O tempo estava
adequado para qualquer coisa, desde que não se necessitasse sair de casa. Eram 8h
de um domingo chuvoso. Fim-de-semana, agenda vazia. Liberdade para o que desse
e viesse. Mas o que significa essa condição, sem os meios concretos para
exercê-la? É como um copo vazio, cujo valor de uso esgota-se na impossibilidade
enche-lo. E o que, afinal, são os meios, senão as atitudes ditadas pelos fins?
Estes, sim, o que importam. Aquilo que depende apenas do nosso modo de olhar as
coisas. Com muito cálculo e remanejo, conseguira pagar todas as contas, mas
ficara apenas com o necessário para passar os próximos 15 dias, data do próximo
pagamento. Nem mais um tostão para o lazer. Assim estava Tonico naquela manhã
de agosto em uma cidade fria do sul do Brasil. Para completar a falta de opção,
a chuva misturada com o vento não parava. Bem, o final do programa eleitoral no
rádio indicava que o tempo estava passando. Mas seria bom que, de preferência, passasse
prazerosamente. Senão, ocorreria novamente como acontecia de praxe, lamentando
os próximos dias não ter feito nada de interessante. Foi então que o estranho
entusiasmo se transformou em mais uma ideia pervertedora, destas que pintam no ócio
imaginativo. Decidiu sacar Neruda, seu autor preferido, recuperando a página de
Confesso que Vivi. Sentou na poltrona da sala e começou a imaginar que
estivesse na praça tomando sol. Por que não? Imaginar era um exercício
agradável. Estava sozinho em sua casa, de modo que estava excluída a
possibilidade de ser visto como louco.
Gostou da ideia e começou os procedimentos. Enquanto as pancadas de
vento não paravam de bater na porta de seu apartamento, que dava de cara para a
sacada, e os relâmpagos anunciavam no céu que a chuva não pararia tão cedo, regulou
o ar-condicionado em 25º, vestiu um fino calção, uma camisa branca e um chinelo
macio, preparou um copo de suco de laranja e alguns biscoitos de chocolate. Finalmente,
montada a infraestrutura, sentou-se na cadeira de balanço da sala e fechou os
olhos por alguns instantes, imaginando um céu azul com árvores à sua volta,
cheias de pássaros cantando. O clima era ideal em seus pensamentos.
Concentrou-se d e uma maneira tal que os seus sentidos já começavam a
corresponder à paisagem pintada em seus pensamentos. Até os fios do vento frio
que entravam pelas frestas da janela, soavam agora como uma leve brisa, que
costuma acompanhar o sol das manhãs da primavera sulista – ainda que se
estivesse em final de junho. Nesse verdadeiro êxtase, tomou o primeiro gole de
suco, abriu os olhos e o livro. E quando começava a sua leitura matinal, agora
em estado de entusiasmo, percebeu que o tempo estava mudando repentinamente. A
chuva parara e, em questão de minutos, um discreto sol começava a iluminar a
cidade. Não resistiu em abrir a janela, quando percebeu que as nuvens escuras
davam lugar a um céu tão azul quanto as águas de um oceano. Olhou para o livro
na cadeira e para o céu convidativo, mas foi o canto de um pássaro, que pousava
agora no parapeito de sua sacada, que lhe completou a opção. Apressou-se em
sair para a rua, pensando apenas no quanto um dia chuvoso pode inspirar e no
que poderia ser a vida com mais poesia e imaginação.
Inverno de 2002, em algum canto do sul do Brasil.
Inverno de 2002, em algum canto do sul do Brasil.
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