terça-feira, 3 de junho de 2014

Tião, e a Semana do Meio Ambiente

Naom Chomsky disse (UOL, 2/7/14): “Nos últimos vários meses, recebemos lições instrutivas sobre a natureza do poder do Estado e as forças que conduzem a política de Estado. E sobre uma questão intimamente relacionada: o sutil e diferenciado conceito de transparência. A fonte da instrução, é claro, é o grande número de documentos sobre o sistema de vigilância da Agência Nacional de Segurança divulgados pelo corajoso combatente da liberdade Edward Snowden, peritamente resumidos e analisados por seu colaborador Glenn Greenwald em seu novo livro, "Sem Lugar para se Esconder".”

Por Sebastião Pinheiro
(enviado pelo autor para publicação)

Estamos na Semana do Meio Ambiente e já não há lugar para ingenuidade. Ela nasceu dentro do Banco Mundial e cristalizou-se na Conferencia das Nações Unidas em Estocolmo em 1972 que a impôs “Urbi et Orbi”. Todos partiram a defender a Natureza formatada pelos poderosos, até mesmo em um país que tem seu nome não de uma árvore, mas de uma das primeiras commodities no mercado (1560). Os países ricos interpretaram a nova Ordem, como a necessidade de controle da poluição (Limites do Crescimento), seu problema maior e desenvolveram as tecnologias acorde com sua realidade, já os pobres entenderam, como sempre, que deviam comprar a cara tecnologia gerada por eles para modernizar-se. O autoritarismo subalterno lançou o lema que a pior forma de poluição era a fome e que o desenvolvimento traria trabalho e riqueza. Em nossas comemorações ambientais é interessante perguntar quanto do PIB dos países ricos advêm da exportação de tecnologia e serviços ambientais para países com fome e em desenvolvimento. Sem sombra de dúvida esse valor é superior a 20%, mas sua melhora na busca da sustentabilidade o elevará para mais de 40%. O pior é que em função da matriz química e mentalidade autoritária e elitista não se observe a tecnologia ambiental precisa desenvolver-se acorde com a natureza, ambiente e estágio de uma sociedade e não ser importada em “caixa preta” ou para “girar a chave”.

Foi criada a Secretaria do Meio Ambiente na Presidência da República como determinado pelo Banco Mundial, GATT, UNIDO, FAO, UNEP e depois começou a se formar uma casta de tecno-burocratas nos órgãos ambientais, caricatos daqueles instalados nos países ricos.

Porto Alegre, capital gaúcha foi uma das exceções, pois seu meio ambiente começou antes da Conferencia de Estocolmo e já tinha sua entidade mater a AGAPAN fundada em 1971, dois anos antes daquela Conferencia em função das raízes culturais local, atividade econômica predominante e precursores que ensinaram o amor a natureza (Rambo, Roessler, Quintas, Muxfeldt e muitos outros anônimos em meio à sabedoria ancestral). Isso provocou uma primeira fratura entre o Meio Ambiente do Banco Mundial e a Defesa Ambiental na Sociedade Porto-alegrense.  Marcante quando o Município de Porto Alegre sem direito a eleger seu prefeito teve criada a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM-PMPA) com o objetivo claro de controlar e atenuar os impactos positivos das ações da referida entidade sobre a cidadania.      

Alguns poderão dizer que a ação da Defesa Ambiental foi uma reação à agressão da Empresa de Celulose norueguesa, mas o mais interessante é que Porto Alegre tornou-se Meca mundial para questões como Conservação do Solo, Agrotóxicos, Agricultura Alternativa (Orgânica), Reciclagem de Lixo, Educação Ambiental autóctone, Respeito à Natureza e muitos outros itens acompanhando par e passo a discussão dos problemas das tecnologias implantadas como no centro gerador delas e não como na periferia (Marinni).     

Essa semana não é de festejo, mas de contrição para lembrar alguns que se foram uns famosos, outros queridos, e todos respeitados.  Lá fora as situações evoluíram de forma negativa, pois o “poder da natureza cidadã” não foi respeitada e dias a dia e vemos um retrocesso avassalador sobre todo o patrimônio e memória construída com tanto sacrifício.

A empresa de celulose que esteve fechada por poluição aérea. Foi posta sob intervenção e finalmente comprada pelo governo obrigando-se a elaborar tratamento de efluentes mitigando uma parte de seus impactos negativos, o que jamais havia ocorrido em qualquer país do mundo. Depois sua ampliação provocava audiências públicas com debates candentes e bem polarizados.  Hoje não provoca o mesmo frisson.

Na ditadura o poder da defesa ambiental era tão grande que o General Geisel para granjear simpatia baixou um decreto em 1976 sobre a proibição dos detergentes duros derivados de petróleo (Sulfonato de Dodecil Benzeno), mas ele só entraria em vigor no dia 31 de dezembro de 1980. Foi respondido através da imprensa, que ninguém deveria se surpreender, pois no dia anterior àquela data ele seria revogado, como de fato ocorreu.

Em 1980 o RS foi o primeiro da periferia a proibir a comercialização de fungicidas mercuriais usados criminosamente por grandes corporações internacionais.  A dimensão do escândalo fez com que o país se obrigasse a proibir os mesmos em todo o território nacional. No ano seguinte a presença de resíduos de inseticidas organoclorados persistentes e cancerígenos na água do DMAE levou a que um governador não eleito democraticamente baixasse um decreto proibindo aqueles e instituindo o Receituário Agronômico para a compra de agrotóxicos, o que levou a imediatamente a criação da Lei Estadual dos Agrotóxicos que para ter sua validade chegou até a Suprema Corte e serviu de “modelo a toda terra” sendo copiada e adaptada por mais 20 estados da federação. Nesta mesma época vimos o embate poderoso entre a AGAPAN (personificada no Prof. Lewgoy) e um leque de entidades jovens enfrentarem e vencer a “Batalha do Pólo Petroquímico” ainda sob o regime da ditadura.

Contudo internacionalmente na década de oitenta começava a delinear-se a mudança na Ordem Mundial e  estruturação de uma nova matriz tecnologia, onde a biotecnologia começava a suplantar a química de síntese.  Os instrumentos da Ordem Internacional (Banco Mundial, GATT, UNIDO) iniciaram sua rodada em Punta del Este no Uruguai.  Em pouco tempo começaram a reverter muitas conquistas gaúchas.
A proibição de fungicidas mercuriais deixava de ter efeito no Brasil e em todos os países da América Latina, mas era mantida para os produtos desses enviados para os EUA. Era uma nova realidade silenciosa, suja e encoberta que chegava sorrateiramente.  Pior nenhuma norma ambiental ou de saúde podia impedir o livre comércio entre nações e mercados, mas continuavam válidas para os países ricos.

Não havia uma preocupação maior, pois se possuía um espaço público onde se construía a maior feira de alimentos orgânicos jamais existentes no mundo, mas não era um mercado ou feira livre, era um espaço cultural que nem Suécia ou Alemanha tinham parecido. “A sempre Leal e Valerosa” e o RS era referência ambiental no Planeta.

Mas nem tudo foram flores e alegria.  Um exemplo é a introdução, primeiro clandestina do javali, depois com o apoio da nova Ordem fazendo que o órgão ambiental (IBAMA/RS) impotente e corrompido não atuasse. Hoje temos o desastre com a morte de ovelhas, bovinos, cães já em escala de grandes prejuízos econômicos. Logo teremos as mortes de humanos entre crianças e peões como sói ocorrer na Argentina, Uruguai e Canadá, além da disseminação de novas doenças (Triquinose, Leptospirose, Leishmaniose). Não só o órgão executivo, mas os controladores do judiciário foram alertados reiteradamente.  O mesmo aconteceu com a importação de pneus meio-usados, uma solução para os países ricos e um problema de saúde ressaltado pela dengue e lixo.

O maior impacto foi a compra pela Prefeitura de um Incinerador de Lixo de um correligionário, com uma CPI e um escândalo de repercussão nacional.  O problema volta no mesmo governo com uma lei sancionada para o retorno da incineração de lixo geradora de Dioxinas ameaçando a cidade e a organização social dos catadores (do grande ambientalista o Padre Secchin). Todos estão desesperados, uns pelos compromissos com o crédito BNDES.  É que a questão ambiental antes era política pública e os militantes ambientais (ecochatos). Hoje o meio ambiente é “propaganda”, lobby político desastrado e negócios, que pode ser lido na construção da Estrada do Sol no governo Simon ou no Território Livre de Transgênicos, embora existisse lei nacional e estadual para impedir.  Antes se denunciava a contaminação de alimentos. Hoje se justifica que o antibiótico no vinho não é tóxico.  A ética se esgarça dia a dia com o crescimento autoritário do Estado Híbrido.

O país é o primeiro consumidor de agrotóxicos no mundo e todos fazem uma campanha denunciando isso, sem se perguntar como os EUA que têm uma agricultura oito vezes maior que a nossa é o segundo e logo será o terceiro consumidor, enquanto que nas universidades professores prestam serviço para a velha ordem.  A grande derrota foi a mudança de comportamento dos meios de comunicação (concessão pública).  Não há mais espaço para o contraditório, apenas o interesse proprietários e redatores. Os perigos e riscos dos “inços mutantes” criadas pelas sementes transgênicas foram avisados com uma década de antecedência, mas agora silenciam quando o problema surgido propõe uma solução (Paraquat) que faz a emenda ficar pior que o soneto e a justiça libera. O professor universitário diz há que flexibilizar as leis e o artista faz dois filmes sobre o veneno à mesa. Messianismos rumo à impotência cidadã enquanto as abelhas de 120 milhões de anos de existência se extinguem assinalando a trilha para a humanidade. 

A lei nacional feita por gaúchos impediu o registro de Paraquat há trinta anos, mas ele continuava em uso em todo o país. A lei estadual gaúcha não permite o seu cadastro e comercialização no Estado, mas a mídia ignora que ele é banido na União Européia e que já existem 45 biótipos de inços mutantes resistentes ao Paraquat. Somo aculturados por interesses corrompidos a natureza é mercadoria e não mais cidadania.

Como Cassandra, da mitologia grega ficamos desesperados, não por vermos o que foi antecipado ocorrendo, mas pela perda de cidadania ambiental, pelo consumo do meio ambiente e natureza como um novo item de alienação em meio ao alto índice de intolerância, saques, linchamentos e revoltas, que tendem a crescer até o nascimento do Estado Nacional Híbrido do Século XXI, onde a natureza será um componente no mercado, como a saúde, educação e cidadania.


Quarenta e três anos depois se pode afirmar o 5 de junho está para a Conferência na Suécia, como a data da fundação da AGAPAN está para a Defesa Ambiental no RS ou o nascimento do Cacique Seattle para o Estado de Washington, afinal liberdade é consciência e cultura. Alienação é somente negócio. Comunguem. 

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