domingo, 11 de fevereiro de 2018

E O PESSOAL VAI ME PODER ME VER?!















Manhã de domingo de carnaval é silêncio de cemitério na vila e deserto no campinho... mas, pera, nem tanto; ao longe, se move um sujeito em movimentos de trabalho. Se aproximando aos poucos, se confirma do que se trata, é Porquinho. Dá pra identificar também por Elton Quadrado da Silva, ma aí fica mais anônimo ainda.

Porquinho, este sim é o cara que marcou gerações de meninos que corriam nas peladas de futebol do Agriter entre os anos 70 e 80 – entre eles, este que vos escreve . Alguns iniciados por Porquinho no futebol enveredaram até pela carreira profissional; outros, infelizmente, decaíram pela dependência das drogas ilícitas, que concorriam as atenções dos garotos, já naquelas décadas. 

De qualquer modo, é uma multidão de gente que, onde quer que esteja, não pode esquecer desse treinador de timezinhos de várzea, já quase sexagenário, e que ainda segue a sua vida sempre informal, distribuída entre biscates (trabalhos eventuais a domicílio), relacionamentos livres e seus jogos de fim de semana, hoje já na categoria Master.

Na ocasião em que encontrei-lhe, nesta manhã, recolhia a grama solta que cobria toda extensão do campo, que a prefeitura baixou com máquina, mas deixou por cima, e ele, voluntariamente, se pôs a tirar. 

“Vamos precisar do campo pra jogar, comentei com os meninos que estavam ali, se queriam pegar um carrinho pra me ajudar, mas só riram. Se alguém quiser me dar um troco, eu aceito, claro”, comenta ele, sem parar de recolher o mato ainda verde, para encher outro carrinho e levar outra carga para as beiradas do campo. 


O tempo passou, e muitos atletas que ouviram os gritos de Porquinho durante jogos amistosos e oficiais já estão adultos, com famílias, e alguns, pais de novos meninos para correr no mesmo campinho.

Pessoas como Porquinho, em geral, não cabem dentro dos ditames quadrados que a nossa sociedade considera como normal, pois nem sempre se ajustam em conceitos como “Trabalhador Qualificado”, “Chefe de Família”, “Pessoa Direita”, “Bem-Sucedido” ou “Mulher Casada”, “Dona de Casa”, “Mãe Respeitadora”, “Estudante”, e assim por diante. 

Isto porque, por circunstâncias estranhas, às vezes, à si mesmo, percorreram caminhos árduos, em que a luta pela sobrevivência não deixou espaço para mais nada. 


Integram um amplo espectro social suburbano formado por trabalhadores informais, dependentes químicos, alcoólatras, ciganos, donos de bares, pedintes, artesãos, entregadores, andarilhos com deficiência, vendedores, enfim, membros vivos de um território de vida humana, que se confundem com ele, que marcam e contam a memória de um bairro, mas que, em geral, não são reconhecidos pelo que fazem ou se recusam a fazer. Mesmo assim, muitas vezes, não há como lembrar da história de uma rua, de um bairro ou de uma cidade, sem associá-los.

Não pude fazer mais por Porquinho que tomar-lhe alguns minutos de papo, levar uma garrafa de água gelada e prometer-lhe postar uma foto sua como forma de reconhecimento público pela sua iniciativa. E o pessoal vai me poder me ver?! – pergunta, com uma noção meio distante do mundo virtual. Acenei que sim... pelo menos pela tela do computador, pensei.

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