A elite reserva ao país o mesmo lugar exortado à Presidenta
A virtude, a civilização, a sorte do desenvolvimento e os
destinos da sociedade há muito deixaram de interessar a elite brasileira.
Dilma e Lula participam de plenária do PT em Pernambuco,
sexta-feira (13) à noite (Foto: Cadu Gomes/Agência PT)
Quando a elite de uma sociedade se reúne em um estádio de
futebol e a sua manifestação mais singular é um coro de ofensas de baixo calão,
quem é o principal atingido: o alvo ou o emissor?
Vaias e palavrões são inerentes às disputas futebolísticas.
Fazem parte do espetáculo, assim como o
frango e o gol de placa. A passagem de autoridades por estádios nunca foi
impune.
O que se assistiu no Itaquerão, porém, no jogo inaugural da
Copa, entre Brasil e Croácia, não teve nada a ver com o futebol ou deboche, mas
com a disputa virulenta em curso pelo
comando da história brasileira.
Sem fazer parte da coreografia oficial o que aflorou ali foi
a mais autêntica expressão cultural de um lado desse conflito, nunca antes
assumido assim de forma tão desinibida
e ilustrativa.
Encorajado pelo anonimato, o gado OP (puro de origem)
mostrou o pé duro dos seus valores.
Dos camarotes vips um jogral raivoso e descontextualizado
despejou sua bagagem de refinamento e boas maneiras sobre uma Presidenta da República em missão oficial.
Por quatro vezes, os sentimentos de uma elite ressentida
contra aqueles que afrontam a afável, convergente e impoluta lógica de
sociedade que vem construindo aqui há mais de cinco séculos, afloraram durante
o jogo.
Foi assim que essa gente viajada, de hábitos cosmopolitas,
que se envergonha de um Brasil no qual recusa a enxergar o próprio espelho,
ofereceu a um bilhão de pessoas conectadas à Copa em 200 países uma síntese dos
termos elevados com os quais tem pautado a disputa política no país.
Que Aécio & Eduardo tenham se esponjado nessa
manifestação dá o peso e a medida do espaço que desejam ocupar no espectro da
sociedade brasileira.
Dias antes, o
ex-Presidente Lula havia comentado que nem a burguesia venezuelana
atingira contra Chávez o grau de desrespeito e preconceito observado aqui
contra a Presidenta Dilma.
Houve quem enxergasse nessas palavras uma carga de retórica
eleitoral.
A cerimônia da 5ª feira cuidou de devolver pertinência à observação.
A formação virtuosa da infância, o compromisso com a civilização, a sorte do desenvolvimento e os
destinos da sociedade há muito deixaram de interessar à elite brasileira.
A novidade do coro contra
Dilma é refletir o desejo cada vez mais explícito de mandar o país ao mesmo lugar
exortado à Presidenta.
Ou não será esse o propósito estratégico do camarote vip ao apregoar o descolamento da sociedade
brasileira de uma vez por todas, acoplando-a à grande cloaca mundial de um
capitalismo sem peias, onde se
processa a restauração neoliberal
pós-2008?
Nesse imenso biodigestor de direitos e desmanche do Estado acumula-se
o adubo no qual floresce a alta finança desregulada, que tem nos
endinheirados brasileiros os detentores
da 4ª maior fortuna do planeta evadida em paraísos fiscais.
Estudos da The Price
of Offshore Revisited, coordenados pelo
ex-economista-chefe da McKinsey, James Henry, revelam que os brasileiros muito
ricos – que se envergonham de um governo corrupto-- possuíam, até 2010, cerca de US$ 520 bilhões em paraísos fiscais.
O passaporte definitivo
para esse ‘novo normal’
sistêmico requer a vitória, em outubro, das candidaturas que carregam no DNA o
mesmo pedigree da turma que deu uma pala na festa de abertura da Copa. Não
propriamente contra Dilma, mas contra o que ela simboliza: a tentativa de se
construir por aqui um Estado social que assegure aos sem riqueza os mesmos direitos daqueles que enxergam no espaço
público um mero apêndice do
interesse plutocrático.
A expressão ‘vale tudo’ descreve com fidelidade o que tem
sido e será, cada vez mais, o bombardeio
para convencer o imaginário brasileiro
das virtudes intrínsecas à troca
do ‘populismo’ pelo estado de exceção
de direitos e conquistas sociais, em benefício dos livres mercados.
A mídia está aí para isso, como se viu pela cobertura dos
fatos da última 5ª feira.
Trata-se de saber em que medida o discernimento social,
condicionado por uma esférica máquina de difusão dos interesses vips, saberá distinguir um caminho que desvie a
nação do futuro metafórico reservado a ela nos planos, agora explicitados, de sua elite.
A indigência do espírito público dos endinheirados
brasileiros, reconheça-se, não é nova.
Mas se supera.
O antropólogo Darcy Ribeiro foi um legista obcecado dos
seus contornos e consequências para a formação do país, a sorte de sua gente e
a qualidade do seu desenvolvimento.
Em um texto de 1986,
‘Sobre o óbvio – Ensaios Insólitos’, o criador da Universidade de Brasília, e
chefe da Casa Civil de Jango, iluminou os traços dessa rosca descendente,
confirmada 28 anos depois, em exibição
mundial, na abertura da Copa de 2014.
"Dois fatos que ficaram ululantemente óbvios. Primeiro,
que não é nas qualidades ou defeitos do povo que está a razão do nosso atraso,
mas nas características de nossas classes dominantes, no seu setor dirigente e,
inclusive, no seu segmento intelectual. Segundo, que nossa velha classe
dominante tem sido altamente capaz na formulação e na execução de projeto de
sociedade que melhor corresponde a seus interesses. Só que este projeto para
ser implantado e mantido precisa de um povo faminto, xucro e feio. Nunca se
viu, em outra parte, ricos tão capacitados para gerar e desfrutar riquezas, e
para subjugar o povo faminto no trabalho, como os nossos senhores empresários,
doutores e comandantes. Quase sempre cordiais uns para com os outros, sempre
duros e implacáveis para com subalternos, e insaciáveis na apropriação dos
frutos do trabalho alheio. Eles tramam e retramam, há séculos, a malha estreita
dentro da qual cresce, deformado, o povo brasileiro (...) porque só assim a
velha classe pode manter, sem sobressaltos, este tipo de prosperidade de que
ela desfruta, uma prosperidade jamais generalizável aos que a produzem com o
seu trabalho.
A primeira evidência a ressaltar é que nossa classe
dominante conseguiu estruturar o Brasil como uma sociedade de economia
extraordinariamente próspera. Por muito tempo se pensou que éramos e somos um
país pobre, no passado e agora. Pois não é verdade. Esta é uma falsa obviedade.
Éramos e somos riquíssimos! A renda per capita dos escravos de Pernambuco, da
Bahia e de Minas Gerais – eles duravam em média uns cinco anos no trabalho –
mas a renda per capita dos nossos escravos era, então, a mais alta do mundo.
Nenhum trabalhador, naqueles séculos, na Europa ou na Ásia, rendia em libras –
que eram os dólares da época – como um escravo trabalhando num engenho no
Recife; ou lavrando ouro em Minas Gerais; ou, depois, um escravo, ou mesmo um
imigrante italiano, trabalhando num cafezal em São Paulo. Aqueles
empreendimentos foram um sucesso formidável. Geraram além de um PIB prodigioso,
uma renda per capita admirável. Então, como agora, para uso e gozo de nossa
sábia classe dominante. A verdade verdadeira é que, aqui no Brasil, se inventou
um modelo de economia altamente próspera, mas de prosperidade pura. Quer dizer,
livre de quaisquer comprometimentos sentimentais. A verdade, repito, é que nós,
brasileiros, inventamos e fundamos um sistema social perfeito para os qe estão
do lado de cima da vida.
O valor da exportação brasileira no século XVII foi maior
que o da exportação inglesa no mesmo período. O produto mais nobre da época era
o açúcar. Depois, o produto mais rendoso do mundo foi o ouro de Minas Gerais que
multiplicou várias vezes a quantidade de ouro existente no mundo. Também,
então, reinou para os ricos uma prosperidade imensa. O café, por sua vez, foi o
produto mais importante do mercado mundial até 1913, e nós desfrutamos, por
longo tempo, o monopólio dele. Nestes três casos, que correspondem a
conjunturas quase seculares, nós tivemos e desfrutamos uma prosperidade enorme.
Depois, por algumas décadas, a borracha e o cacau deram também surtos
invejáveis de prosperidade que enriqueceram e dignificaram as camadas
proprietárias e dirigentes de diversas regiões. O importante a assinalar é que,
modéstia à parte, aqui no Brasil se tinha inventado ou ressuscitado uma
economia especialíssima, fundada num sistema de trabalho que, compelindo o povo
a produzir, o que ele não consumia – produzir para exportar – permitia gerar
uma prosperidade não generosa, ainda que propensa desde então, a uma
redistribuição preterida.
Enquanto isso se fez debaixo dos sólidos estatutos da
escravidão, não houve problema. Depois, porém, o povo trabalhador começou a dar
trabalho, porque tinha de ser convencido na lei ou na marra, de que seu reino
não era para agora, que ele verdadeiramente não podia nem precisava comer hoje.
Porém o que ele não come hoje, comerá acrescido amanhã. Porque só acumulando
agora, sem nada desperdiçar comendo, se poderá progredir amanhã e sempre. O
povão, hoje como ontem, sempre andou muito desconfiado de que jamais comerá
depois de amanhã o feijão que deixou de comer anteontem. Mas as classes
dominantes e seus competentes auxiliares, aí estão para convencer a todos – com
pesquisas, programas e promoções – de que o importante é exportar, de que é
indispensável e patriótico ter paciência, esperem um pouco, não sejam
imediatistas. O bolo precisa crescer; sem um bolo maior – nos dizem o Delfim lá
de Paris e o daqui – sem um bolo acrescido, este país estará perdido. É preciso
um bolo respeitável, é indispensável uma poupança ponderável, uma acumulação
milagrosa para que depois se faça, amanhã, prodigiosamente, a distribuição.
A classe dominante brasileira inscreve na Lei de Terras um
juízo muito simples: a forma normal de obtenção da prioridade é a compra. Se
você quer ser proprietário, deve comprar suas terras do Estado ou de quem quer
que seja, que as possua a título legítimo. Comprar! É certo que estabelece
generosamente uma exceção cartorial: o chamado usucapião. Se você puder provar,
diante do escrivão competente, que ocupou continuadamente, por 10 ou 20 anos,
um pedaço de terra, talvez consiga que o cartório o registre como de sua
propriedade legítima.
Como nenhum caboclo vai encontrar esse cartório, quase
ninguém registrou jamais terra nenhuma por esta via. Em consequência, a boa
terra não se dispersou e todas as terras alcançadas pelas fronteiras da
civilização, foram competentemente apropriadas pelos antigos proprietários que,
aquinhoados, puderam fazer de seus filhos e netos outros tantos fazendeiros
latifundiários. Foi assim, brilhantemente, que a nossa classe dominante
conseguiu duas coisas básicas: se assegurou a propriedade monopolística da
terra para suas empresas agrárias, e assegurou que a população trabalharia
docilmente para ela, porque só podia sair de uma fazenda para cair em outra
fazenda igual, uma vez que em lugar nenhum conseguiria terras para ocupar e
fazer suas pelo trabalho. A classe dominante norte-americana, menos previdente
e quiçá mais ingênua, estabeleceu que a forma normal de obtenção de propriedade
rural era a posse e a ocupação das terras por quem fosse para o Oeste – como se
vê nos filmes de faroeste. Qualquer pioneiro podia demarcar cento e tantos
acres e ali se instalar com a família, porque só o fato de morar e trabalhar a
terra fazia propriedade sua. O resultado foi que lá multiplicou um imenso
sistema de pequenas e médias propriedades que criou e generalizou para milhões
de modestos granjeiros uma prosperidade geral. Geral mas medíocre, porque
trabalhadas por seus próprios donos, sem nenhuma possibilidade de edificar
Casas-grandes & Senzalas grandiosas como as nossas".
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Ainda sobre a Copa e o que a rodeia
Por Sebastião Pinheiro
Muitos olhos, no sistema solar estão voltados para o país e
até animais domésticos assistem os jogos compenetrados, mas os últimos dias
foram pródigos e não por nervosismo nos negócios futebolísticos:
O juiz (?)
afirmou não existir religiões de raízes africanas no país; O supremo ministro
(?) concedeu liminar libertando todos os presos da “Operação Lava a Jato”,
voltou atrás, mas deixou o principal acusado detentor de passaporte da União
Européia livre. Reconduzido à prisão quando se soube pela justiça helvética
possuir 23 milhões de dólares provenientes de dinheiro público naquele país; O
supremo presidente (?) usou seu “poder” contra a “força” do defensor do
condenado; A contestação do artilheiro da seleção foi repelida pela mandatária
maior (?) com o indelicado “complexo de vira-lata”; Torcedores (?) em uníssono
ofenderam os telespectadores do planeta ao desrespeitar a investidura da
primeira mandatária; O presidente mentor (?) a desagravou com uma “rosa
branca”, mas vociferou que os delinqüentes eram “riquinhos”, “branquinhos”,
“bem alimentados” e “cretinos” de forma nada digna.
A sensação é de náuseas. Saudades do “roupa suja se lava em
casa”. As interrogações acima demonstram inaptidão no exercício de poder, pelo
vício recorrente de utilização de força como se tal fosse. As elites nacionais
são forjadas acreditando que força é poder e o pobre que é um despossuído de
ambos, por isso as interrogações acima continuarão impunes e gozarão de
imunidade sempre, pois a corrupção é aceita como exercício de poder e não como
forma ilegal do uso da força. Essa é a diferença com Japão, Inglaterra ou
Alemanha e isso foi aprendido no largo período denominado idade média
(feudalismo).
O segundo aspecto é a compreensão que separa o artista, do
político. O artista conhece o limiar de sua inspiração e tenta ampliá-la com a
fantasia. Muitos usavam artifícios como a “Fadinha Verde” (la fée verte), hoje
massificada e vulgarizada nas drogas: (o agrotóxicos que vitima o camponês para
produzir alimentos; o Medicamento que produz saúde; O alimento industrial que
aliena e aniquila família e sociedade; O estudante desmotivado; O bandido sem
coragem para sua ação, e todos os outros na ciranda mercantil.)...
É muito antigo o uso de propaganda & publicidade, mas
somente onde há uma escala de valores é possível separar “intenção” e “produto”
ou “valor” de “preço”. A escola somente impõe valores cidadãos onde houver
políticas públicas sem disfarces ou maquiagem como valor supremo da cidadania.
Logo a má criação, ofensa, crime e contravenções são abusos de poder desde o:
“Você sabe com quem está falando”; “Ele é negro, mas sabe o seu lugar”; “É
pobre, mas é limpo” ao “Rouba, mas faz” e outras arrogâncias e ignomínias da
ignorância.
Entristecido li no UOL o desagravo de uma “rosa branca” à
Sra. Presidente o que me fez lembrar a figura dos irmãos Hans e Sophie Scholl,
fundadores da entidade pacifista de resistência às atrocidades alemãs enquanto
estudantes da Universidade de Munique através de denúncias do que haviam
testemunhado no front e áreas de ocupação, inclusive os campos de extermínios.
Foram condenados e decapitados quando os nazistas já sabiam de seu fim. (foto)
A entidade se chamava “A Rosa Branca” (Weisse Rose).
O artista busca ampliar infinitamente a fronteira de sua
criação, onde múltiplos e complexas cifras e códigos são construídos, mas o
político cingido a objetivos mercadológicos, sem importar-se com a diferença
entre poder e força se nivela ao ditador, pois não percebe o diáfano da
publicidade e propaganda cujo produto atende única e exclusivamente o mercado
efêmero...
“O único pensamento que sobrevive é aquele no limiar de sua
destruição” ensina a complexidade, mas ressaca e dependência é o preço à
ousadia do artista. Descrédito e subordinação é o futuro imposto ao político
pelo sistema.
Ainda haverá tempo para os ensinamentos de Machado (em
Cantares y Provérbios (LXVIII – Todo necio confunde valor y precio)? Até quando
(?) Pindorama.
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