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Linguiça de beterraba!
RECEITAS VEGANAS (Face)
Ingredientes:
2 xícaras de proteína texturizada de soja graúda clara já hidratada
polvilho azedo qb
1 beterraba média ralada em ralo fino
gengibre em brunoise frito
pitada de coentro
sal
2 colheres de azeite
pimenta do reino à gosto
Para hidratar a pts cubra-a com água e ferva por uns 6 minutos. Esprema
no espremedor de batatas para tirar a água. Bata no liquidificador até ficar
totalmente desfiada (pode fazer com as mãos, mas é mais trabalhoso). Junte os
temperos, o azeite e o polvilho até dar ponto de massa. Coloque porções em
plástico filme e enrole, modelando para que fique firme (o plástico deve ficar
por fora somente). Dê nós nas pontas. Cozinhe em água fervente por 10 minutos.
Quando esfriar pode ser congelada. Na hora de servir dê uma tostada em
frigideira anti aderente com um fio de azeite.
· Atualizado há 21 minutos
TRADICIONALISMO E MODERNIDADE CONSERVADORA NO "ESTADO-MARCA"
(Tau Golin)
Reproduzido do perfil de Tau Golin (Face).
Reproduzido do perfil de Tau Golin (Face).
Converteu-se em um desafio teórico contemporâneo compreender o fenômeno cívico-cultural da identidade “gentílica” pilchada no Rio Grande do Sul inserido na modernidade conservadora. Nas últimas décadas, além do controle das esferas governamentais, reproduziu-se pela indústria cultural e, não raro, em muitos setores, converteu-se em expressão da pós-modernidade.
Tal concepção de identidade sustenta práticas simbólicas de
representação do Rio Grande do Sul em um núcleo fundante baseado na estância,
desconsiderando a multiculturalidade histórica. Em sua amplitude, a
pós-modernidade tradicionalista se auto-reproduz no imaginário de um
“estado-marca” e todos os seus nichos subsidiários (galpão, invernada, pampa,
mangueira etc.), no qual a identidade se torna possível não pelo pertencimento
histórico e seu capital simbólico, mas pelo ingresso nos espaços de “vivência”
ideal.
Na história da civilização, as sociedades humanas, na amplitude de um
país ou de uma localidade, estabelecem processos de construção de suas identidades
gentílicas. Esses reconhecimentos podem ser criados nos longos percursos
históricos em que se formam escolhas disputadíssimas entre seus membros, nos
âmbitos de “comunidades imaginadas” ou de “comunidades de destino”. As
fronteiras entre as duas são tênues. Na verdade, os conceitos são mais
complementares do que excludentes. Enquanto o primeiro é mais elástico, o
segundo tem a sua centralidade na guerra, conforme Hegel, sendo que a ameaça de
uma força exterior sobre o grupo cria uma espécie de união pela sobrevivência.
Notadamente, essa “sensação”, mesmo que inexistente no transcurso dos grupos
sociais, o “estrangeiro”, o “além-fronteira”, sempre está presente e alimenta,
de alguma forma, a vigilância presente nas identidades.
Entretanto, nos dois casos, as identidades dependem consistentemente
dos aspectos fundantes de longo prazo, ou seja, da consistência entre as formas
modernas e pós-modernas adquiridas e a história, tribunal inapelável da
coerência entre os acontecimentos e suas representações.
Desde que o Movimento Tradicionalista Gaúcho conseguiu realizar a
operação vitoriosa de se “legitimar” como o mediador do processo de construção
da identidade gentílica, inserindo-se nas esferas de governo (instituindo-se
mesmo como instância do Estado e seu aparato burocrático) e na sociedade civil
durante a ditadura militar, a intelectualidade rio-grandense tem realizado
diversos esforços para tentar apreender o fenômeno, identificado como
“tradicionalismo” ou “gauchismo”.
Em uma primeira reflexão é necessário considerar algumas noções de uso
legitimador do tradicionalismo, as quais sedimentam sua hegemonia. Como
movimento atuante ele se construiu e se desenvolve historicamente pela disputa
interna de seus membros, fortalecendo-se nas relações de aperfeiçoamento
imanente, na busca incessante da especialização e, por outro lado, atuando de
forma corporativa. Na impossibilidade de auto-inventar-se pela matriz étnica em
um estado multi-étnico, o modelo operativo é o da política, complementado pelas
referências de etnias dominantes, conseguindo uma combinação eficiente. No
instante em que o processo inventivo não se sustenta em uma etnia dominante,
mas na referência estilística de um grupo marginal e multirracial, a identidade
tradicionalista pode ser construída contemporaneamente através de uma
militância que se desenvolve simbolicamente no “entre-lugar”, na fronteira, o
lugar imaginário em que todos podem se involucrar, independente da origem e da
classe social.
Portanto, o tradicionalismo, apesar de suas manifestações geralmente rústicas e simplórias, ele se insere, talvez, nos processos complexos de invenção identitárias, talvez sem comparação no mundo, elaborando um “mito fundante” pelos seus intelectuais de abrangência de massa, sustentado pelo “sistema capacitador da mídia contemporânea”. Por isso, no momento em que se consagra pela versão de uma imanência de origem, a sua compreensão exige, em alguma dimensão, um método desconstitutivo.
O pilar de sustentação de “legitimação” do tradicionalismo está na sua
afirmativa de que ele é um sucedâneo da “sociedade tradicional”. Portanto,
autêntico, com um valor e um sentido a ser cultuado no presente e a ser
transmitido para as próximas gerações, para usarmos um vocabulário de sua
predileção.
Para operar com eficiência em uma sociedade moderna, todo movimento de
construção identitária sustentado no mito de origem, no “entre-lugar”
fronteiriço, precisa diluir a noção de tempo histórico. Na particularidade
sulina rio-grandense há a necessidade de grafar o termo “tradicional” entre
aspas. Ele está impregnado do sufixo nominal ismo, pois, no âmbito de um
movimento sociocultural doutrinário autorepresenta-se integrado a um corpus que
opera na sociedade com a ambição de se converter em expressão gentílica.
Portanto, mesmo que diversas expressões não se encontrem organizadas sob os
ditames e a vigilância do Movimento Tradicionalista Gaúcho, assim mesmo, seu
conteúdo se encontra em uma imanência complementar de composição do
“tradicional”(ismo). Trata-se de uma vontade de pertencimento ao gauchismo.
Os tempos históricos são substituídos pelo “tempo vago”, ao qual se
remete a origem dos elementos fundantes. Ao se instituir como movimento
cultural organizado, essa gauchidade se apresenta como se estivesse credenciada
a reproduzir valores pretensamente imutáveis forjados pelos antepassados.
Melhor dizendo, há uma reelaboração do passado como o lugar de uma sociedade
tradicional. Entretanto, historicamente, a sociedade de tipo tradicional nunca
existiu no Rio Grande do Sul. Desde a sua origem ocupacional organizada pelo
Estado Colonial Absolutista no século XVIII, na região sulina foi implantada
uma sociedade de classes de tipo escravista alicerçada na propriedade privada.
Desse modo, jamais se configurou uma sociedade historicamente tradicional. Esta
é uma suposição criativa intelectual de legitimação da sociedade oligárquica,
em um primeiro momento, e do capitalismo gauchesco de corte latifundiário em
sua forma mais acabada.
A sociedade rio-grandense (e sua representação cultural) é conservadora
e não tradicional. Os elementos da “tradição” reforçam e reificam
ontologicamente seu conservadorismo. Ou seja, o movimento cultural
tradicionalista e seus sucedâneos não se caracterizam como uma extensão de uma
sociedade tradicional, mas da invenção totalizante de um civismo retrógrado no
interior da sociedade moderna de classes.
A distinção entre o ser social das sociedades tradicionais e modernas é
imprescindível para que se percebam o lugar e, de certo modo, o sincretismo
funcional dos movimentos culturais folcloristas no mundo contemporâneo.
Aceitemos a tese de que o indivíduo da sociedade tradicional, ao nascer, já
tinha fixado, solidamente e de maneira arraigada a sua identidade. Naquele
mundo “pronto” e de difícil mutabilidade, os papéis sociais estavam
milenarmente estabelecidos e sustentados em sistemas de mitos. O indivíduo era
membro do clã, com sistema fixo de parentesco. A sua identidade, desse modo,
estava vinculada ao grupo social e aos papéis possíveis de serem assumidos. A
função de um indivíduo não sofria transformações radicais: ele era, por
exemplo, caçador e, também, integrante do clã.
Com a identidade gauchesca, sempre fragmentária e nunca se expressando
como uma totalidade, ocorre exatamente o contrário. O indivíduo inserido no
mundo da modernidade capitalista tem a possibilidade de se inventar e de
escolher a sua identidade. Como ela, inclusive, não depende mais
inseparavelmente da determinação inflexível do modo de vida tradicional, o
personagem pode desvincular o seu fazer produtivo-social de seu viver cultural
e imaginário. Em última instância, os elementos inventivos “tradicionais” estão
anexados no espectro maior da modernidade, onde a identidade se tornou uma
escolha pessoal, com possibilidades de inovações em sua multiplicidade móvel.
Entretanto, se nas sociedades tradicionais a questão da identidade não significava uma situação existencial crítica, na modernidade ela está intrinsecamente no espaço social e, mutuamente, dependerá do reconhecimento do outro. Só na modernidade os tipos sociais diferentes podem assumir deliberadamente uma mesma “auto-representação pilchada”, convivendo no mesmo espaço simbólico e superestrutural, se quisermos utilizar uma categoria conhecidíssima, não existindo contradição entre um funcionário público e um chefe de governo, entre um peão de obra e um especulador no mercado financeiro, entre donos de meios de comunicação e vileiros, entre os latifundiários e os sem-terra.
Entretanto, se nas sociedades tradicionais a questão da identidade não significava uma situação existencial crítica, na modernidade ela está intrinsecamente no espaço social e, mutuamente, dependerá do reconhecimento do outro. Só na modernidade os tipos sociais diferentes podem assumir deliberadamente uma mesma “auto-representação pilchada”, convivendo no mesmo espaço simbólico e superestrutural, se quisermos utilizar uma categoria conhecidíssima, não existindo contradição entre um funcionário público e um chefe de governo, entre um peão de obra e um especulador no mercado financeiro, entre donos de meios de comunicação e vileiros, entre os latifundiários e os sem-terra.
Nesse quadro complexo, o tradicionalismo é uma extensão da cultura de
massa, e não o prolongamento de uma sociedade tradicional. A sua força
cultural, agregando elementos da pós-modernidade, como a centralidade da imagem
na representação da identidade – a exterioridade volátil – potencializa ainda
mais o seu comportamento estilístico, no qual o “parecer” se converteu em um
dos aspectos predominantes da dimensão do ser. A escolha de “parecer-ser”
conforme o arquétipo conveniado recentemente é a condição que conecta o
conservadorismo à pós-modernidade.
No Rio Grande do Sul, com um movimento tipicamente contido na modernidade conservadora, na década de 1940, os ideólogos da segunda geração do gauchismo – transformando em movimento de massa as iniciativas clubísticas do antigo Grêmio Gaúcho da passagem do século XIX para o XX - começaram uma elaboração de procura e escolha singular de identidade no espaço urbano e, ao arrepio de seu modo de vida citadino, na qual a seleção do lugar-campo, o mundo dominado pelos estancieiros, foi pilchado de idealidade. E no desenvolvimento e afirmação desse processo, inventaram que, no lugar espacial do pagus, existira um modo de vida tradicional imanente de cultura, de ética, de ethos, de paidéia para a sociedade em seu conjunto.
Nesse processo intelectualmente buscado entre a sustentação na memorialística e na normatização de uma identidade que fosse, ao mesmo tempo, individual e gentílica, está a robustez do tradicionalismo rio-grandense como mito e sua eficiência como dogma. Seus engendradores – muitos ainda vivos e entre nós - abdicam da autoria, muitas vezes convencidos de que são realmente incorporações axiomáticas. Esse esquema relativamente simples funciona porque carrega consigo fragmentos emotivos do modo de vida real e imaginário dos sulinos. É campo fértil às fantasias e aos rituais garantidos por um robusto e intenso calendário de eventos, sustentado, em seus momentos grandiosos, por uma impressionante rede de comunicação moderna – televisões aberta e por assinatura, rádios, jornais, revistas e internet. Essa identidade, pois, está trançada e encravada no pau-de-fita do marketing.
Associada à corrupção do tempo, a depuração mais evidente do
tradicionalismo é uma invenção “genealógica”, em que pretende eliminar a sua
condição de filho bastardo da modernidade, como se desistisse ou a ela se
incorporasse “ao seu jeito”. De fato, o tradicionalismo é o esforço
relativamente contemporâneo para soldar na cultura uma “unidade indivisível” do
ser fragmentado e descentrado.
Entretanto, mesmo assim, a adequação entre sociedade desigual e cultura homogênea permanece evidente. Na verdade, a fricção do regional com o “imperialismo cultural” não passa de um estranhamento estético. Basta observar que os intelectuais e militantes orgânicos do tradicionalismo são, invariavelmente, expoentes da sociedade conservadora e organizadores dos seus rituais cívicos.
Entretanto, mesmo assim, a adequação entre sociedade desigual e cultura homogênea permanece evidente. Na verdade, a fricção do regional com o “imperialismo cultural” não passa de um estranhamento estético. Basta observar que os intelectuais e militantes orgânicos do tradicionalismo são, invariavelmente, expoentes da sociedade conservadora e organizadores dos seus rituais cívicos.
Em qualquer um dos momentos, a exemplo dos desfiles gauchescos em
defesa da propriedade em todo o estado, as câmeras apenas estão documentando o
lugar histórico-cultural assumido pelo tradicionalismo na sociedade real,
concretizando politicamente as suas formulações mentais expressas no imaginário
e suas vertentes estéticas.
Esse aspecto político-ideológico-cultural parece se revestir de
tendência geral. Na história humana recente, não se encontra nenhum movimento
tradicionalista relevante capaz de subverter o status quo socialmente
vitorioso, exceto nas suas reversões dogmáticas fundamentalistas.
Portanto, quando se visualiza o “tradicional”-folclorismo, é necessário
fazer uma superação teórica: não se trata de um movimento continuísta, que
teria progredido coerentemente desde o passado; é, sim, a expressão de um dos
segmentos da modernidade, que procura dar conforto de “unicidade” a seres
fragmentados, que recriam um tempo e uma sociabilidade imaginária, que, também,
conforma a realidade. Obviamente, o seu conteúdo entranha suas marcas no modo
de vida contemporâneo.
Dessa forma, é necessário identificar a maternidade do movimento
tradicionalista. Historicamente, tratou-se de um dos tantos rebentos singulares
do impacto da modernidade industrial que se universalizou com sua força
formatadora. Não foi por outro motivo que os esquecidos e singelos “Grêmios
Gaúchos” da passagem do século XIX ao XX caducaram em seu tempo de
predominância agropastoril e, depois, afloraram timidamente na versão do
movimento tradicionalista no pós-II Guerra. Na nova forma, incluiu-se na esfera
capitalista sem contradições substanciais, pois todos os seus elementos de
hábitos e costumes foram incorporados também como mercadorias.
No transcurso de meio século, já é possível perceber as conexões entre
modernidade e tradicionalidade e a inserção da segunda na primeira, superando
as simploriedades teóricas que insistem em expô-las com excludentes, ou a
segunda como reformadora da primeira. Foi no ventre do fordismo e da indústria
cultural que o tradicionalismo foi gerado. Cavalgando imaginariamente, eis que
apeia confortavelmente na globalização, como existência lúdica ou como produto
da indústria cultural e mercadoria simbólica.
Não são poucos os autores que observam que a pós-modernidade
potencializou um dos aspectos da sociedade capitalista contemporânea,
convertendo as mercadorias em expressões imagéticas. Desse modo, como parte do
todo, o tradicionalismo, em seu estilo neobarroco, adapta-se ainda em melhores
condições no modo de produção vigente. Na vanguarda das reflexões, Fredric
Jameson lembra que “o que caracteriza a pós-modernidade na área cultural é a
supressão de tudo que esteja de fora da cultura comercial, a absorção de todas
as formas de arte, alta e baixa, pelo processo de produção de imagens. Hoje, a
imagem é a mercadoria e é por isso que é inútil esperar dela uma negação da
lógica da produção de mercadorias; [...] todo apelo a ela no pseudo-esteticismo
contemporâneo é uma manobra ideológica, e não um recurso criativo”. A tensão e
a dificuldade de reconhecimento estético dos segmentos artísticos mais
criativos e complexos no interior do próprio tradicionalismo somente serão
compreendidos pela percepção da existência vigorosa de cânones mantidos por
instrumentos de vigilância normatizantes, os quais reproduziram e mantêm
comportamentos de controle espontâneo e gosto estético.
Essa força cultural do tradicionalismo advém de sua gênese modernista,
o que vale dizer capitalista, e não de um pretenso mundo tradicional, cujos
ícones não teriam sinergia emulante de comportamento de massa. É essa gênese
que o converte em potencialidade mercadológica perfeitamente integrada ao mundo
contemporâneo e impotente para se transformar em força cultural e política
reformista (a mais recente ilusão de segmentos publicitários e partidários de
diversos matizes ideológicos). Como singularidade da vida carrega a maldição
que lhe impossibilita a universalidade, exceto como deturpação grosseira. De
certa forma, a gauchidade possui o mesmo aspecto militante do totalitarismo do
século XX. O totalitarismo gauchesco também possui a sua militância nos
funcionários públicos, militares e civis, cujo ideário se involucra nas esferas
do Estado, influenciam e determinam as questões estratégicas e da
cotidianidade. De algum modo, urgem estudos que relacionem o gauchismo com a
crise da sociedade rio-grandense. Certamente, muitos de seus elementos serão
encontrados nas esferas políticas e estatais, e em um corpo
técnico-burocrático, cujo imaginário, cultural e sentimento de pertencimento
está voltado para o passado. Nesse processo, o que deveria ser o “devir” é um
“revir”, com os agentes públicos e midiáticos voltados para um passado
inventivo, um civismo de patriotada, de muito barulho e ostentação, mas de
baixo impacto operativo na sociedade real.
O dilema político e social, do ponto de vista das políticas públicas, é
como potencializar o ufanismo de orgulho pelo Rio Grande em sinergia
modernizadora. Depois de meio século de organicidade tradicionalista, o
movimento, como expressão hegemônica, já inoculou, irremediavelmente, na
identidade sulina um ethos imaginário estancieiro e conservador, que
estabeleceu cercas insuperáveis para assumir estéticas e plataformas
democráticas de inclusão cidadã. A identidade é uma vivência da imaginação e,
segundo o modelo tradicionalista, está povoada pela dignificação hierárquica do
latifúndio como hipotético lugar da felicidade. Como resolver o problema de
grande parte dos heróis regionais – senhores de escravos - estabelecidos como
ícones simbólicos de modelos humanos a serem cultuados pelas novas gerações?
Nesse particular, existe a necessidade teórica de fazer a distinção entre
ícone/dogma/herói e objeto estético. No primeiro caso, apanha-se o ícone já
elaborado como valor intrínseco à tradicionalidade, como um axioma a não ser
mais alterado em seu sentido, ao passo que, no segundo enfoque, o ícone tomado
como objeto estético, sobre ele incidirá a busca de seu conteúdo e as implicações
complexas de seu sentido humano e social.
Ao contrário do que prega o movimento “tradicional”-folclórico, a
construção da identidade como expressão espontânea é uma ilusão. A cultura
singularizada também emana da organização social, não sendo necessariamente
reflexo direto de seus padrões de produção. Somente prevalece como expressão
cívica quando se expressa coerentemente e sem fraturas com a sociedade
dominante. Obviedade? Vejamos uma síntese. Historicamente, o Rio Grande
consolidou a sua expressão de forte identidade regional, todavia até
recentemente não possuía perfil gauchesco, o que começou a ser inventado, de
forma gradual, a partir de 1947, por um pequeno grupo de estudantes
secundaristas. A sua primeira conversão foi em direção ao poder estatal e a
segunda, à sociedade civil, criando uma corporação associativa. Imediatamente,
seus intelectuais (menores, no âmbito estadual) criaram sistemas de visão
regional e comportamental para serem cultuados. Estabeleceram os dogmas. E, a
partir de um epicentro imaginado em Porto Alegre, foram se expandindo e se
reproduzindo. E, permanentemente, desde o centro pensante do MTG, progrediram
inventando as regras a serem repetidas.
Essas “tradições”, adotadas como “cultuação”, não passavam de
recriações a partir de fragmentos colhidos pelos seus pesquisadores e
ressignificados conforme seus interesses. E o sulino, que já existia
historicamente há mais de dois séculos, que tomava chimarrão (herança guarani),
vestia bombacha para o trabalho, tocava milonga, etc. antes do movimento
tradicionalista, teve, surpreendentemente, subvertidos os seus sentidos, os
quais foram redimensionados em um movimento cívico-cultural altamente
ideologizado.
Em 1954, o tradicionalismo alojou-se (e impôs-se) como um dos
tentáculos culturais do poder com a criação do Instituto Gaúcho de Tradição e
Folclore, profissionalizando muitos dos seus mentores; em 1961, elaborou uma
Carta de Princípios; e, em 1968, na contramão das inquietações libertárias e
embevecido nas tertúlias do Palácio Piratini, baixou como norma o Manual do
tradicionalista, para onde foi transferido todo o espírito de caserna da
ditadura militar. Ao Rio Grande multicultural e rebelde foi “imposto” um dogma
saneador. A partir de um centro tradicionalista legitimador, construíram-se
sistemas de controle e de seleção, o aparte na boca do brete cultural do que
poderia ser incluído no mangueirão do gauchesco ou refugado excludentemente do
mundo da estância simbólica a que foi transformado o estado. Conseqüentemente,
o tradicionalismo inventou também “o outro” excluído, dividindo a população
rio-grandense em dois tipos. Para afirmar a sua individuação pilchada,
necessitou também de uma alteridade interna, associada à alteridade nacional e
à alteridade castelhana.
Entretanto, no âmbito regional, a missão tradicionalista não era/é ser
diferente, inserir-se na multiplicidade social e afirmar-se como parte do todo.
Nele não se encontra a defesa do princípio da diversidade. Ainda em seus
primeiros anos, a diferença implicou a existência de elementos contraditórios
para afirmar uma militância que “apregoava-se como legítimo representante do
estado”. E o diferente, nessa lógica, deveria ser “aculturado”.
Historicamente, é possível comprovar esse movimento tradicionalista em uma cronologia. A tendência de anulação da diversidade originou-se em uma cruzada depuradora funcionalista. A sua lei maior é a Carta de Princípios, na qual consta que um dos objetivos sublimes da corporação é “estimular e incentivar o processo aculturativo do elemento imigrante e seus descendentes”. Não se necessita realizar nenhum vôo teórico mais complexo para perceber que, como norma sociocultural, essa Carta de Princípios expressa foros de intervenção normativa fascistizante no cotidiano. Esse documento-gênese está associado ao Manual do Tradicionalista, que funciona como encíclica militante, emulando a crença de que se deve “criar em nossos grupos sociais uma unidade psicológica, com modos de agir e pensar coletivamente”.
Além disso, pelas suas teses, poesias e músicas, o tradicionalismo
converteu o pampa em “espaço” imanente da identidade, o lugar legitimador do
rio-grandense. O “entre-lugar” plano. A aparente crise de não pertencer ao
lugar pampeano é solucionada pela adoção comportamental de “parecer ser”,
adotando-se um visual e um vocabulário típico. Esse aparente desconforto de
origem não pampeana encontra parte de sua “solução” no comportamento
tipicamente pós-moderno, palanqueado na imagem do “parecer ter” pertencido. A
desterritorialização também é um elemento da pós-modernidade.
Nesse momento histórico, a noção de pertencimento rio-grandense quanto
ao “homem médio”, ou seja, ao estado mental e cultural reciprocamente
reconhecido no interior dessa abstração denominada “povo”, está marcada por uma
visualidade que se coloca em tempos diferentes, porém encontra a sua identidade
em um “espaço” simbólico, em um “vocabulário” e, vigorosamente, em uma imagem.
Um fenômeno que se sustenta em tais elementos convoca, necessariamente, as
reflexões de Gaston Bachelard, ao lembrar que “uma imagem singular – vale
dizer, gauchesca – é um fato de grande significação ontológica”.
As gerações contemporâneas, por conta de diversos espaços “educativos”,
“culturais” e, predominantemente, da mídia, ingressam e se desenvolvem em uma
sociedade visualmente representada e dicotômica entre a tradicionalidade e a
universalidade, porém flexionada para uma predominância da primeira na
subjetividade individual. A imanência dessa realidade está diretamente
relacionada à condição humana de que “a imagem vem antes do pensamento”, e seus
elementos influenciarão na formação identitária. Não precisamos chancelar
completamente as formulações de Bachelard, entretanto, tomando-o para uma
reflexão entre a imagem e o ser, devemos considerar que a imagem “expressa-nos
tornando-nos aquilo que ela expressa – noutras palavras, ela é ao mesmo tempo
um devir de expressão e um devir do nosso ser. Aqui, a expressão cria o ser”.
Bachelard tinha como preocupação a imagem poética. Ampliamos a sua reflexão
para uma dimensão mais fenomênica da imagem estética e sua relação entre a
representação e o ser social.
Mas retomemos os tempos históricos de construção do tradicionalismo.
Percebe-se que as suas metas tiveram campo fértil na ditadura militar, que,
instrumentalmente, promoveu o folclore e a “tradição”. Ao mesmo tempo, ganhava
as massas e fazia frente às conturbações reivindicativas do nacional-popular e
de outros movimentos de vanguarda. Para o golpe, a cultura deveria ser um
espaço mental localizado no passado idealizado, preferencialmente de louvação à
pátria e, vá lá, caso não complicasse a realidade, à região.
Então, os tradicionalistas, em piquetes subsidiários, assumiram seus
postos. Ocuparam instâncias que iam desde mestres-de-cerimônia a secretários de
Estado. Criaram departamentos na estrutura do poder, influenciaram os
currículos escolares, canalizaram patrocínios aos seus eventos (a grande
tropeada das verbas públicas para entidades gauchescas particulares), ocuparam
a mídia, organizaram sistemas de culto cívico, multiplicaram os galpões de
vivência pilchada nos quartéis da Brigada Militar e das Forças Armadas etc.
Reordenaram, inclusive, uma versão litúrgica do catolicismo em uma Missa
Crioula, dando potência bíblica ao poder oligárquico e à ordem. Deus, assim,
foi ungido à figura de Patrão do Céu e Jesus Cristo, convertido em seu tropeiro
para tanger o rebanho de almas rio-grandenses no latifúndio celeste. Mais uma
vez, um instrumento da “civilização ocidental cristã” excluía as culturas
sincréticas africanas e indígenas do imaginário de uma sociedade
verdadeiramente mestiça e multicultural. Nessa liturgia, a união do Rio Grande
está no passado, com os lenços encarnado e branco irmanados transversalmente na
cruz.
Em um processo totalizador, os sentimentos telúricos de hábitos e
costumes autenticamente rurais ou de inspiração latino-americana passaram a ser
pressionados ao alinhamento cetegista.
Estruturando-se habilmente dessa forma, estribando-se na ditadura e
sendo uma das suas expressões, o tradicionalismo se impôs como cultura
normatizadora. E atingiu o “poder de disciplinar”, para lembrar, de passagem,
Foucault.
Transformou-se em um dos aparatos do que se convencionou chamar de “policiamento das populações modernas”, com mecanismos de “vigilância” e “regulação”. Ao mesmo tempo que organizou um sistema de reconhecimento e premiação em todos os níveis, do piá, do peão, da prenda, dos artistas, dos políticos, das figuras carismáticas, etc.
Transformou-se em um dos aparatos do que se convencionou chamar de “policiamento das populações modernas”, com mecanismos de “vigilância” e “regulação”. Ao mesmo tempo que organizou um sistema de reconhecimento e premiação em todos os níveis, do piá, do peão, da prenda, dos artistas, dos políticos, das figuras carismáticas, etc.
Com essa poderosa estrutura, organizou-se o “espelho” tradicionalista.
Sem considerar a historicidade de sua constituição, nele, agora, se refletem os
seres fragmentados como “integralidades”, conformados com o mundo em que vivem
ou impotentes para modificá-lo (o termo mais correto seria “retrocedê-lo”).
Nesse espelho está o sistema simbólico a que aderem e reinventam seus
paradigmas fundantes, pois podem se agregar à imaginação e, inclusive,
manterem-se exclusivamente como expressões abstratas da cultura, não tendo
outra influência na sociedade que não a sinergia para um escapismo
politicamente alienante e como agente reprodutor da indústria cultural e da
pós-modernidade. Conseqüentemente, a identidade tradicionalista não difere da
formação das outras identidades ao se elaborar como fase psicanaliticamente
infantilizada, para aproveitarmos uma formulação de Lacan, ao se assumir por
uma condição que se encontra fora do “eu”, na formatação realizada pelo olhar
do “outro”, de maneira concreta, representado por toda a estrutura social e
midiática de sustentação.
Atualmente, pelo trabalho do MTG associado à mídia, o Rio Grande do Sul
se converteu no grande espelho lacaniano para os naturais ou descendentes dos
rio-grandenses em outros estados ou países. Desterrados, fragmentados e
“estrangeiros”, encontram a “integralidade” ilusória na imagem emanada pelo
“espelho da origem”, migrando para o “entre-lugar” imaginário, onde todos se
encontram no “revir”.
Por exemplo, quando os tradicionalistas impõem modelos curriculares,
estão fazendo uma violação do estudante, que, inferior e dominado por forças
simbólicas muito superiores a ele, encontra um espelho que já reflete a sua
imagem pilchada. A sua identidade, mesmo que ele seja descendente de negros
supliciados pelos estancieiros senhores de escravos no passado, assim como
todas as demais identificações culturais formativas do Rio Grande, será, na
verdade, uma conversão conformada à “imaginação dos outros”. Somente “será”
enquanto projeção da representação do “outro”. Esse estudante não suportará a
exclusão e, especialmente, na Semana Farroupilha, assumirá o uniforme da
pilcha. A escola o vigiará e... o compensará.
Na periodicidade dessas comemorações, inclusive o seu vocabulário será
adaptado e reduzido. Não para o saber (ou mesmo para ampliá-lo), mas para
“viver” na esfera abstrata da identidade. Impotentes e sem força pedagógica, as
observações de Saussure de que “a língua é um sistema social” serão relegadas.
Derrida, com suas formulações de que as palavras são “multimoduladas”,
carregando significados além do discurso pessoal, não passará de um cão
sarnento escorraçado do ambiente escolar.
No Rio Grande do Sul, para auferir se uma escola está falida
pedagogicamente, basta identificar a existência em sua estrutura de uma
“invernada artística”, especialmente mirim. O educandário, o lugar ideal e
constitucionalmente para “saber” e “compreender”, o espaço para aprender a
“pensar”, quando se transforma em apêndice de CTG, manda a boa pedagogia
(inclusive a conservadora erudita), que, para preservar a sanidade mental dos
alunos, seja fechada. Essa escola deixou de ter função minimamente educativa,
no sentido clássico do termo, e se converteu em instrumento ideológico,
embretando o aluno de forma que veja difusamente o mundo a partir de uma
estância simbólica.
O tradicionalismo abrange além do civismo pilchado, da formação de um
estamento burocrático e das relações mercadológicas da indústria cultural. Ele
está perfeitamente adequado também como “marca” aos bolsões internos das
sociedades pós-industriais, definidas por alguns culturalmente como
pós-modernas. É um movimento que se imagina como identidade e como “marca”
através da criação de espaços imagéticos, nos aspectos simbólicos e
mercadológicos. Não difere os métodos da Disneylândia (e a implantação das
Disneyworld em diversos países), dos Jurassic Park, dos McEspaços, os nichos
mais evidentes para uma vivência temporária de fantasia.
Assim como os demais fenômenos da pós-modernidade, o tradicionalismo
também recria seus condomínios de “faz-de-conta”, os empreendimentos comerciais
e turísticos, constituídos por cenários para temporadas de vivências de papéis
futuristas ou correspondentes aos modos de vida a la antiga, mergulhadas no
saudosismo. As corporações e a indústria turística exploram, por exemplo,
cidades do velho oeste, mediante o pagamento de “ingresso”, o qual dá direito a
uma passagem para o “tempo-caubói”, onde os consumidores “vivem” papéis
antigos: montam a cavalo, conduzem gado, fazem duelos, vêem-se no meio de
tiroteios, bebem em saloon, etc.
Nas últimas décadas, os tradicionalistas insistem nos empreendimentos
de “tempo-gauchesco”. Entretanto, sob a maldição estamental, pretendem que seus
projetos geralmente sejam departamentos do Estado ou subsidiados pelas verbas
públicas. Essa concepção levada à política governamental reduz o estado a uma
estância, em cujo espaço ritualizam simulacros do mundo preferencialmente
oligárquico. Em sua amplitude, a pós-modernidade tradicionalista projeta o
“estado-marca” e todos os seus nichos subsidiários (galpão, invernada, pampa,
mangueira etc.), nos quais a identidade se torna possível não pelo
pertencimento histórico, mas pelo pagamento do ingresso para a “vivência”
ideal.
Faz parte da disputa inter-tradicionalista pelo capital simbólico a
certificação de quem “é mais gaúcho”: a cidade, o CTG; os desafios musicais e
de danças; as gineteadas e tiro de laço; as cavalgadas dos piquetes urbanos.
Essa considerável operação nas esferas da identidade gentílica exclusiva e nos
projetos das “localidades marca” procura validar um “capital simbólico” e
adquirir potencialidade de “rendimento monopólico”. No entanto, essa validação
depende da historicidade e, invariavelmente, do selo de autenticidade. De
qualquer forma, a união dos processos de reanimação da identidade com o
planejamento dos “espaços marca” é o recurso mais contemporâneo usado pelo
gauchismo para se reproduzir.
Da soma de tudo, o Rio Grande passou a ser representado como “espaço de
idealidade”, com organizações e preferências culturais de massa. Não
pertencendo mais aos movimentos de relativa espontaneidade, o tradicionalismo
se converteu no jeito gaúcho do fenômeno mundial das “cidades marcas”, que são
expressões de uma privatização absoluta. Seu habitante é, em essência, um
consumidor elevado à quinta-essência. Ele é o comprador de uma mercadoria e de
um sonho.
Propostas de cópias gauchescas de Celebration, na Flórida (USA),
considerada a primeira “cidade-marca”, aparecem a todo momento no Rio Grande do
Sul. A mídia estimula a disputa pelo título de “cidade mais gaúcha”. Passo
Fundo, por exemplo, ostenta tal certificação por decreto. A “cidade-marca” (e
seus outros aspectos subsidiários dos “espaços-marca”) representa a “construção
do casulo” elevado a uma dimensão radical. Ou seja, aspectos dos fragmentos que
operam no mundo globalizado através das marcas foram conduzidos à totalidade.
As marcas, dessa forma, ultrapassaram o utilitarismo imediato das mercadorias.
Converteram-se em significantes. Nesse novo complexo, as mercadorias entram
como partes de seus “condutos”. No cotidiano alimentam o dilema entre o ser e o
parecer-ser, oferecendo um refúgio envolvente para aqueles que podem,
economicamente, transportar-se para um cenário constituído de espaço de
convivência idealizada. Para os demais, resta cultuar esse imaginário
periodicamente entre as tarefas maçantes de seus cotidianos através de um farto
calendário de eventos e povoar a imaginação na aderência à mídia gauchesca.
Em estágios extremos, mercadoria e sonho investido do parecer-ser
passam a ser a mesma coisa.
A sociabilidade-marca, desse modo, constrói um “estilo de vida []
suficientemente completo para que seus clientes façam as malas e mudem-se para
a marca”. Não por acaso, Celebration é uma cidade-marca da Disney, planejada
“em torno do consumo”. Essas localidades transcendem ao mero uso dos produtos,
elas se encerram na radicalidade do estabelecimento de um ethos idealizante,
como lembrou Naomi Klein no texto “Marcas globais e poder corporativo” e no
livro Sem logo.
O “estilo” das marcas na construção das identidades na pós-modernidade,
invariavelmente, entra em tensão com a historicidade nas sociedades reais. Os
“casulos”, ao se estabelecerem como dimensões fechadas de sentidos dogmáticos,
estabelecem a perda do espaço público, terminam expropriando a comunidade
também de seus lugares de manutenção e produção de sentidos, de reconhecimento
gentílico. Em muitos casos, transformam-se em “significadores” do público,
operando, na verdade, uma privatização. Inseridos na pós-modernidade,
utilizando técnicas publicitárias, campanhas culturais, manuais de educação,
calendários de celebração e artifícios cívico-ufanistas, os movimentos de
disputa identitária militam sempre com a vontade de um absolutismo, o de
impregnar o “público” com seu semblante e alma, convertendo-se no espelho da
coletividade. Nessa circularidade, busca se apossar do sentido do público que,
na verdade, tem uma origem criada na própria fração que procura impor a sua
legitimação. Essa é a operação que acaba dando um poder aparentemente ilimitado
para todos os tradicionalismos, os quais, em suas engrenagens imanentes, se
transformam em movimentos fundamentalistas.
Na modernidade, as identidades gentílicas (com seus projetos de
educação, cultura e, mesmo, turismo) estão diretamente vinculadas ao valor de
seu “capital simbólico”, cujo dividendo deriva diretamente da história. O
“capital simbólico” é, em-si, o veículo mais coerente entre o pertencimento
identitário e o reconhecimento da contribuição de todos os segmentos formativos
da sociabilidade. É da liquidez do capital simbólico que advém o “rendimento
monopólico”. Ou seja, é a autenticidade, em primeiro lugar, que sustenta a
identidade gentílica. Esse valor representado dimensiona a credibilidade dos projetos.
Porém, como o saber depende da representação, a cultura se transformou em uma
mercadoria especial, notadamente, como escreveu David Harvey, “em formas
localizadas de vida, herança, memória coletiva e comunidades afetivas”. Em sua
esfera estão os artífices do espelho identitário, os quais postulam que o grupo
se reconheça neles, além de se elegerem como foco projetivo de um desejo
manifestado na preferência de ser percebido externamente.
Por mais inventivas, a credibilidade e a possibilidade de reconhecimento,
no aspecto simbólico, cultural e, mesmo, econômico, as identidades dependem de
uma dialética entre a história e as formas de representação.
Portanto, os projetos pós-modernos de construção das identidades
gentílicas, memorialistas, ou culturais, têm as suas consistências testadas
pelos elementos constitutivos de suas histórias, ao certificar a coerência da
autenticidade. Dessa forma, a densidade depende da seleção do capital
simbólico, a ser operado nas instâncias públicas (formação interna da consciência)
e na projeção externa, as formas de visualização para fora, a espera do
reconhecimento.
O Rio Grande do Sul, por processos compreensíveis, acabou consagrando
um “capital simbólico” de conteúdo conservador inspirado no mundo oligárquico.
Ao operar pela “oficialização” gentílica, reinventa-se e recria-se através dos
espaços da sociedade civil e do Estado. Os ideólogos e militantes
tradicionalistas, através da luta política, conseguiram estabelecer um
estamento burocrático de Estado, provendo suas existências e a organização que
representam. A estabelecerem e oficializarem o modelo, diversos mecanismos
desencadearam as “reproduções espontâneas”. A mídia, invariavelmente sustentada
pelas verbas públicas, se converteu no sistema capacitador de sustentação de
impressionante conteúdo imagético conservador.
Colocando-se como sucedâneo do mundo estancieiro, escolhendo seus
heróis entre a oligarquia escravocrata, especulando com a emotividade da
sacralização da espacialidade, implantando “espaços-marca”, o tradicionalismo
opera como um totalitarismo político e socialmente conservador, imaginando-se
como identidade gentílica e estamento no interior do Estado, revelando-se como
uma força anti-republicana. Sustentado no Estado, na sociedade civil e na
mídia, o “tautismo” gauchesco, como vício discursivo e comportamental fechado e
alimentado exclusivamente no “revir”, supera hegemonicamente os demais
segmentos identificativos do Rio Grande. O Brasil sulino, multicultural e
multi-étnico, ainda não depurou seus entulhos retrógrados, não absorveu as
outras visibilidades culturais, ou sequer estabeleceu conversações legitimadas
e equalizantes entre elas. Da especulação da emotividade à expressão da
indústria cultural na forma pilchada, o tradicionalismo impera sobre todos com
o espectro da identidade regional. Esta é a projeção vencedora dos indivíduos
que a inventaram e que a sustentam. Em sua origem, se fossem personagens com
outro universo mental, a identidade, como criação dos homens, seria diferente e
poderia ter, inclusive a mesma ou superior força telúrica.
Entretanto, as combinações de todas as forças emanadas no
tradicionalismo produzem o “revir”: uma sociedade voltada para o passado.
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