"O HAMAS, que é um grupo palestino muçulmano sunita, tem como intenção, através de ataques, serem ouvidos sobre a situação caótica de seu povo árabe, pois através do diálogo não houve uma resposta satisfatória."
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
APRÍGIO ESPEROU PASSAR O NATAL PARA APAGAR OUTRA LUZ ENTRE OS BONOMO MARTINS
Fazia alguns anos que já não via, ou conversava, com Tio Aprígio, o camarada sério e que debochava dos problemas – era esta a imagem que cultivei dele, desde a infância. Entre os 11 irmãos, fazia parte do grupo dos que viviam sozinhos de forma mais efetiva, e no seu caso, por opção há mais tempo. Gostava de viver, certamente, ainda que ligasse mais para o prazer imediato do que para a longevidade. Estar bem no momento de estar bem, seja com um copo de vinho gelado, um bate-papo de bar, ou em família, e se desse, um gibi de velho oeste, eram coisas que faziam seu prazer. Pelas vielas entre 32 e a 36 de Viamão ou pelos botecos de Alvorada, era de amizade fácil. Descontando a proximidade típica que o álcool produz, eventualmente, Aprígio tinha um carisma especial, uma certa tranquilidade em falar da vida, contar histórias e piadas, que agradava as almas mais preocupadas. "Mexeu com meu sobrinho, vai ter comigo", afirmou outra vez, pela minha infância, quase caindo, mas seguro em um copo e com a seriedade de quem prestava um juramento. Quando repreendido por beber demais, só fechava os olhos e ficava em silêncio. As vezes, balbuciava: "Eu sou assim, fazer o quê?". Estava para visitar-lhe há alguns meses no último recanto de descanso e tratamento em que andou, ali pelo Morro Santana. Mas a correria dessa vida, aliada ao nosso costumaz vício de criar desculpas para adiar encontros e outros contratempos familiares, atrasou demais esse reencontro. Ontem, em plena véspera de Natal, decidi que tinha que ir ao hospital de Viamão, lugar que gostaria de evitar, mas que ainda prefiro, em absoluto, do que os velórios. Junto com a guerreira Tia Ilda, que acode a todos, adentrei naquele frio ambiente, com seus tradicionais rituais de acesso. Após alguns minutos de espera, para a liberação da entrada, ingressamos em um quarto frio - como frio são todos quartos hospitalares – e lá estava ele, quase sumido em meio a aparelhos, tubos e panos. Esperava que estaria diferente, mas não pude deixar de assustar-me com o impacto do quanto aquele forte espirituoso sujeito tinha envelhecido com as dores e debilidades. Ainda com a voz grossa, mas entrecortada pela pouca respiração, demonstrava a plena lucidez com o que viveu, e até a preocupação com os quem não vinham vê-lo mais. Nessas horas, a gente precisa sempre escolher as palavras. Falemos pouco, especialmente para não cansá-lo. Ele ainda preservava também aquela forma inteligente de analisar a vida e o tom sério, inclusive de brincar. Mas, diferente de quase sempre, havia um claro medo em seus olhos, um anseio por vida, mesmo que tudo o mais fosse dor. E, pela primeira vez, percebi nele um silêncio mais efetivo e lúcido do que aquele sonolento, que costumava fazer após alguma repreensão à sua bebedeira. Um pedido de “ore para que Deus me leve”, como um soluço de toda sua tênue e sincera assimilação religiosa, comprovou essa seriedade. E também o quanto a dor já era maior do que a morfina e o seu desejo de resistir. Na despedida, desejei que mantivesse a disposição e pensasse coisas boas. Quando o celular tocou nesta manhã, com chamada de minha irmã, já imaginei a notícia. Lá se foi o quarto tio da família Martins – Lalo, Dilo e Adérico anteciparam suas viagens. “Entelei tlês”, largou Aprígio outro dia, já sem dentes e em cadeira de roda, mas no seu habitual humor, como que disposto a apresentar um atestado de que podia ir longe. Mas, dessa vez, a brincadeira faltou. Sua vez também chegou. Entre o interior de Sombrio, as hostilidades de uma Porto Alegre a despertar e a corrida pela sobrevivência pelas suas periferias, lentamente vão-se grossos galhos dessa grande árvore chamada Bonomo Martins. Uns se vão para outros chegarem, e tudo recomeça em novos nascimentos. Essa é a Lei, assim são as famílias. Independente de vínculos, porém, cada um tem uma história. E, à sua maneira, Tio Aprígio deixou a sua marca; em plena noite de Natal, uma luz se apaga, mas não no que ficou. As saudades de um papo preguiçoso e um sorriso lento, que tornava mais leve as horas difíceis, permanecerá entre os que pelo seu caminho estiveram. Boa viagem, meu espirituoso cowboy sem destino, que leves boas energias para onde fores, além da que aqui deixastes para os que por ti cruzaram.
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