domingo, 22 de setembro de 2013

Tradicionalismo, segundo T. Golin

Depois de uma gripe chatinha que me atacou por alguns dias, acordei hoje, pelo meio dia, recuperado. A gente percebe mesmo a importância de estar bem de saúde só quando fica realmente debilitado.

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Linguiça de beterraba!
RECEITAS VEGANAS (Face) 



Ingredientes: 

2 xícaras de proteína texturizada de soja graúda clara já hidratada
polvilho azedo qb
1 beterraba média ralada em ralo fino
gengibre em brunoise frito
pitada de coentro
sal
2 colheres de azeite
pimenta do reino à gosto

Para hidratar a pts cubra-a com água e ferva por uns 6 minutos. Esprema no espremedor de batatas para tirar a água. Bata no liquidificador até ficar totalmente desfiada (pode fazer com as mãos, mas é mais trabalhoso). Junte os temperos, o azeite e o polvilho até dar ponto de massa. Coloque porções em plástico filme e enrole, modelando para que fique firme (o plástico deve ficar por fora somente). Dê nós nas pontas. Cozinhe em água fervente por 10 minutos. Quando esfriar pode ser congelada. Na hora de servir dê uma tostada em frigideira anti aderente com um fio de azeite.

· Atualizado há 21 minutos

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TRADICIONALISMO E MODERNIDADE CONSERVADORA NO "ESTADO-MARCA"
(Tau Golin)

Reproduzido do perfil de Tau Golin (Face).


Converteu-se em um desafio teórico contemporâneo compreender o fenômeno cívico-cultural da identidade “gentílica” pilchada no Rio Grande do Sul inserido na modernidade conservadora. Nas últimas décadas, além do controle das esferas governamentais, reproduziu-se pela indústria cultural e, não raro, em muitos setores, converteu-se em expressão da pós-modernidade.

Tal concepção de identidade sustenta práticas simbólicas de representação do Rio Grande do Sul em um núcleo fundante baseado na estância, desconsiderando a multiculturalidade histórica. Em sua amplitude, a pós-modernidade tradicionalista se auto-reproduz no imaginário de um “estado-marca” e todos os seus nichos subsidiários (galpão, invernada, pampa, mangueira etc.), no qual a identidade se torna possível não pelo pertencimento histórico e seu capital simbólico, mas pelo ingresso nos espaços de “vivência” ideal.

Na história da civilização, as sociedades humanas, na amplitude de um país ou de uma localidade, estabelecem processos de construção de suas identidades gentílicas. Esses reconhecimentos podem ser criados nos longos percursos históricos em que se formam escolhas disputadíssimas entre seus membros, nos âmbitos de “comunidades imaginadas” ou de “comunidades de destino”. As fronteiras entre as duas são tênues. Na verdade, os conceitos são mais complementares do que excludentes. Enquanto o primeiro é mais elástico, o segundo tem a sua centralidade na guerra, conforme Hegel, sendo que a ameaça de uma força exterior sobre o grupo cria uma espécie de união pela sobrevivência. Notadamente, essa “sensação”, mesmo que inexistente no transcurso dos grupos sociais, o “estrangeiro”, o “além-fronteira”, sempre está presente e alimenta, de alguma forma, a vigilância presente nas identidades.

Entretanto, nos dois casos, as identidades dependem consistentemente dos aspectos fundantes de longo prazo, ou seja, da consistência entre as formas modernas e pós-modernas adquiridas e a história, tribunal inapelável da coerência entre os acontecimentos e suas representações.
Desde que o Movimento Tradicionalista Gaúcho conseguiu realizar a operação vitoriosa de se “legitimar” como o mediador do processo de construção da identidade gentílica, inserindo-se nas esferas de governo (instituindo-se mesmo como instância do Estado e seu aparato burocrático) e na sociedade civil durante a ditadura militar, a intelectualidade rio-grandense tem realizado diversos esforços para tentar apreender o fenômeno, identificado como “tradicionalismo” ou “gauchismo”.

Em uma primeira reflexão é necessário considerar algumas noções de uso legitimador do tradicionalismo, as quais sedimentam sua hegemonia. Como movimento atuante ele se construiu e se desenvolve historicamente pela disputa interna de seus membros, fortalecendo-se nas relações de aperfeiçoamento imanente, na busca incessante da especialização e, por outro lado, atuando de forma corporativa. Na impossibilidade de auto-inventar-se pela matriz étnica em um estado multi-étnico, o modelo operativo é o da política, complementado pelas referências de etnias dominantes, conseguindo uma combinação eficiente. No instante em que o processo inventivo não se sustenta em uma etnia dominante, mas na referência estilística de um grupo marginal e multirracial, a identidade tradicionalista pode ser construída contemporaneamente através de uma militância que se desenvolve simbolicamente no “entre-lugar”, na fronteira, o lugar imaginário em que todos podem se involucrar, independente da origem e da classe social.

Portanto, o tradicionalismo, apesar de suas manifestações geralmente rústicas e simplórias, ele se insere, talvez, nos processos complexos de invenção identitárias, talvez sem comparação no mundo, elaborando um “mito fundante” pelos seus intelectuais de abrangência de massa, sustentado pelo “sistema capacitador da mídia contemporânea”. Por isso, no momento em que se consagra pela versão de uma imanência de origem, a sua compreensão exige, em alguma dimensão, um método desconstitutivo.

O pilar de sustentação de “legitimação” do tradicionalismo está na sua afirmativa de que ele é um sucedâneo da “sociedade tradicional”. Portanto, autêntico, com um valor e um sentido a ser cultuado no presente e a ser transmitido para as próximas gerações, para usarmos um vocabulário de sua predileção.

Para operar com eficiência em uma sociedade moderna, todo movimento de construção identitária sustentado no mito de origem, no “entre-lugar” fronteiriço, precisa diluir a noção de tempo histórico. Na particularidade sulina rio-grandense há a necessidade de grafar o termo “tradicional” entre aspas. Ele está impregnado do sufixo nominal ismo, pois, no âmbito de um movimento sociocultural doutrinário autorepresenta-se integrado a um corpus que opera na sociedade com a ambição de se converter em expressão gentílica. Portanto, mesmo que diversas expressões não se encontrem organizadas sob os ditames e a vigilância do Movimento Tradicionalista Gaúcho, assim mesmo, seu conteúdo se encontra em uma imanência complementar de composição do “tradicional”(ismo). Trata-se de uma vontade de pertencimento ao gauchismo.

Os tempos históricos são substituídos pelo “tempo vago”, ao qual se remete a origem dos elementos fundantes. Ao se instituir como movimento cultural organizado, essa gauchidade se apresenta como se estivesse credenciada a reproduzir valores pretensamente imutáveis forjados pelos antepassados. Melhor dizendo, há uma reelaboração do passado como o lugar de uma sociedade tradicional. Entretanto, historicamente, a sociedade de tipo tradicional nunca existiu no Rio Grande do Sul. Desde a sua origem ocupacional organizada pelo Estado Colonial Absolutista no século XVIII, na região sulina foi implantada uma sociedade de classes de tipo escravista alicerçada na propriedade privada. Desse modo, jamais se configurou uma sociedade historicamente tradicional. Esta é uma suposição criativa intelectual de legitimação da sociedade oligárquica, em um primeiro momento, e do capitalismo gauchesco de corte latifundiário em sua forma mais acabada.

A sociedade rio-grandense (e sua representação cultural) é conservadora e não tradicional. Os elementos da “tradição” reforçam e reificam ontologicamente seu conservadorismo. Ou seja, o movimento cultural tradicionalista e seus sucedâneos não se caracterizam como uma extensão de uma sociedade tradicional, mas da invenção totalizante de um civismo retrógrado no interior da sociedade moderna de classes.

A distinção entre o ser social das sociedades tradicionais e modernas é imprescindível para que se percebam o lugar e, de certo modo, o sincretismo funcional dos movimentos culturais folcloristas no mundo contemporâneo. Aceitemos a tese de que o indivíduo da sociedade tradicional, ao nascer, já tinha fixado, solidamente e de maneira arraigada a sua identidade. Naquele mundo “pronto” e de difícil mutabilidade, os papéis sociais estavam milenarmente estabelecidos e sustentados em sistemas de mitos. O indivíduo era membro do clã, com sistema fixo de parentesco. A sua identidade, desse modo, estava vinculada ao grupo social e aos papéis possíveis de serem assumidos. A função de um indivíduo não sofria transformações radicais: ele era, por exemplo, caçador e, também, integrante do clã.
Com a identidade gauchesca, sempre fragmentária e nunca se expressando como uma totalidade, ocorre exatamente o contrário. O indivíduo inserido no mundo da modernidade capitalista tem a possibilidade de se inventar e de escolher a sua identidade. Como ela, inclusive, não depende mais inseparavelmente da determinação inflexível do modo de vida tradicional, o personagem pode desvincular o seu fazer produtivo-social de seu viver cultural e imaginário. Em última instância, os elementos inventivos “tradicionais” estão anexados no espectro maior da modernidade, onde a identidade se tornou uma escolha pessoal, com possibilidades de inovações em sua multiplicidade móvel. 

Entretanto, se nas sociedades tradicionais a questão da identidade não significava uma situação existencial crítica, na modernidade ela está intrinsecamente no espaço social e, mutuamente, dependerá do reconhecimento do outro. Só na modernidade os tipos sociais diferentes podem assumir deliberadamente uma mesma “auto-representação pilchada”, convivendo no mesmo espaço simbólico e superestrutural, se quisermos utilizar uma categoria conhecidíssima, não existindo contradição entre um funcionário público e um chefe de governo, entre um peão de obra e um especulador no mercado financeiro, entre donos de meios de comunicação e vileiros, entre os latifundiários e os sem-terra.
Nesse quadro complexo, o tradicionalismo é uma extensão da cultura de massa, e não o prolongamento de uma sociedade tradicional. A sua força cultural, agregando elementos da pós-modernidade, como a centralidade da imagem na representação da identidade – a exterioridade volátil – potencializa ainda mais o seu comportamento estilístico, no qual o “parecer” se converteu em um dos aspectos predominantes da dimensão do ser. A escolha de “parecer-ser” conforme o arquétipo conveniado recentemente é a condição que conecta o conservadorismo à pós-modernidade.

No Rio Grande do Sul, com um movimento tipicamente contido na modernidade conservadora, na década de 1940, os ideólogos da segunda geração do gauchismo – transformando em movimento de massa as iniciativas clubísticas do antigo Grêmio Gaúcho da passagem do século XIX para o XX - começaram uma elaboração de procura e escolha singular de identidade no espaço urbano e, ao arrepio de seu modo de vida citadino, na qual a seleção do lugar-campo, o mundo dominado pelos estancieiros, foi pilchado de idealidade. E no desenvolvimento e afirmação desse processo, inventaram que, no lugar espacial do pagus, existira um modo de vida tradicional imanente de cultura, de ética, de ethos, de paidéia para a sociedade em seu conjunto.

Nesse processo intelectualmente buscado entre a sustentação na memorialística e na normatização de uma identidade que fosse, ao mesmo tempo, individual e gentílica, está a robustez do tradicionalismo rio-grandense como mito e sua eficiência como dogma. Seus engendradores – muitos ainda vivos e entre nós - abdicam da autoria, muitas vezes convencidos de que são realmente incorporações axiomáticas. Esse esquema relativamente simples funciona porque carrega consigo fragmentos emotivos do modo de vida real e imaginário dos sulinos. É campo fértil às fantasias e aos rituais garantidos por um robusto e intenso calendário de eventos, sustentado, em seus momentos grandiosos, por uma impressionante rede de comunicação moderna – televisões aberta e por assinatura, rádios, jornais, revistas e internet. Essa identidade, pois, está trançada e encravada no pau-de-fita do marketing.

Associada à corrupção do tempo, a depuração mais evidente do tradicionalismo é uma invenção “genealógica”, em que pretende eliminar a sua condição de filho bastardo da modernidade, como se desistisse ou a ela se incorporasse “ao seu jeito”. De fato, o tradicionalismo é o esforço relativamente contemporâneo para soldar na cultura uma “unidade indivisível” do ser fragmentado e descentrado. 

Entretanto, mesmo assim, a adequação entre sociedade desigual e cultura homogênea permanece evidente. Na verdade, a fricção do regional com o “imperialismo cultural” não passa de um estranhamento estético. Basta observar que os intelectuais e militantes orgânicos do tradicionalismo são, invariavelmente, expoentes da sociedade conservadora e organizadores dos seus rituais cívicos.

Em qualquer um dos momentos, a exemplo dos desfiles gauchescos em defesa da propriedade em todo o estado, as câmeras apenas estão documentando o lugar histórico-cultural assumido pelo tradicionalismo na sociedade real, concretizando politicamente as suas formulações mentais expressas no imaginário e suas vertentes estéticas.
Esse aspecto político-ideológico-cultural parece se revestir de tendência geral. Na história humana recente, não se encontra nenhum movimento tradicionalista relevante capaz de subverter o status quo socialmente vitorioso, exceto nas suas reversões dogmáticas fundamentalistas.

Portanto, quando se visualiza o “tradicional”-folclorismo, é necessário fazer uma superação teórica: não se trata de um movimento continuísta, que teria progredido coerentemente desde o passado; é, sim, a expressão de um dos segmentos da modernidade, que procura dar conforto de “unicidade” a seres fragmentados, que recriam um tempo e uma sociabilidade imaginária, que, também, conforma a realidade. Obviamente, o seu conteúdo entranha suas marcas no modo de vida contemporâneo.

Dessa forma, é necessário identificar a maternidade do movimento tradicionalista. Historicamente, tratou-se de um dos tantos rebentos singulares do impacto da modernidade industrial que se universalizou com sua força formatadora. Não foi por outro motivo que os esquecidos e singelos “Grêmios Gaúchos” da passagem do século XIX ao XX caducaram em seu tempo de predominância agropastoril e, depois, afloraram timidamente na versão do movimento tradicionalista no pós-II Guerra. Na nova forma, incluiu-se na esfera capitalista sem contradições substanciais, pois todos os seus elementos de hábitos e costumes foram incorporados também como mercadorias.

No transcurso de meio século, já é possível perceber as conexões entre modernidade e tradicionalidade e a inserção da segunda na primeira, superando as simploriedades teóricas que insistem em expô-las com excludentes, ou a segunda como reformadora da primeira. Foi no ventre do fordismo e da indústria cultural que o tradicionalismo foi gerado. Cavalgando imaginariamente, eis que apeia confortavelmente na globalização, como existência lúdica ou como produto da indústria cultural e mercadoria simbólica.
Não são poucos os autores que observam que a pós-modernidade potencializou um dos aspectos da sociedade capitalista contemporânea, convertendo as mercadorias em expressões imagéticas. Desse modo, como parte do todo, o tradicionalismo, em seu estilo neobarroco, adapta-se ainda em melhores condições no modo de produção vigente. Na vanguarda das reflexões, Fredric Jameson lembra que “o que caracteriza a pós-modernidade na área cultural é a supressão de tudo que esteja de fora da cultura comercial, a absorção de todas as formas de arte, alta e baixa, pelo processo de produção de imagens. Hoje, a imagem é a mercadoria e é por isso que é inútil esperar dela uma negação da lógica da produção de mercadorias; [...] todo apelo a ela no pseudo-esteticismo contemporâneo é uma manobra ideológica, e não um recurso criativo”. A tensão e a dificuldade de reconhecimento estético dos segmentos artísticos mais criativos e complexos no interior do próprio tradicionalismo somente serão compreendidos pela percepção da existência vigorosa de cânones mantidos por instrumentos de vigilância normatizantes, os quais reproduziram e mantêm comportamentos de controle espontâneo e gosto estético.
Essa força cultural do tradicionalismo advém de sua gênese modernista, o que vale dizer capitalista, e não de um pretenso mundo tradicional, cujos ícones não teriam sinergia emulante de comportamento de massa. É essa gênese que o converte em potencialidade mercadológica perfeitamente integrada ao mundo contemporâneo e impotente para se transformar em força cultural e política reformista (a mais recente ilusão de segmentos publicitários e partidários de diversos matizes ideológicos). Como singularidade da vida carrega a maldição que lhe impossibilita a universalidade, exceto como deturpação grosseira. De certa forma, a gauchidade possui o mesmo aspecto militante do totalitarismo do século XX. O totalitarismo gauchesco também possui a sua militância nos funcionários públicos, militares e civis, cujo ideário se involucra nas esferas do Estado, influenciam e determinam as questões estratégicas e da cotidianidade. De algum modo, urgem estudos que relacionem o gauchismo com a crise da sociedade rio-grandense. Certamente, muitos de seus elementos serão encontrados nas esferas políticas e estatais, e em um corpo técnico-burocrático, cujo imaginário, cultural e sentimento de pertencimento está voltado para o passado. Nesse processo, o que deveria ser o “devir” é um “revir”, com os agentes públicos e midiáticos voltados para um passado inventivo, um civismo de patriotada, de muito barulho e ostentação, mas de baixo impacto operativo na sociedade real.

O dilema político e social, do ponto de vista das políticas públicas, é como potencializar o ufanismo de orgulho pelo Rio Grande em sinergia modernizadora. Depois de meio século de organicidade tradicionalista, o movimento, como expressão hegemônica, já inoculou, irremediavelmente, na identidade sulina um ethos imaginário estancieiro e conservador, que estabeleceu cercas insuperáveis para assumir estéticas e plataformas democráticas de inclusão cidadã. A identidade é uma vivência da imaginação e, segundo o modelo tradicionalista, está povoada pela dignificação hierárquica do latifúndio como hipotético lugar da felicidade. Como resolver o problema de grande parte dos heróis regionais – senhores de escravos - estabelecidos como ícones simbólicos de modelos humanos a serem cultuados pelas novas gerações? Nesse particular, existe a necessidade teórica de fazer a distinção entre ícone/dogma/herói e objeto estético. No primeiro caso, apanha-se o ícone já elaborado como valor intrínseco à tradicionalidade, como um axioma a não ser mais alterado em seu sentido, ao passo que, no segundo enfoque, o ícone tomado como objeto estético, sobre ele incidirá a busca de seu conteúdo e as implicações complexas de seu sentido humano e social.

Ao contrário do que prega o movimento “tradicional”-folclórico, a construção da identidade como expressão espontânea é uma ilusão. A cultura singularizada também emana da organização social, não sendo necessariamente reflexo direto de seus padrões de produção. Somente prevalece como expressão cívica quando se expressa coerentemente e sem fraturas com a sociedade dominante. Obviedade? Vejamos uma síntese. Historicamente, o Rio Grande consolidou a sua expressão de forte identidade regional, todavia até recentemente não possuía perfil gauchesco, o que começou a ser inventado, de forma gradual, a partir de 1947, por um pequeno grupo de estudantes secundaristas. A sua primeira conversão foi em direção ao poder estatal e a segunda, à sociedade civil, criando uma corporação associativa. Imediatamente, seus intelectuais (menores, no âmbito estadual) criaram sistemas de visão regional e comportamental para serem cultuados. Estabeleceram os dogmas. E, a partir de um epicentro imaginado em Porto Alegre, foram se expandindo e se reproduzindo. E, permanentemente, desde o centro pensante do MTG, progrediram inventando as regras a serem repetidas.

Essas “tradições”, adotadas como “cultuação”, não passavam de recriações a partir de fragmentos colhidos pelos seus pesquisadores e ressignificados conforme seus interesses. E o sulino, que já existia historicamente há mais de dois séculos, que tomava chimarrão (herança guarani), vestia bombacha para o trabalho, tocava milonga, etc. antes do movimento tradicionalista, teve, surpreendentemente, subvertidos os seus sentidos, os quais foram redimensionados em um movimento cívico-cultural altamente ideologizado.
Em 1954, o tradicionalismo alojou-se (e impôs-se) como um dos tentáculos culturais do poder com a criação do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, profissionalizando muitos dos seus mentores; em 1961, elaborou uma Carta de Princípios; e, em 1968, na contramão das inquietações libertárias e embevecido nas tertúlias do Palácio Piratini, baixou como norma o Manual do tradicionalista, para onde foi transferido todo o espírito de caserna da ditadura militar. Ao Rio Grande multicultural e rebelde foi “imposto” um dogma saneador. A partir de um centro tradicionalista legitimador, construíram-se sistemas de controle e de seleção, o aparte na boca do brete cultural do que poderia ser incluído no mangueirão do gauchesco ou refugado excludentemente do mundo da estância simbólica a que foi transformado o estado. Conseqüentemente, o tradicionalismo inventou também “o outro” excluído, dividindo a população rio-grandense em dois tipos. Para afirmar a sua individuação pilchada, necessitou também de uma alteridade interna, associada à alteridade nacional e à alteridade castelhana.
Entretanto, no âmbito regional, a missão tradicionalista não era/é ser diferente, inserir-se na multiplicidade social e afirmar-se como parte do todo. Nele não se encontra a defesa do princípio da diversidade. Ainda em seus primeiros anos, a diferença implicou a existência de elementos contraditórios para afirmar uma militância que “apregoava-se como legítimo representante do estado”. E o diferente, nessa lógica, deveria ser “aculturado”.

Historicamente, é possível comprovar esse movimento tradicionalista em uma cronologia. A tendência de anulação da diversidade originou-se em uma cruzada depuradora funcionalista. A sua lei maior é a Carta de Princípios, na qual consta que um dos objetivos sublimes da corporação é “estimular e incentivar o processo aculturativo do elemento imigrante e seus descendentes”. Não se necessita realizar nenhum vôo teórico mais complexo para perceber que, como norma sociocultural, essa Carta de Princípios expressa foros de intervenção normativa fascistizante no cotidiano. Esse documento-gênese está associado ao Manual do Tradicionalista, que funciona como encíclica militante, emulando a crença de que se deve “criar em nossos grupos sociais uma unidade psicológica, com modos de agir e pensar coletivamente”.

Além disso, pelas suas teses, poesias e músicas, o tradicionalismo converteu o pampa em “espaço” imanente da identidade, o lugar legitimador do rio-grandense. O “entre-lugar” plano. A aparente crise de não pertencer ao lugar pampeano é solucionada pela adoção comportamental de “parecer ser”, adotando-se um visual e um vocabulário típico. Esse aparente desconforto de origem não pampeana encontra parte de sua “solução” no comportamento tipicamente pós-moderno, palanqueado na imagem do “parecer ter” pertencido. A desterritorialização também é um elemento da pós-modernidade.

Nesse momento histórico, a noção de pertencimento rio-grandense quanto ao “homem médio”, ou seja, ao estado mental e cultural reciprocamente reconhecido no interior dessa abstração denominada “povo”, está marcada por uma visualidade que se coloca em tempos diferentes, porém encontra a sua identidade em um “espaço” simbólico, em um “vocabulário” e, vigorosamente, em uma imagem. Um fenômeno que se sustenta em tais elementos convoca, necessariamente, as reflexões de Gaston Bachelard, ao lembrar que “uma imagem singular – vale dizer, gauchesca – é um fato de grande significação ontológica”.

As gerações contemporâneas, por conta de diversos espaços “educativos”, “culturais” e, predominantemente, da mídia, ingressam e se desenvolvem em uma sociedade visualmente representada e dicotômica entre a tradicionalidade e a universalidade, porém flexionada para uma predominância da primeira na subjetividade individual. A imanência dessa realidade está diretamente relacionada à condição humana de que “a imagem vem antes do pensamento”, e seus elementos influenciarão na formação identitária. Não precisamos chancelar completamente as formulações de Bachelard, entretanto, tomando-o para uma reflexão entre a imagem e o ser, devemos considerar que a imagem “expressa-nos tornando-nos aquilo que ela expressa – noutras palavras, ela é ao mesmo tempo um devir de expressão e um devir do nosso ser. Aqui, a expressão cria o ser”. Bachelard tinha como preocupação a imagem poética. Ampliamos a sua reflexão para uma dimensão mais fenomênica da imagem estética e sua relação entre a representação e o ser social.

Mas retomemos os tempos históricos de construção do tradicionalismo. Percebe-se que as suas metas tiveram campo fértil na ditadura militar, que, instrumentalmente, promoveu o folclore e a “tradição”. Ao mesmo tempo, ganhava as massas e fazia frente às conturbações reivindicativas do nacional-popular e de outros movimentos de vanguarda. Para o golpe, a cultura deveria ser um espaço mental localizado no passado idealizado, preferencialmente de louvação à pátria e, vá lá, caso não complicasse a realidade, à região.

Então, os tradicionalistas, em piquetes subsidiários, assumiram seus postos. Ocuparam instâncias que iam desde mestres-de-cerimônia a secretários de Estado. Criaram departamentos na estrutura do poder, influenciaram os currículos escolares, canalizaram patrocínios aos seus eventos (a grande tropeada das verbas públicas para entidades gauchescas particulares), ocuparam a mídia, organizaram sistemas de culto cívico, multiplicaram os galpões de vivência pilchada nos quartéis da Brigada Militar e das Forças Armadas etc. Reordenaram, inclusive, uma versão litúrgica do catolicismo em uma Missa Crioula, dando potência bíblica ao poder oligárquico e à ordem. Deus, assim, foi ungido à figura de Patrão do Céu e Jesus Cristo, convertido em seu tropeiro para tanger o rebanho de almas rio-grandenses no latifúndio celeste. Mais uma vez, um instrumento da “civilização ocidental cristã” excluía as culturas sincréticas africanas e indígenas do imaginário de uma sociedade verdadeiramente mestiça e multicultural. Nessa liturgia, a união do Rio Grande está no passado, com os lenços encarnado e branco irmanados transversalmente na cruz.

Em um processo totalizador, os sentimentos telúricos de hábitos e costumes autenticamente rurais ou de inspiração latino-americana passaram a ser pressionados ao alinhamento cetegista.

Estruturando-se habilmente dessa forma, estribando-se na ditadura e sendo uma das suas expressões, o tradicionalismo se impôs como cultura normatizadora. E atingiu o “poder de disciplinar”, para lembrar, de passagem, Foucault. 

Transformou-se em um dos aparatos do que se convencionou chamar de “policiamento das populações modernas”, com mecanismos de “vigilância” e “regulação”. Ao mesmo tempo que organizou um sistema de reconhecimento e premiação em todos os níveis, do piá, do peão, da prenda, dos artistas, dos políticos, das figuras carismáticas, etc.

Com essa poderosa estrutura, organizou-se o “espelho” tradicionalista. Sem considerar a historicidade de sua constituição, nele, agora, se refletem os seres fragmentados como “integralidades”, conformados com o mundo em que vivem ou impotentes para modificá-lo (o termo mais correto seria “retrocedê-lo”). Nesse espelho está o sistema simbólico a que aderem e reinventam seus paradigmas fundantes, pois podem se agregar à imaginação e, inclusive, manterem-se exclusivamente como expressões abstratas da cultura, não tendo outra influência na sociedade que não a sinergia para um escapismo politicamente alienante e como agente reprodutor da indústria cultural e da pós-modernidade. Conseqüentemente, a identidade tradicionalista não difere da formação das outras identidades ao se elaborar como fase psicanaliticamente infantilizada, para aproveitarmos uma formulação de Lacan, ao se assumir por uma condição que se encontra fora do “eu”, na formatação realizada pelo olhar do “outro”, de maneira concreta, representado por toda a estrutura social e midiática de sustentação.

Atualmente, pelo trabalho do MTG associado à mídia, o Rio Grande do Sul se converteu no grande espelho lacaniano para os naturais ou descendentes dos rio-grandenses em outros estados ou países. Desterrados, fragmentados e “estrangeiros”, encontram a “integralidade” ilusória na imagem emanada pelo “espelho da origem”, migrando para o “entre-lugar” imaginário, onde todos se encontram no “revir”.

Por exemplo, quando os tradicionalistas impõem modelos curriculares, estão fazendo uma violação do estudante, que, inferior e dominado por forças simbólicas muito superiores a ele, encontra um espelho que já reflete a sua imagem pilchada. A sua identidade, mesmo que ele seja descendente de negros supliciados pelos estancieiros senhores de escravos no passado, assim como todas as demais identificações culturais formativas do Rio Grande, será, na verdade, uma conversão conformada à “imaginação dos outros”. Somente “será” enquanto projeção da representação do “outro”. Esse estudante não suportará a exclusão e, especialmente, na Semana Farroupilha, assumirá o uniforme da pilcha. A escola o vigiará e... o compensará.

Na periodicidade dessas comemorações, inclusive o seu vocabulário será adaptado e reduzido. Não para o saber (ou mesmo para ampliá-lo), mas para “viver” na esfera abstrata da identidade. Impotentes e sem força pedagógica, as observações de Saussure de que “a língua é um sistema social” serão relegadas. Derrida, com suas formulações de que as palavras são “multimoduladas”, carregando significados além do discurso pessoal, não passará de um cão sarnento escorraçado do ambiente escolar.

No Rio Grande do Sul, para auferir se uma escola está falida pedagogicamente, basta identificar a existência em sua estrutura de uma “invernada artística”, especialmente mirim. O educandário, o lugar ideal e constitucionalmente para “saber” e “compreender”, o espaço para aprender a “pensar”, quando se transforma em apêndice de CTG, manda a boa pedagogia (inclusive a conservadora erudita), que, para preservar a sanidade mental dos alunos, seja fechada. Essa escola deixou de ter função minimamente educativa, no sentido clássico do termo, e se converteu em instrumento ideológico, embretando o aluno de forma que veja difusamente o mundo a partir de uma estância simbólica.
O tradicionalismo abrange além do civismo pilchado, da formação de um estamento burocrático e das relações mercadológicas da indústria cultural. Ele está perfeitamente adequado também como “marca” aos bolsões internos das sociedades pós-industriais, definidas por alguns culturalmente como pós-modernas. É um movimento que se imagina como identidade e como “marca” através da criação de espaços imagéticos, nos aspectos simbólicos e mercadológicos. Não difere os métodos da Disneylândia (e a implantação das Disneyworld em diversos países), dos Jurassic Park, dos McEspaços, os nichos mais evidentes para uma vivência temporária de fantasia.

Assim como os demais fenômenos da pós-modernidade, o tradicionalismo também recria seus condomínios de “faz-de-conta”, os empreendimentos comerciais e turísticos, constituídos por cenários para temporadas de vivências de papéis futuristas ou correspondentes aos modos de vida a la antiga, mergulhadas no saudosismo. As corporações e a indústria turística exploram, por exemplo, cidades do velho oeste, mediante o pagamento de “ingresso”, o qual dá direito a uma passagem para o “tempo-caubói”, onde os consumidores “vivem” papéis antigos: montam a cavalo, conduzem gado, fazem duelos, vêem-se no meio de tiroteios, bebem em saloon, etc.

Nas últimas décadas, os tradicionalistas insistem nos empreendimentos de “tempo-gauchesco”. Entretanto, sob a maldição estamental, pretendem que seus projetos geralmente sejam departamentos do Estado ou subsidiados pelas verbas públicas. Essa concepção levada à política governamental reduz o estado a uma estância, em cujo espaço ritualizam simulacros do mundo preferencialmente oligárquico. Em sua amplitude, a pós-modernidade tradicionalista projeta o “estado-marca” e todos os seus nichos subsidiários (galpão, invernada, pampa, mangueira etc.), nos quais a identidade se torna possível não pelo pertencimento histórico, mas pelo pagamento do ingresso para a “vivência” ideal.

Faz parte da disputa inter-tradicionalista pelo capital simbólico a certificação de quem “é mais gaúcho”: a cidade, o CTG; os desafios musicais e de danças; as gineteadas e tiro de laço; as cavalgadas dos piquetes urbanos. Essa considerável operação nas esferas da identidade gentílica exclusiva e nos projetos das “localidades marca” procura validar um “capital simbólico” e adquirir potencialidade de “rendimento monopólico”. No entanto, essa validação depende da historicidade e, invariavelmente, do selo de autenticidade. De qualquer forma, a união dos processos de reanimação da identidade com o planejamento dos “espaços marca” é o recurso mais contemporâneo usado pelo gauchismo para se reproduzir.

Da soma de tudo, o Rio Grande passou a ser representado como “espaço de idealidade”, com organizações e preferências culturais de massa. Não pertencendo mais aos movimentos de relativa espontaneidade, o tradicionalismo se converteu no jeito gaúcho do fenômeno mundial das “cidades marcas”, que são expressões de uma privatização absoluta. Seu habitante é, em essência, um consumidor elevado à quinta-essência. Ele é o comprador de uma mercadoria e de um sonho.

Propostas de cópias gauchescas de Celebration, na Flórida (USA), considerada a primeira “cidade-marca”, aparecem a todo momento no Rio Grande do Sul. A mídia estimula a disputa pelo título de “cidade mais gaúcha”. Passo Fundo, por exemplo, ostenta tal certificação por decreto. A “cidade-marca” (e seus outros aspectos subsidiários dos “espaços-marca”) representa a “construção do casulo” elevado a uma dimensão radical. Ou seja, aspectos dos fragmentos que operam no mundo globalizado através das marcas foram conduzidos à totalidade. As marcas, dessa forma, ultrapassaram o utilitarismo imediato das mercadorias. Converteram-se em significantes. Nesse novo complexo, as mercadorias entram como partes de seus “condutos”. No cotidiano alimentam o dilema entre o ser e o parecer-ser, oferecendo um refúgio envolvente para aqueles que podem, economicamente, transportar-se para um cenário constituído de espaço de convivência idealizada. Para os demais, resta cultuar esse imaginário periodicamente entre as tarefas maçantes de seus cotidianos através de um farto calendário de eventos e povoar a imaginação na aderência à mídia gauchesca.

Em estágios extremos, mercadoria e sonho investido do parecer-ser passam a ser a mesma coisa.
A sociabilidade-marca, desse modo, constrói um “estilo de vida [] suficientemente completo para que seus clientes façam as malas e mudem-se para a marca”. Não por acaso, Celebration é uma cidade-marca da Disney, planejada “em torno do consumo”. Essas localidades transcendem ao mero uso dos produtos, elas se encerram na radicalidade do estabelecimento de um ethos idealizante, como lembrou Naomi Klein no texto “Marcas globais e poder corporativo” e no livro Sem logo.

O “estilo” das marcas na construção das identidades na pós-modernidade, invariavelmente, entra em tensão com a historicidade nas sociedades reais. Os “casulos”, ao se estabelecerem como dimensões fechadas de sentidos dogmáticos, estabelecem a perda do espaço público, terminam expropriando a comunidade também de seus lugares de manutenção e produção de sentidos, de reconhecimento gentílico. Em muitos casos, transformam-se em “significadores” do público, operando, na verdade, uma privatização. Inseridos na pós-modernidade, utilizando técnicas publicitárias, campanhas culturais, manuais de educação, calendários de celebração e artifícios cívico-ufanistas, os movimentos de disputa identitária militam sempre com a vontade de um absolutismo, o de impregnar o “público” com seu semblante e alma, convertendo-se no espelho da coletividade. Nessa circularidade, busca se apossar do sentido do público que, na verdade, tem uma origem criada na própria fração que procura impor a sua legitimação. Essa é a operação que acaba dando um poder aparentemente ilimitado para todos os tradicionalismos, os quais, em suas engrenagens imanentes, se transformam em movimentos fundamentalistas.

Na modernidade, as identidades gentílicas (com seus projetos de educação, cultura e, mesmo, turismo) estão diretamente vinculadas ao valor de seu “capital simbólico”, cujo dividendo deriva diretamente da história. O “capital simbólico” é, em-si, o veículo mais coerente entre o pertencimento identitário e o reconhecimento da contribuição de todos os segmentos formativos da sociabilidade. É da liquidez do capital simbólico que advém o “rendimento monopólico”. Ou seja, é a autenticidade, em primeiro lugar, que sustenta a identidade gentílica. Esse valor representado dimensiona a credibilidade dos projetos. Porém, como o saber depende da representação, a cultura se transformou em uma mercadoria especial, notadamente, como escreveu David Harvey, “em formas localizadas de vida, herança, memória coletiva e comunidades afetivas”. Em sua esfera estão os artífices do espelho identitário, os quais postulam que o grupo se reconheça neles, além de se elegerem como foco projetivo de um desejo manifestado na preferência de ser percebido externamente.

Por mais inventivas, a credibilidade e a possibilidade de reconhecimento, no aspecto simbólico, cultural e, mesmo, econômico, as identidades dependem de uma dialética entre a história e as formas de representação.

Portanto, os projetos pós-modernos de construção das identidades gentílicas, memorialistas, ou culturais, têm as suas consistências testadas pelos elementos constitutivos de suas histórias, ao certificar a coerência da autenticidade. Dessa forma, a densidade depende da seleção do capital simbólico, a ser operado nas instâncias públicas (formação interna da consciência) e na projeção externa, as formas de visualização para fora, a espera do reconhecimento.
O Rio Grande do Sul, por processos compreensíveis, acabou consagrando um “capital simbólico” de conteúdo conservador inspirado no mundo oligárquico. Ao operar pela “oficialização” gentílica, reinventa-se e recria-se através dos espaços da sociedade civil e do Estado. Os ideólogos e militantes tradicionalistas, através da luta política, conseguiram estabelecer um estamento burocrático de Estado, provendo suas existências e a organização que representam. A estabelecerem e oficializarem o modelo, diversos mecanismos desencadearam as “reproduções espontâneas”. A mídia, invariavelmente sustentada pelas verbas públicas, se converteu no sistema capacitador de sustentação de impressionante conteúdo imagético conservador.

Colocando-se como sucedâneo do mundo estancieiro, escolhendo seus heróis entre a oligarquia escravocrata, especulando com a emotividade da sacralização da espacialidade, implantando “espaços-marca”, o tradicionalismo opera como um totalitarismo político e socialmente conservador, imaginando-se como identidade gentílica e estamento no interior do Estado, revelando-se como uma força anti-republicana. Sustentado no Estado, na sociedade civil e na mídia, o “tautismo” gauchesco, como vício discursivo e comportamental fechado e alimentado exclusivamente no “revir”, supera hegemonicamente os demais segmentos identificativos do Rio Grande. O Brasil sulino, multicultural e multi-étnico, ainda não depurou seus entulhos retrógrados, não absorveu as outras visibilidades culturais, ou sequer estabeleceu conversações legitimadas e equalizantes entre elas. Da especulação da emotividade à expressão da indústria cultural na forma pilchada, o tradicionalismo impera sobre todos com o espectro da identidade regional. Esta é a projeção vencedora dos indivíduos que a inventaram e que a sustentam. Em sua origem, se fossem personagens com outro universo mental, a identidade, como criação dos homens, seria diferente e poderia ter, inclusive a mesma ou superior força telúrica.

Entretanto, as combinações de todas as forças emanadas no tradicionalismo produzem o “revir”: uma sociedade voltada para o passado.

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