Na minha tenra infância combati a felonia com a natureza, talvez por razões religiosas; A coisa mais triste era encontrar um sapo com a boca costurada. Todos tinham pavor do animal, condenado pela ignorância a uma morte cruel; mas o pior, é que, na comunidade, a quase totalidade acreditava que não se podia chegar perto do anfíbio, porque “o mal”, a inveja, o despeito ou o ódio podia pegar no incauto.
Mas, aprendi como Vô Nonô, um velho “ex-escravo”, que ao
ver-me preocupado em descosturar a boca de um sapo-boi, untanha (Ceratophrys
ornata) preveniu-me a jamais tocar na pele de qualquer sapo. “Use a folha de
inhame (Colocasia sp.) ou mamona (Ricinus sp), mesmo assim, depois lave bem as
mãos com urina. A gosma da pele do sapo é um veneno perigoso, embora alguns
tardem muito tempo em atuar, sempre leva à morte”.
Como ele sabia tudo isso, se não sabia sequer ler? Fiz de
tudo para pertencer à sua Escola...
Vocês não imaginam, depois desses cuidados, quantos sapos
abri a costura e as coisas absurdas que tirei de suas bocas: retratos, cabelo
humano, pedaços de roupa, brincos, até um batom.
Lavava o bichinho e depois o levava para um lugar mais
protegido. Aprendi a respeitar os batráquios, não pela deusa Heqet dos
egípcios, ou Chaac, dos Mayas, mas por sua metamorfose estranha para qualquer
criança; embora tenha exultado, na universidade, quando aprendi que algumas
múmias incas traziam o sapinho de ouro indicativo de precaução para quem viesse
encontrá-los. Sábio Vô Nono.
Os livros dizem que Francisco Orellana foi um dos primeiros
que relatam o uso do sapinho “muiraquitã” pelas amazonas, talhado em jade
(Amazonita), emblema da Juquira Candiru Satyagraha.
Há uns trinta anos, em uma das viagens de apoio ao agrônomo
Nasser, no Espírito Santo, soube que ele já encontrara, no Hortão de Cachoeiro
do Itapemirim, minúsculos sapinhos coloridos. Regeneração de espécies da Mata
Atlântica. Repassei a ele o que aprendera com o Vô Nonô. Nasser tinha amizade
com Augusto Ruschi e sabia que o cientista fora envenenado, no Amapá, ao
coletar alguns sapinhos Dendrobatas para um amigo cientista.
Um dos sapinhos mais perigosos é o dourado Phyllobates
Terribilis, que pelo que se sabe, não existe na Mata Atlântica, apenas na
Amazônia, entre a Colômbia e o Panamá. A secreção da pele de apenas um sapinho
de 3cm de comprimento pode matar dez mil ratos ou 20 humanos adultos. O
estranho é que o ele adquiri o seu veneno através de sua alimentação de um tipo
de inseto coleóptero, popularmente conhecido como “burrinho” (Epicauta sp).
No sertão do Piauí, estes insetos são atraídos pela luz e
sua “urina”, secreção causa uma queimadura terrível, pelo que são chamados
educadamente de “caga-pimenta”. Seguramente, os genes de formação, no inseto, e
de transformação, no anfíbio, já são de domínio para biossíntese de armas, e
depois, para outros produtos comerciais.
Estava nesse devaneio matinal, quando recebi uma bonita
carta do amigo João Batista Martins, de Rio Novo do Sul, no Espírito Santo,
quem não vejo há mais de 25 anos. Na sua casa, comi “Olho de Sogra” feito com
carambola (Averrhoa Carambola), doce de jaca (Artocarpus heterophyllus) e
bolinho de fruta-pão (Artocarpus communis). Sim é uma felonia destruir a
natureza.
O trabalho feito pelo Nasser era algo muito além de um
Hortão, onde a Prefeitura Municipal distribuía alimentos de altíssima qualidade
para as obras sociais do município, em especial, a merenda escolar; sem nenhum
alarde, ideologia ou coisa parecida, em 1984, que serviu de modelo para a Lei
do Estado de Santa Catarina para merenda escolar.
Quando o prefeito Valadão foi substituído, o novo prefeito,
Ferraço, quis destruir o Hortão, mas ficou totalmente inerme, quando foi lhe
dito que uma Associação Internacional de Agricultura Orgânica, sediada em
Paris, tinha 250 mil dólares para doar para a manutenção do Hortão. Os olhos do
político ficaram vitrificados.
Era parte, do trabalho do Nasser e do jornalista Ronald
Mansur ajuda o MEPES – Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo
responsável por duas dezenas de Escolas Famílias no sistema de alternância.
Dizer que eles não tinham muitos recursos é eufemismo, pois eles careciam de
tudo. Lembro que doei 400 exemplares do livro “Biotecnologia, Muito Além da
Revolução Verde” para o pagamento dos professores e serviços.
Foi assim que causei espanto ao amigo João Batista Martins
quando estava assistindo o casamento da filha dele na igreja. Ele exclamou
espantado: “Sebastião, dentro da igreja!”. Fama, fruto de ação sempre radical.
Sorrindo respondi: Já fui coroinha na minha infância, mas internamente lembrava
as passagens do romance épico “Beau Geste” de Percival Christopher Wren.
O tempo passou, e o Hortão, antes de ser destruído pela
vontade do Prefeito, recebeu da BBC de Londres o Prêmio de uma das 4 melhores
inovações tecnológicas no planeta, no ano de 1993. A sabedoria e a ideologia no
trabalho do Nasser não foi respeitada por inveja, ódio, despeito e felonia.
O João B. Martins foi vice-prefeito de Rio Novo do Sul, está
com 82 anos, goza de boa saúde, e já tem bisnetos. Já devolveu à Mata Atlântica
dezenas de milhares de árvores, sendo reverenciado até nos Estados Unidos.
Naquele então, em uma das visitas que fizemos à sua
propriedade, acompanhando o Nasser e o Lutzenberger, ele contou a história que
seu avô para evitar o corte das árvores da propriedade, colocava nas mesmas os
nomes dos netos e nos fez plantar uma árvore cada um. O Nasser plantou um “ipê
amarelo” (Tabebuia chrisotricha), o Lutz um “ipê roxo” (T. impetiginosa) e eu
uma “farinha seca”, que estudei como Pithecellobium Niopoides, uma Leguminosa
Mimosoidae, mas hoje é Albizia niopoides, Fabaceae, Mimosoideae, que os
guaranis chamam de “Yvirá jy”.
Vejam, pela foto que a mesma já superou os sete metros de
altura, e tem vinte centímetros de diâmetro a altura do peito (Foto). Naquela
época, levei para o ES uns 10 quilos de sementes de cinamomo gigante (Melia Azedarach
Gigantea), por causa do aedes aegypti, que surgia, hoje elas devem ter mais de
60 cm de diâmetro. Estive com o Nasser e com o MEPES, em Anchieta, há três anos,
fazendo a cromatografia de Pfeiffer.
A “agricultura sem venenos” sofreu solução de continuidade.
Mudou de nome e adquiriu ideologia revolucionária, embora patine há trinta anos
sobre uma denominada “transição” que nos faz lembrar-se de A. Chayanov e sua
sarcástica novela: “Viagem do meu irmão Alexei ao país da utopia camponesa”.
Isso lhe custou cinco anos de trabalhos forçados em um Gulag, no Kazaquistão, e
depois, foi fuzilado, acusado pela GRU (NKVD) de pretender formar o Partido
Camponês no paraíso soviético de Stálin. Somente em 1987 o cooperativista rural
foi reabilitado.
Por isso, em todo o mundo, todas as iniciativas foram
transformadas em grandes conglomerados de bancos e monopólios como Nestlé,
Coca-Cola, Pepsi-Cola, Kellogs, Hein Celestial... O grande problema é que não
há folha de inhame ou mamona para evitar os venenos desses monstros...
Moral da história: O J. B Martins ensina e permite a coragem
de lembrar e ter árvores por testemunhas na construção do biopoder camponês
nesse primeiro de maio, que, estranhamente, não é comemorado nos EUA, Canadá e
Grã Bretanha talvez devido ao Haymarkett Day (04 May 1886) (foto) quando a
disputa pelas 8 horas de trabalho foi tratada a bombas, tiros e condenas à
morte e prisão perpétua.
Debout,
les damnés de la terre - Debout, les forçats de la faim - La raison tonne en
son cratère - C'est l'éruption de la fin. Salve o BIOPODER CAMPONES NO
Primeiro de Maio.
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*Engenheiro agrônomo e florestal, ambientalista e escritor
**Fotos cedidas pelo autor
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