sábado, 4 de agosto de 2018

A decolonialidade vive em nós, mas não é tão simples assim



A idéia de que somos um povo conquistado culturalmente, e que saímos da colônia, mas a colônia não saiu de nós, é instigante, mas contém diversas sutilezas. Uma delas é a contradição entre o militantismo fácil antiracismo e a ignorância quase absoluta sobre os povos africanos; outra, é a visão homogenizadora destes nesse conceito, ou mesmo como negros – nada a se opor, desde que seja respeitado a carga político-histórica de resistência e força dos descendentes de povos escravizados. Ocorre que os imigrantes haitianos e africanos que ingressaram aos milhares no Brasil nesses últimos anos problematizaram qualquer simplismo a respeito da questão racial. Pelo menos quando deles que tratamos.  Se repararmos bem, os negros imigrantes têm uma autoestima, no geral, diferenciada com relação aos negros brasileiros. Algo a ver com uma consciência de nobreza – já que suas ascendências, não raro, são fortemente ligadas a uma hierarquia política vinculada a países de governos com poderes monárquicos. E por causa disso o racismo enquanto estigma não os afeta em um nível tão profundo. É o que tenho reparado, na observação e convivência indireta com alguns senegalenses e haitianos. Os moçambicanos, por sua vez, tem uma formação cultural bem mais específica. E deles não me atreveria a comentar, a não ser destacar o contumaz bom humor como um traço inconfundível. Bem, o objetivo desta curta reflexão era apenas registrar, no dia de hoje, essa intriga que tenho em compreender melhor as culturas africanas, imigrantes ou descendentes. Precisaria para isso, todavia, muitas outras linhas, de leitura e escrita.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Encontrar um amigo é sempre abrir uma janela para o Paraíso

Nesses dias sombrios, é sempre bom olhar para o Sol. Sempre vale a pena os respiros dos encontros, mesmo que rápidos, mesmo que improvisados, mesmo que fora do Sinal Fechado. E nesta tarde de quinta, que tirei para resolver coisas, entre boletos e poemas, tive ganhos de vida. Ao passar pelo Largo Glênio Peres, ao lado do Mercado, avisto um idoso nada convencional, e reparando bem naquela barba branca, sob o chapéu inconfundível, descubro um amigo, ex-professor bukowskiano de outrora. Motivo nobre para um cafezinho e alguns minutos de reflexão sobre nossos tempos: sobrevivência, profissão, arte, história, e claro, Política. Sempre é um ganho esses momentos. Nos despedimos e, mais tarde – olhe como são as energias – passando por minha ex-faculdade avisto, mexendo em seu celular, um colega daqueles tempos; novos papos, renovadas lembranças, e claro, alguns comentários sobre o contexto social. Nesse meio tempo, vejam, pinta outra contemporânea da universidade, e nos juntamos, nós três, naquela intensa mistura de satisfação, análise de conjuntura e nostalgia. Falamos, por exemplo, sobre colegas de procedências modestas, que se formaram, como nós, em uma universidade pública, e que hoje andam ocupando espaços destacados pelos mundo das artes, da educação, da tecnologia e da política; sobre a distância abissal do discurso do Mercado, sobre a exigência que este faz de um “profissional crítico” e o quanto, na contradição disso, é a canalhice a mais premiada nesse mesmo ambiente, particularmente na imprensa; sobre o quanto a fome de Jornalismo campeia em nosso Estado, e claro, contagia as pautas, as telas e as mentes, como no País afora. Um desses colegas, que integrava o quadro da TVE, que já foi um oásis da comunicação inteligente por aqui, passou a ter sua trajetória e qualificação violentamente descartada quando foi transferida para uma “repartição” estranha à sua área, a partir da extinção daquela fundação pública pelo governo do Mdb de Sartori/Temer/Cunha - a mesma medida que afetou centenas de outros profissionais de gabarito, com o consequente desperdício de dinheiro público que o Estado investiu, por anos, por meio de estruturas, qualificações e tecnologias. Com o outro colega, hoje professor, conversamos sobre os caminhos para ensinar gente que vem da periferia e que, por isso, já respira todo dia as melhores pautas, no coração, na boca, na pele, precisando apenas formatá-las para um português ajustável aos panfletos das empresas que vão pagar seu salário no futuro, em troca de poder maquiar a sua produção textual, para agradar as classes A e B. E eu da minha parte, da minha corda bamba entre o mundo do dinheiro e o mundo da vida, mais ouvi do que falei; mas com a conversa, muito pensei sobre como a academia repete o mercado, e como esse pasteuriza nossos sonhos para movimentar toda essa máquina de engolir gente. E nisso, não pude deixar de lembrar daquele professor Bukowskiano, que dizia frases como "Jornalismo é Subversão!" , "Eu não tenho certeza de nada!", e "Eu não quero ser esquecido!". Bom, isso [parece] foi ontem, hoje, levanto e preparo um café, que o mundo não acabou, e nem o Bukowski que existe em cada jornalista não-resignado.