sábado, 22 de outubro de 2016

Aquarius convida a enxergar o estranho com uma admiração, ao invés de pena




Fui ver Aquarius, como sempre, bem depois da estreia – porque a pressa não tem necessariamente a ver com arte, a não ser para o Mercado. Gostei do filme, ainda que deixe um gostinho de que faltou algo. 

Trata-se de uma história, sobretudo, de empoderamento feminino, como várias análises destacaram. E Sônia Braga interpreta Clara, a protagonista, com maestria, inclusive no aspecto da condição e relações de classe em que a personagem se insere.

Mas, bem mais que isso, o filme retrata questões que são pertinentes na vida e que o cinema costuma abordar pelos extremos, ou discretamente, nos bastidores do enredo real, ou como foco da trama. Em ambos casos, acredito, não dá a devida importância. Trata-se da vida após os 50, a intimidade de uma pessoa com uma debilidade física definitiva e, principalmente, a questão do caráter, ou mau-caráter, que pode se esconder nos bons modos.

Nesse ponto, especificamente, o diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho tem imprimido uma abordagem bem interessante e profunda no cinema brasileiro, que traz à tona um aspecto intrigante de nossa cultura, a tal “máscara ante ao social”, outrora, tratada no conceito de “Homem Cordial”, por Sérgio Buarque de Holanda.

Li, recentemente, um artigo no Geledés que observava um viés racista no filme, pela pouca ou ausente visibilidade negra, e associação desta quando ocorreu a delinquência ou algo assim. Não recuperei o texto, bem fundamentado, mas lembrei dele enquanto via o filme, e não vi dessa forma.
Primeiramente, é preciso situar que a história retrata uma família de classe A/B, branca, ambientada em um estado marcado por relações históricas de luta de classes. 

Aliás, classe é uma tema que é trazido à toda de forma bem enfática em Aquarius. De outro lado, não vi esse estigma sobre o negro, nas vezes em que surge uma pessoa dessa etnia – no caso, durante um pesadelo de Clara, em que reaparece uma empregada que teria roubado a família mexendo em suas joias.

Em outro momento, vale lembrar, um traficante, jovem, branco é também identificado no convívio da classe média. Além do mais, os representantes da construtora que perseguem Clara para vender seu apartamento, e que são retratados como mau-caráter no filme, também são brancos e classe alta. Assim, acho um exagero a crítica de um viés racista. Se fosse uma família negra, provavelmente a visibilidade predominante no filme seria de negros, e assim por diante.

O fato é que o filme traz muitos elementos presentes na vida social brasileira, que são digno de nota. O enredo é bem nutrido por uma trilha sonora que agrada várias gerações. Aliás, esse diálogo entre gerações é outro mérito louvável de Mendonça Filho soube explorar bem. Outro aspecto está na linguagem audiovisual, o silêncio e o suspense nos enquadramentos em detalhes são elementos desse modo de gravar que dá um toque singular à essa produção.

Por fim, tenho que notar que o final não bem o que se esperava da riqueza da história e da energia de seus personagens. Tudo parece se encaminhar para algo maior, e espectador parece ser surpreendido no clímax, com um final perturbador, mas que não suficiente responsivo ao tamanho das expectativas – um modo de contar adotado por muitos diretores europeus, é fato, mas nem por isso isento de crítica.


De qualquer modo, Aquarius vale a pena ser visto, pela história, pela relação com o Brasil presente e pela mensagem de vida e força que dá, para todos, mas em especial, para aqueles às vezes mais costuma se julgar preconceituosamente frágeis: as mulheres, as pessoas pela terceira idade, os que vivem sozinhos e os que não se enquadram aos padrões estéticos sexuais de beleza.

Nenhum comentário: