Saí para ir ao mercado comprar erva-mate, pois amanhã começa
o Mundial de Futebol. Ao passar pela subestação de eletricidade da cidade
(Porto Alegre) deparei com um soldado do exército armado para combate. Ele
estava tenso... Continuei meu caminho pensando. Não é uma festa internacional
da qual somos anfitriões, naquilo que mais gostamos de fazer. E muitos não
entendem que quando perdemos, somos magnânimos em aplaudir o vencedor sem
perder a dignidade, talvez por isso sejamos entre muitos povos reconhecidos
como pessoas cordiais, alegres, e poderíamos exagerar dizendo que até
relativamente irresponsáveis ou exagerados nesses aspectos.
O que tira o soldado do quartel, pois violência, rebelião,
intolerância não são componentes vigentes na nossa Sociedade. Continuei
pensando e me veio na memória um livro. Um dos livros mais belos de minha
juventude foi escrito pelo espanhol Vicente Blasco Ibañez “Os quatro cavaleiros
do Apocalipse”. Tive a sorte de lê-lo no original enquanto estudava na
Argentina naqueles anos de chumbo que já se iniciavam (1967) na primeira década
de agonia do que fora o país mais rico do mundo sem ter subjugado outros e sem
as desigualdades que começavam a exorbitar pelo mundo com a Ordem pós Segunda
Guerra Mundial. O livro é um panegírico àquele povo e nação.
Sua leitura obrigou-me estudar “Martin Ferro” de José
Hernandez, “La Bíblia Gaúcha” como diziam colegas de faculdade e, por dever de
ofício perceber como a fertilidade do solo se transformava em riqueza e atraía
a colonização européia ao país (infelizmente sem as mesmas oportunidades para
seus aborígenes Pehuelches, Tehuelches, Mapuches, Tobas, Wichis, Guaranis).
A Argentina foi o refúgio de milhares de fugitivos desde
escravos do Império vizinho aos perseguidos pela fome, miséria, crenças e
guerras. Tábua de salvação e esperança para milhões de desgraçados cujo êxito
sócio, cultural, econômico a história é o argumento que o primeiro livro
retrata, mas pouco compreensível sem a leitura da “Bíblia gaúcha” que ensina o
sincretismo na estruturação do comportamento ético e poder social espelhado em
muito nos jacobinos. País onde os níveis de desigualdades ficam irrisórios ou
atenuados com políticas públicas deveras interessantes tanto por B. Irigoyen,
Croto, Palácios e depois Perón (Evita).
Estou me referindo a esse país que tem em seu acervo cinco
prêmios Nobel, pois na periferia das cidades por todo o país há cartazes e
aviso de risco de linchamento. O que espanta é que a totalidade das vítimas de
justiça pelas próprias mãos são jovens nascido há menos de trinta anos, já no
período de democracia restaurada e com a nova Ordem Mundial, unilateralismo da
OMC, nos meios diplomáticos apelidado de “Consenso de Washington”.
O pior é que a realidade argentina é a mesma no México,
Bolívia, Peru, Equador, Brasil, Guatemala e de toda a América Latina, ou seja,
é algo que transcende, supera as sociedades locais: É a violência, pior doença
que assola a humanidade e nos últimos vinte anos ela vem grassando como
epidemia de forma exponencial pelo mundo que vê crescer vertiginosamente alguns
bilionários e as levas de miseráveis.
As ditaduras foram substituídas por “democracias”, mas as
desigualdades culminam, mesmo com governos que faziam discurso popular,
populista, social democrata ou “esquerdista”. O que perdemos que leva a esse
desencadear ou retrocesso civilizatório?
Não é compreensível que países que fizeram sua revolução
nacional sofram tal tipo de violência, que atinge as raias do absurdo, enquanto
governantes se preocupam em oferecer condições subjugar a cidadania aos
interesses financeiros de grandes corporações internacionais e elite nacional,
por exemplo, qual é o maior consumidor per capita de Coca-Cola no planeta?
Ao procurar no Google fotos dos recentes linchamentos na
América Latina, encontrei também fotos de vítimas de linchamento nos EUA após
os anos 30. A grande maioria era de cidadãos negros e os linchadores estão satisfeitos
sorrindo, inclusive as crianças. No recente linchamento no Brasil o frenesi era
o registro com o celular com a mesma indiferença, ódio e até alegria. É o
mimetismo de “valor” por “preço” o indutor da barbárie fratricida? Que leva à
perda de respeito para poder consumir e logo existir?
Na Bósnia vimos isso na década passada sem disfarces. Nos
EUA esta “higienização” começou com a “Ku Klux Klan” na expulsão dos negros das
atividades rurais autônomas e confisco de suas terras (recém concedidas na abolição
da escravidão, resultado da Guerra Civil) e segregação dos brancos solidários
(carptbaggers, scalawags), tolerantes ou indiferentes tratados de forma
similar. Isto foi cada vez mais encoberto na consolidação do “stablishment”
(governo, concessões de serviços públicos e publicidade).
Esmaece o ocorrido na Revolta de Watts (Los Angeles, 1965)
revolta dos negros que fez emergir a legislação de “Direitos Civis” nos EUA.
Sequer refletimos sobre o ocorrido dez dias antes do início dos Jogos Olímpicos
do México (1968), onde mais de duas centenas de jovens foram massacrados e mais
de 1.500 presos. Quem lembra o ícone dos punhos esquerdos enluvados erguidos
pela consciência de atletas cidadãos de segunda classe (Black Power, Black
Panthers), imediatamente destituídos e expulsos da Vila Olímpica. Por quê?
Tanto a Olimpíada quanto a Copa Mundial de Futebol é negócio de mafiosos.
Fizeram-nos mudar uma lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos
estadios. Pobre Soldado, que talvez nem sequer possa ver o jogo pela TV e
ficará mais insatisfeito.
As cicatrizes norte-americanas voltaram abrir em Los Angeles
em 1992 (Rodney King); repetiu-se sincronizada com o ocorrido na Conferência da
OMC em Seattle (1999) e Flórida em 2013 (julgamento do assassinato de Trayvon
Martin). Já Londres e Vancouver em 2012 estiveram sincronizadas com a mesma
realidade de perda de qualidade cidadã.
Parece que o “KKK” em marcha sobre Washington (foto) ganhou
um novo K, de “konsum” e expandiu-se como modelito para o mundo.
Há um quinto K (de “Kloran” utilizado nos meios
concessionados de comunicação). A FIFA distribuiu material pedagógico nas
escolas de Porto Alegre com propaganda de interesse da “Food Industry” em
enganar com alimentos cheios de sal, gordura e açúcar.
No mercado tive uma surpresa, a erva-mate aumentou quase dez
por cento. É eu sou um “croto” na acepção hermética da palavra.
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