13/06/2013 15:00
Reproduzido do site da Prefeitura de Canoas
"(...) A periferia é a capital; para nós, o centro está
em todo lugar". Essas palavras encerram o texto da Carta de Canoas para o
Direito às Cidades e Metrópoles Solidárias, divulgada na manhã de hoje durante
a Plenária Final do 3.º Fórum de Autoridades Locais de Periferia (3.º Falp),
realizado desde a última segunda-feira na cidade.
O 3.º Falp contou com a presença de cerca de 2 mil
cadastrados, procedentes de 200 cidades de cinco continentes. Os encontros
foram realizados em salas, auditórios e no Salão de Atos do Unilasalle e
contaram com tradutores, inclusive para a Linguagem Brasileira de Sinais
(LIBRAS).
A Conferência Final desse evento foi realizada pelo ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), que foi recebido com entusiasmo e elogiado
pelas diversas autoridades presentes. Quebrando o protocolo, Lula descartou o
discurso formal e falou informalmente com o público. Em sua fala, ele destacou
o papel das cidades na resolução das problemáticas urbanas. "Se a cidade
está bem, o Brasil está bem, se a cidade vai mal, o Brasil está mal",
resume.
Lula falou sobre a experiência dos seus oito anos na
presidência, no qual lembrou ter criado e consolidado uma relação permanente
com os prefeitos. Ele também destacou dados sobre a ampliação da inclusão
social nesse período, por meio de programas sociais, criação de escolas ténicas
e de universidades. "Nos últimos 10 anos houve no País uma revolução nas
cidades de periferia", repara.
Resoluções
A Plenária e a Conferência Final do evento foram realizadas
no Salão de Atos do Unilasalle, centro de Canoas, que também concentrou os
debates e demais atividades. O encontro desta manhã foi mediado pelo prefeito
de Canoas, Jairo Jorge, e marcou a culminância dos três dias de conferências,
debates, oficinas e atividades culturais. Centenas de lideranças civis,
gestores públicos, ativistas, comunidades acadêmicas e outros participantes
lotaram o local, e também o lado externo do Salão de Atos, de onde um telão foi
montado para o acompanhamento do evento.
A plenária também marcou a apresentação das resoluções
finais pelos relatores das seis mesas temáticas - Globalização e
Metropolização, Sustentabilidade e Água, Identidades e Multipolaridade,
Governança e Participação e Igualdade e Políticas de Gênero. O texto final com
essas deliberações vai ser sistematizado e publicado em novembro deste ano.
O encontro final deste evento nesta manhã contou com a participação do governador Tarso
Genro, do vice-prefeito de Nanterre (França), Gerrard Bezouille; o
representante do CGLU (Espanha), Edgardo Bilsky; o ex-prefeito de Várzea
Paulista (SP), Eduardo Tadeu; a ex-prefeita de Alvorada (RS), Stela Farias; a
ex-prefeita de Iztapaplapa (México), Clara Brugada; o representante do Plaine
Commune (França), Patrick Braouezec e o representante da Assembléia Legislativa
do RS (Eduardo Mancuso).
Também prestigiaram a conferência final do 3.º Falp a
prefeita de Mississauga (Canadá), Hazel McCallion; os deputados federais
Dionilso Marcon, Fernando Marroni e Marco Maia; os deputados estaduais Nelsinho
Metalúrgico, os vereadores Emílio Neto (Canoas) e Alberto Kopttike (Porto
Alegre), entre outras dezenas de prefeitos, secretários, gestores públicas e lideranças
civis da Região e do Estado.
Carta de Canoas para o Direito às Cidades e Metrópoles
Solidárias
1. Qualquer que seja a terminologia empregada, as cidades,
as metrópoles, as áreas metropolitanas, as aglomerações urbanas seguem seu
crescimento e são hoje lugares de vida da maioria dos seres humanos. As
dimensões das atuais aglomerações são tais que hoje se fala de mega regiões, de
corredores urbanos e de cidade-região. Estas novas formas de urbanização se
apresentam em todo o planeta. Qualidade de vida, bem estar, possibilidade de
desenvolvimento individual e coletivo, conservação do meio ambiente e da biodiversidade,
inclusão social, igualdade de gênero, participação democrática, eficácia dos
direitos humanos, governos democráticos são analisados em uma nova relação com
a dimensão urbana. É na cidade do século XXI que se concentram hoje os desafios
políticos, sociais, econômicos, ambientais e culturais nos quais o futuro da
humanidade está em jogo.
2. Nestas condições é legítimo se opor às lógicas que, em
nome de interesses privados e de mercado, ampliam as segregações sociais,
econômicas e espaciais, acentuam as desigualdades, criam barreiras reais e
virtuais, ignoram a diversidade cultural, aumentam a insegurança, contrariam a
promoção de serviços públicos, exploram o meio ambiente local e ameaçam os
equilíbrios ecológicos do planeta. Nossas ruas, nossos lugares, nossos bairros,
nossos equipamentos públicos, nossas moradias não são cartas de um extenso
“Monopoly” urbano globalizado que submete o futuro às normas da renda
hipotecária, da especulação imobiliária e da competição entre megalópoles
mundiais.
3. Para avançar neste sentido, o direito a cidade deve
irrigar o conjunto das práticas locais, das políticas públicas, das reflexões e
ações comuns com o objetivo de construir metrópoles solidárias. Ou seja, o
direito de que cada território destes espaços metropolitanos garantam a
proximidade e o atendimento das diferentes necessidades humanas (serviços
públicos, mercado de trabalho, espaços verdes, centros culturais, espaços
públicos, moradia). A metrópole solidária que desejamos não aceita mais espaços
e populações esquecidas. É a policentralidade que garante o direito à cidade
nas áreas metropolitanas. É isso que nos reúne no “Fórum de Autoridades Locais
de Periferia (FALP) para metrópoles solidárias” e nos motiva efetivar o
encontro com outras redes de poderes locais, como as Comissões da CGLU, as
redes de orçamentos participativos e também com os movimentos sociais, como a
Coalizão Internacional para o Habitat e a Aliança Internacional dos Habitantes,
entre outros.
4. Territórios populares, muitas vezes periféricos,
suburbanos, representamos uma parte importante do crescimento urbano. Embora
nossa história e nosso futuro de Autoridades Locais estejam vinculados às
cidades centro, não podemos reduzir-nos a simples ampliação de suas fronteiras.
Representamos uma diversidade de realidades, subjetividades, sensibilidades que
se denominam aglomeração urbana, área ou região metropolitana, ou simplesmente
metrópoles. Mas, quaisquer que sejam as palavras para qualificar esta
realidade, nos recusamos todas e todos a sermos os invisíveis das metrópoles,
convencidos de que nossas vozes devem ser ouvidas para superar os desafios de
nosso mundo urbano.
5. No I Fórum de Autoridades Locais de Periferias, em março
de 2006 na cidade de Nanterre (França – metrópole parisiense) mais de 100
poderes locais de periferia de 20 países se reuniram. Pela primeira vez, se
converteram em protagonistas – tanto em organização como em conteúdo – de um
encontro mundial do movimento municipalista. Coletivamente fizeram surgir “Outra
visão sobre as metrópoles”. É a partir da diversidade e das aspirações das
periferias – em particular, das periferias populares – que nasceu a
“Metropolização Alternativa”, permitindo assim romper com o único ponto de
vista de desenvolvimento metropolitano, geocentrado e submetido as lógicas
únicas do mercado. O I FALP transformou a ambição de uma metrópole solidária
num eixo de reuniões, de intercâmbios de experiências e de reivindicação
coletiva. Em Getafe (Espanha – área metropolitana de Madri) em junho de 2010, o
II FALP adotou uma declaração política comum que reafirmou que nossa voz, nossa
participação e cidadania é necessária para construir “cidades e regiões
metropolitanas solidárias, sustentáveis, democráticas e cidadãs”. Esta
declaração mantém toda sua relevância nos debates sobre os projetos
metropolitanos. Com 300 autoridades locais de 30 países, o II FALP se traduziu
como uma ampliação da rede. Em fevereiro de 2011 em Pikine (Senegal – metrópole
de Dakar), uma assembleia internacional do FALP dava visibilidade, em
particular através da problemática das inundações recorrentes que conhecia a
periferia de Dakar, os enormes desafios e necessidades as quais enfrentam as
grandes metrópoles da África, da América Latina e Central, e de uma parte da
Ásia em particular.
6. Herdeiro desta experiência, o III FALP de Canoas (Brasil
– Área Metropolitana de Porto Alegre), reunido sobre o tema “Direitos e
democracia para metrópoles solidárias e sustentáveis” considera seus trabalhos,
intercâmbios e conclusões como uma contribuição a pensar o direito à cidade,
tendo como marco operacional as práticas políticas locais para fazer emergir
cidades, metrópoles, áreas metropolitanas justas em termos políticos, sociais,
democráticos, econômicos, ambientais, espaciais e culturais. O direito à cidade
significa pensar o cotidiano e o futuro da cidade a partir da perspectiva do
acesso e do incentivo aos direitos humanos, e de sua promoção contínua –
direito à moradia, à educação, à saúde, à cultura, ao desenvolvimento individual
e coletivo, à participação democrática - para cada uma e cada um. O conjunto
das funções da cidade metropolitana, sua vida e seus usos, não pode ser
privilégio de alguns, enquanto se excluem outros. Este direito à cidade deve
ser efetivo qualquer que seja o lugar de moradia, a condição social, a origem,
a nacionalidade ou credo, o gênero ou idade, a antiguidade de ocupação do
território em questão.
7. Nosso compromisso para metrópoles policêntricas e
solidárias, é a recusa de uma civilização urbana de “guetos”, de toda tutela
institucional e econômica. É a afirmação do papel das cidadãs e dos cidadãos,
do reconhecimento e da visibilidade das periferias no debate e da construção
metropolitana, para que cada uma e cada um vivam em um território que conta e
contribua para o projeto comum. Para conseguirmos isso, não há modelo ou
projeto padrão. Os caminhos para metrópoles inclusivas, solidárias,
sustentáveis e democráticas estão para ser inventados por suas cidadãs e
cidadãos. Para fazer surgir este outro mundo possível, é necessário promover a
produção comum, a solidariedade com a cooperação de protagonistas e níveis
institucionais; é preciso garantir uma divisão justa das riquezas e não
permitir que as autoridades locais paguem o preço da crise financeira mundial;
é fundamental favorecer o desenvolvimento de uma economia geradora de empregos,
por exemplo, a economia social e solidária, a serviço dos cidadãos
8. Com o III Fórum Mundial em Canoas, nossa rede “FALP para
metrópoles solidárias”, nascida há dez anos na cidade de Alvorada (Região
Metropolitana de Porto Alegre) no âmbito do Fórum de Autoridades Locais pela
Inclusão Social e do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, consolida o caminho
percorrido até hoje. Espaço de debate informal e de intercâmbios de
experiências, construído no processo coletivo pela única vontade das
autoridades locais em rede, fez surgir a voz das periferias populares no debate
mundial e dentro da Cidades e Governos Locais Unidos com sua Comissão “Cidades
de Periferia”. A Rede FALP pôs em destaque os novos desafios do processo
mundial de metropolização. Reforçando, assim, nossas intervenções locais nas
respectivas áreas metropolitanas, com o fim de modificar as linhas diretrizes
para a inclusão social, a valorização das identidades culturais, a democracia,
os direitos humanos, a policentralidade e o respeito ao meio ambiente, pelo
direito de cada uma e cada um às metrópoles.
9. Nesse sentido, queremos estabelecer três desafios para
reforçar o protagonismo das cidades de periferia. O primeiro desafio é a
construção coletiva de “Compromissos para Metrópoles Solidárias, Democráticas e
Sustentáveis”, com a participação de toda a Rede FALP. O segundo, elaborar um
Relatório Mundial sobre as Regiões Metropolitanas com o olhar das Cidades de
Periferia, refletindo o acúmulo das contribuições elencadas nos últimos dez
anos, com a colaboração de um Comitê Científico da Rede FALP. E como terceiro
ponto, queremos constituir uma Plataforma de Boas Práticas de Cidades de
Periferia, permitindo o intercâmbio entre poderes locais por meio de portal na
internet e de uma publicação anual.
10. Para conduzir estes três desafios, estruturar e
coordenar as atividades da Rede FALP, queremos uma maior organicidade que
permita dar continuidade aos debates realizados nas edições anteriores e ao
aprofundamento dos nossos compromissos. Realizaremos o próximo Fórum Mundial no
primeiro semestre de 2016, precedido por uma Assembleia Internacional. Vamos
criar um Comitê Intercontinental de Mobilização formado por pelo menos dez
autoridades locais de diferentes continentes. Para organizar nossa ação,
constituiremos três secretarias: Permanente, Executiva e de Comunicação.
11. Continuaremos reforçando a capacidade de trabalho e de
organização da rede, ampliando nossa relação com os movimentos sociais e o
mundo acadêmico para afirmar nosso papel numa governança cooperativa e
democrática das áreas metropolitanas. Estamos convencidos sobretudo que para
construir metrópoles mais sustentáveis e mais solidárias, a periferia é
capital. Para nós, o centro está em todo lugar.
Canoas, 13 de junho de 2013.
Crédito da notícia: Ronaldo M. Botelho
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