quinta-feira, 11 de junho de 2015

Sobre o Sagrado e o Profano


Essa foto, da Paradada Gay de São Paulo, registra a performance de uma transexual, em denúncia à brutal violência que os GLBTTs são vítimas naquela megalópole. A imagem circula nas Redes e está provocando intensos debates na internet e nos meios religiosos e políticos; provocou também um diálogo meu com uma amiga que muito estimo. Resolvi reproduzi-lo no blog, a título de contribuição a reflexão. Identifico minha colega por “Maria”, já que não tenho sua autorização para divulgar o debate com sua assinatura.

Maria - desnecessário.Equivocado. Esperem provocações e desrespeito do outro lado agora! Vão esperar calados?

Ronaldo Martins Botelho - Sinceramente, creio que a questão é maior e mais delicada. Cristo teve - e tem - sentidos específicos, conforme épocas, etnias e contextos diferentes. Aqui, a sua figura é metaforizada para uma questão atual e extremamente pertinente. Assim como as escrituras, o sentido de um simbolismo religioso pode ter variadas interpretações, porque diversificados são os cristãos. E isso não pode, e não deve, pretender ser monopolizado. Quanto mais quando a questão é a defesa da vida. A menos que isso seja considerado como algo desprezível.

Maria - Alguns dos cristão não aceitam a homosexualidade. É do direito deles não aceitarem (partindo do mesmo principio democrático de que é do direito de alguns aceitarem) Desta forma não gostam e não aceitam que seu símbolo maior, seja comparado a um homesexual, ou a uma mulher.Não julgo se isso está certo ou errado.Nem se tem mais de um significado ou não.Julgo o respeito ao que os outros pensam e acreditam e aceitam. Isso não foi respeitoso com o outro. Veja que quem pensa assim, e não aceita isso normalmente, não põe chapéu algum.Ele apenas pensa diferente. Para mim ele pode estar errado.Mas ele tem certeza e tranquilidade com ele mesmo para achar que está certo. E desde que não ataque ninguem, ele tem o direito de pensar como quiser. DESDE QUE NÂO ATAQUE NINGUEM. Neste caso, esta pessoa que pensa, inclusive diferente de mim, esta sendo atacado. Extingue-se a obrigação de ele não atacar. E por aí vamos. Sem bom censo e sem REALMENTE exercitar o direito do livre pensar, não vamos terminar com a violência entre os diferentes. Uma pena.

Ronaldo Martins Botelho Bem notado, Maria, "Desde que não ataque ninguém"; o problema é que cabe um relativismo gigantesco nessa afirmação. Cresci, por exemplo, estudando em escolas públicas que exibiam um crucifixo grande em todas salas de aula - vi, após, que universidades, hospitais e outros órgãos públicos também reproduzem isso até hoje, o que pode ser visto como provocação contra pessoas de outros credos. Um ataque. Há religiões que sacrificam animais em rituais, e consideram um ataque discriminatório o simples questionamento a tais práticas. Beijar em público, para os muçulmanos, é ofensivo, um ataque a moral pública. As mínimas atitudes podem incomodar quem assume o direito de enquadrar o outro em uma normalidade que venera como necessária. Na minha modesta opinião, a fé poderia ser uma opção individual, sem nenhuma pretensão de implicar o outro nela - seja de que espécie, sexo ou gênero for. Mas não é. E enquanto isso ocorrer, ela se cultivará como instrumento de guerra. Real ou simbolicamente. Infelizmente.

Maria - É. Olho e acredito que para os simpatizantes da causa não tem desrespeito.É o que acho.Mas acho tambem que para quem não é simpatizante, tem sim desrespeito.Só isso!

Maria - Então pensa comigo: se um crucifixo na parede pode parecer provocação me parece obvio q aos olhos de um cristão um beijo homosexual na rua tambem seja. A violencia só vai terminar se for possivel q o crucifixo continue na parede e o beijo sexual aconteça nas ruas tambem.

Ronaldo Martins Botelho Acredito também na possibilidade de tal performance expressar desrespeito, Maria. Mas, insisto, nada vejo de novidade ou de pernicioso no fato de as religiões e as tradições serem chamadas ao diálogo com a vida social na qual estão inseridas. É importante lembrar que a Cruz não é propriedade do cristianismo, visto que, não só Jesus foi crucificado. É uma iconografia que é patrimônio da humanidade, como nota bem o deputado Jean Wyllys. Mas há, se quisermos, outras situações e atitudes que estão por aí em nossa sociedade, introjetadas culturalmente por religiões -que se converteram em normalidade (e até Lei, em alguns casos), ainda que possam ser consideradas como desrespeito a crenças, ou ausência delas, como já assinalei em outro debate lá atrás. E, curiosamente, pouco ou nada incomodam os cristãos. Por outro lado, lembremos que o próprio cristianismo legitima diferentes possibilidades de olhar o ser humano e o que o cerca. A mesma Bíblia que identifica Maria Madalena como pecadora, por exemplo (Lucas, 8:2), também vai descrevê-la, no Novo Testamento, como uma das discípulas mais dedicadas de Jesus Cristo, sendo ainda, considerada santa por diversas denominações cristãs. A propósito, esse exemplo pode ser bem emblemático para analogias a partir do caso em questão, não? Além de protestos e ódio, relações desse tipo geram também reflexões, como está ocorrendo. Quiçá provoquem novas visões e sensibilidades positivas. Acredito nisso. Você não?

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