome e alguma
forma de endereço. Estamos falando de comentário verificável.
***
[Robert Fisk é correspondente do Oriente Médio para o jornal
The Independent e autor de muitos livros sobre a região, incluindo A Grande
Guerra pela Civilização: A Conquista do Oriente Médio]
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