quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Agricultura urbana e periurbana | Hortas revelam benefícios multifuncionais, mas carecem de uma política pública integrada na Capital

Além de segurança alimentar e renda, o cultivo coletivo da terra propicia saúde, memórias, conhecimento e autonomia. Prefeitura defende unidades demonstrativas e Fórum quer a valorização de contextos locais

“O segredo da vida é o solo, porque do solo dependem as plantas, a água, o clima e a nossa vida. Tudo está interligado”. Esas palavras Ana Primavesi, que nos deixou há poucos anos, continuam ensurdecedoras entre nós. Considerada uma das pioneiras da agroecologia moderna, a ambientalista austro-brasileira eternizou-se na atualidade de sua visão sobre a relação de dependência entre os seres humanos e o seu meio.

Embora o desafio de garantir a alimentação segura e saudável permaneça como uma questão mundial de primeira ordem, os impactos e custos que os modelos uniformes e massivos de agricultura têm gerado ao Planeta, sem êxito no equaciamento do problema da fome, tornaram a questão da produção alimentar uma atenção que tem atravessado as fronteiras entre o campo e a cidade, gerando impactos e desigualdades. Talvez por isso cada vez mais se fale e se crie pelo País experiências de agricultura urbana e periurbana (praticada no interior ou na periferia de uma localidade, cidade ou metrópole).

“A agricultura urbana é uma alternativa ao planejamento urbano, que joga o pobre o vulnerável para fora da cidade. Esse cara não tem acesso a facilidades urbanas. Então, a agricultura urbana é uma forma de repensar a cidade”, avalia Ricardo de Sampaio Dagnino, professor do Departamento Interdisciplinar e do Bacharelado em Geografia da Ufrgs, Campus Litoral Norte (CLN/UFRGS).

Já em Porto Alegre, berço de grandes referências e debates ambientalistas, a agricultura urbana é cada vez mais reconhecida como uma prática comunitária econômica, saudável e estratégica para demandas que vão bem além da prateleira do supermercado.

“Quero poder ensinar ao meu filho esse valor que tem uma fruta, tem uma verdura, um legume, diretamente de um da horta, de ele plantar uma semente”, declara entusiasmada Letícia Silva Oliveira, enquanto participa de um mutirão de plantio na Horta Solidária Desabafa, no Bairro Farrapos. Nascida em Salvador (BA) e há cinco anos morando no Bairro Farrapos, Letícia deverá ser uma das beneficiadas das colheitas dessa iniciativa. “Me deixa feliz de poder participar dessa horta, pois eu posso ensinar a ele a maneira correta de onde vem o alimento”, complementa.

Redes Solidárias

Nascida a partir de necessidades relacionadas a manutenção da Cozinha Solidária Desabafa - por sua vez, criada há dois anos por um coletivo de moradores atentos à diversas demandas sociais daquele bairro, agravadas durante a pandemia (fome, desemprego, depressão, violências...) - a Horta Desabafa ilustra bem uma das motivações principais que têm despertado maior atenção à valorização da terra e da agricultura urbana: a Insegurança Alimentar. 

"Posso ensinar a ele a maneira correta de onde vem o alimento”, considera Letícia, com o filho no mutirãoFoto: Ronaldo M. Botelho

 “A desigualdade social gerada pela falta de emprego e renda impede que essas pessoas de adquirir alimentos adequados em quantidade e qualidade. Muitos legumes e verduras poderíamos plantar e consumir da horta, evitando termos que adquirir do mercado”, explica Ony Teresinha Pereira da Silva, advogada e integrante da equipe de trabalho da cozinha e da horta solidárias da Associação Cultural e Educativa pelo Desenvolvimento do Bairro Farrapos (DESABAFA), por onde se articulam esses projetos. Semanalmente, a cozinha do DESABAFA serve mais de 300 marmitas para pessoas em vulnerabilidade de 19 comunidades daquela região da cidade.

Para efetivar essas ações, a entidade conta com uma rede de apoio integrada por sindicatos, associações culturais, ONGs, movimentos socais e parlamentares vinculados às lutas socais.

“O Brasil é chamado por todo mundo como o celeiro do mundo, mas do lado aqui da nossa universidade, que esse ano tá completando 125 anos, a gente tem pessoas passando fome. Com todo o conhecimento adquirido ao longo dos anos, e que ainda vem sendo gerado para se produzir mais alimentos. Então, o que que a gente pode fazer?”, analisa a professora Amanda Posselt Martins, professora do Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia Ufrgs.

Amanda também é integrante do UVAIA (Uma Visão Agronômica Com Ideal Agroecológico), que reúne acadêmicos da Faculdade de Agronomia da UFRGS e que recentemente firmou parceria com o DESABAFA para a orientação técnica ao trabalho da horta. “Eu vejo que essa articulação da universidade com comunidades periféricas visando a organização dessas hortas urbanas é importantíssima”, avalia. Mas a parceria com o UVAIA levou mais que conhecimento técnico ao bairro.

O convite para o apoio desse coletivo oportunizou a participação de extensionistas, que não têm medido esforços para participar do projeto. “As hortas comunitárias são essenciais para a manutenção e construção de um ambiente social e cultural”, considera Aline Teixeira, acadêmica do 8º Semestre de Agronomia na FAGRO/UFRGS. A ambientação com a terra no meio urbano é também valorizado pelos estudantes. “Uma horta propicia uma maior aproximação com a natureza, cada vez mais distante nos grandes centros urbanos”, repara Nicolas Della Casa, colega de aline na universidade e formando no mesmo curso.

Na perpectiva dos acadêmicos, também há virtudes e desafios importantes a enfrentar nesse tipo de projeto. “As hortas comunitárias geralmente ocupam espaços ociosos, trazendo mais vida a estes locais. Mas a participação e o envolvimento dos alunos geralmente depende da existência de projetos, que, por sua vez, dependem da participação de professores, repara Nicolas Della Casa, do UVAIA/FAGRO. Para Aline Teixeira, também desse coletivo, uma das limitações desse projeto tem a ver com a falta de interesse de alguns estudantes no tema, bem como a dificuldade de transporte para os alunos interessados em participar das atividades.

Valores diversos

Mas a DESABAFA é apenas entre inúmeras experiências de agricultura urbana mantidas em Porto Alegre. Projetos de hortas comunitárias isoladas, ou via redes, têm se espalhado por escolas, unidades de saúde, ONGs, núcleos penais, universidades, empresas, igrejas ou simplesmente coletivos de moradores locais nos mais distantes bairros da periferia ou da região metropolitana de Porto Alegre. São comunidades que parecem ter (re)descoberto nas hortas um ambiente de compartilhamento de problemas e organização de soluções, um caminho construtivo e para unir forças, trocar experiências e cultivar solidariedade, para além do assistencialismo.

No âmbito da gestão pública municipal da Capital, a questão das hortas comunitárias está sob a coordenação da Secretaria Municipal de Governança Local e Coordenação Política (SMGOV). Desde que assumiu essa área da zona rural, em meados do ano passado, essa secretaria diz ter dado prioridade à produção primária, da zona rural. O titular dessa pasta, Cássio Trogildo faz questão de enumerar várias ações para esse segmento, como limpeza, irrigação, com a construção de açudes e tanques de reservação. “Fizemos um planejamento estratégico guarda-chuva, mas naquele primeiro momento, nem estava na ótica tratar de hortas comunitárias”, observa.

Ele diz que para as hortas urbanas e periurbanas, a administração municipal tem desenvolvido uma política que prioriza o desenvolvimento de hortas-pilotos, que deverão funcionar como unidades demonstrativas, modelos para o resto da cidade. “Meu sonho atual são quatro unidades, uma em cada quadrante. A gente pensa até depois de ter unidade demonstrativas também regionalizadas, jogar isso para o Orçamento Participativo, uma por cada uma das 17 regiões”, prevê. O secretário também anuncia a preparação de uma política de capacitação a partir de escolas e a articulação de uma rede de apoio à hortas, por meio dos Prefeitos de Praças, projeto que a atual gestão municipal têm apostado para a formação de interlocutores locais em iniciativas comunitárias.

Sob uma visão mais local e contextualizada, o Fórum de Agricultura Urbana e Periurbana de Porto Alegre (FAUPOA) considera prioritário a valorização das experiências de hortas já estruturadas, ao invés de um projeto pronto, de fora para dentro. Criado em agosto de 2021, esse coletivo já mapeou mais de 35 projetos de hortas comunitárias na cidade, em diversos níveis de estruturação. Por meio desse monitoramento, a entidade desenvolve um trabalho de articulação, orientação e apoio. Nessa perspectiva esse fórum concebe a agricultura urbana e periurbana sob uma lógica de multifuncionalidade, focada para além da geração de renda e trabalho.

“Se a horta que se estabelece numa escola, o fim imediato é a pedagogia; se num posto de saúde, é dialogar com a saúde das pessoas; se num presídio, a finalidade pode ser geração de renda, recuperação terapêutica ou produção de alimentos; se ela dá na praça, ela é da agroecologia. Então, é simbólica, é pedagógica e é laboratório.”, analisa Antolino Elisandro, voluntário na Horta da Lomba e membro da rede de apoio do FAUPOA. Engenheiro Agrônomo e ambientalista, Elisandro também é um dos voluntários em uma horta comunitária, a Horta Praça da família Imigrantes, no Centro Histórico.

Mapeamento do FAUPOA indica distribuição e diversidade de hortas na cidade

Concorda com a perspectiva do presidente do FAUPOA a professora Tatiana da Silva Duarte, atual docente de disciplinas relacionadas à tecnologia de produção de hortaliças na FAGRO/UFRGS e orientadora técnica de diversos projetos de hortas comunitárias pela cidade. “Certamente um modelo não vai servir para todas as hortas, principalmente falando em locais onde tem a vulnerabilidade social. Muitas vezes, há condições para o uso daquela área, daquele solo, que não vai ser igual do que eles vão fazer lá no centro, lá na Cidade Baixa. Até a questão de de renda é diferente, né?”, exemplifica.

Em abril desse ano, o secretário Cássio chegou a participar do IX Encontro do FAUPOA, realizado na Faculdade de Agronomia da UFRGS, o que o levou a visitar a Horta da Lomba, no bairro Pinheiro. Na ocasião ele ouviu demandas e atendeu reividicações do projeto, como o apoio à instalação de energia no local.



IX Encontro do FAUPOA foi realizado em abril desse ano, na Faculdade de Agronomia  - Foto: FAUPOA
 


“Porque a gente ainda não está em uma fase mais avançada na parte urbana? Porque tínhamos tudo isso pra cuidar. É uma equipe pequena, não adianta tu abrir demais o flanco, que daí tu acaba não fazendo nada, conforme o engajamento e planejamento, né?” Não adianta tu planejar, tu querer fazer aquilo que a tua perna não alcança, né? Mas isso sempre teve no nosso horizonte”, revela.

Para além dos limites de Porto Alegre, outro tipo de iniciativa que tem tido bons resultados na formação ambiental relacionada à hortas são os projetos de extensão dirigidos à capacitação de pessoas de baixa renda. É o caso do projeto Agricultura do Plano, desenvolvido a partir de parceria entre o Campus Litoral Norte da UFRGS e a Prefeitura de Tramandaí.

Coordenado pelos professores Rejane Margarete Schaefer Kalsing e Ricardo de Sampaio Dagnino, ambos vinculados ao Departamento Interdisciplinar e do Bacharelado em Geografia da Ufrgs do CLN/UFRGS, a iniciativa beneficia pessoas em vulnerabilidade, por meio de cadastros sociais. O curso contempla conteúdos como gricultura urbana e periurbana, saúde, soberania e segurança alimentar e economia solidária. Realizado desde 2019, essa iniciativa já contou com mais de 500 participantes.

“Me fez ver vida onde não via. Para mim, era só mais uma capina. Depois do curso, cuidava para até para não machucar as minhocas. É gratificante plantar ver crescer colher e comer o meu próprio alimento. Numa caixinha de leite crio um alimento saudável. É incrível”, relata o trabalhador autônomo João Carlos Garcia dos Santos, 51 anos, aluno da turma de 2022 do curso, e agricultor urbano em Tramandaí.

Refúgio e Cooperação

Considerada um dos projetos históricos e referenciais nesse segmento, as atividades desenvolvidas na Horta da Lomba transcendem o cultivo na terra. Localizada na Zona Leste da Capital, nessa horta são realizadas capacitações, palestras, atividades culturais, entre outras iniciativas propícias a um ambiente em que o verde predomina.

“A horta tem um impacto muito positivo, não só na comunidade, mas em toda a região metropolitana e no estado. É uma Horta-mãe que serve de inspiração pras outras hortas contribuindo com exemplo, mudas, sementes, estudos e pesquisas. A gente costuma dizer que não é uma grande produção, mas sim uma escola”, conta Ana Carolina da Rosa, acadêmica do 6º semestre de Licenciatura em Educação do Campo em Ciências da Natureza na Ufrgs.

Frequentadora da Horta da Lomba há cinco anos, a acadêmica diz visitar o local há mais de quatro anos. “Comecei a ir semanalmente na horta em busca de mais saúde mental e qualidade de vida no trabalho com a terra e com as plantas. Tenho contribuído mais com a minha presença do que com minha experiência acadêmica, mais aprendendo do que ensinando, aprendendo principalmente com a natureza e com os mais velhos da Horta”, declara.

A longa convivência, entre lutas e conquistas, consolidou o local como referência de uma ampla rede de colaboradores – entre professores, estudantes, técnicos e vizinhança local – em que o afeto é tão cultivado quanto os alimentos e o abraço é uma prática habitual entre os frequentadores. “Tenho uma filha e uma neta e elas trabalham ainda, né, mas quando elas podem nas férias elas vem elas gostam muito. A gente sempre está ajudando e cooperando. Venho ajudar a fazer chá ajudar e doces Não venho mais porque às vezes não dá, mas assim eu posso eu tô sempre aqui”, conta Teresa Marlene de Oliveira Silva, que com seus 82 anos, dos quais 50 resido no bairro.

 

Horta de gente: Tereza, Flávio e Ana, convergências intergeracionais - Foto: Ronaldo M. Botelho

A identificação da horta como um espaço familiar também é destacada por seus frequentadores. “É uma mãe natureza, uma experiência assim pra gente que ali chega. Fulano chegando e tu conhece e a gente virou tudo numa família. E essa questão do alimento também, aqui que é cultivado, a gente fazia almoço aqui fazia só com comer coisas da horta”, conta Albertina Goulart Gold, outra moradora histórica do local e também beneficiária da Horta da Lomba. Com orgulho, ela mostra o chá preparado por ela com ervas colhidas da horta para ser servido aos presentes.

A visita que fiz para esse registro à Horta da Lomba coinscindiu com uma homenagem. O professor Flávio Burg, cedido há mais de 10 anos pelo município para a horta, próximo de se aposentar e foi agraciado com uma modesta celebração por históricos colaboradores daquela horta. “Eu considero os ciclos da vida nossa, né? Então, vim aqui pra cidade grande vai fazer 39 anos, e agora, que fiz 60, tô com esses planos de morar no interior de Maquiné certo, então o meu ciclo aqui eu vejo que passa completando né?”, reflete.

Campo Multidisciplinar

Ainda que as hortas comunitárias não dependam necessariamente de estruturas institucionais ou formalidades disciplinares, a multidisciplinaridade de temas e de questões que suscitam tem despertado crescente atenção do mundo acadêmico. Professores e alunos de diferentes áreas, regiões e níveis de experiência - de universidades e de escolas - têm se dedicado a projetos desse tipo, seja de forma independente, seja por meio de projetos e de consultorias.

“O que a gente precisa é o espaço de conversa, que não seja aquele espaço formal, que não seja aquela reunião acadêmica. Entrar num espaço que quem não é daquele espaço não se sente constrangido de falar. Aqui não aqui é roda de chimarrão, é a roda de chá. Quando tá frio, uma fogueira e uma conversa que ela é, ao mesmo tempo de construção e de cura”, resume a professora Ingrid Bergman Inchausti de Barros, histórica participante desse projeto.

Doutora em Agronomia pela Universidade de São Paulo e professora aposentada da UFRGS, onde lecionava na área de produção de hortaliças, Ingrid foi referência para grandes pesquisadores. Entre eles, o biólogo Valdely Ferreira Kinupp, considerado o “Papa das Pancs” (Plantas Alimentícias Não Convencionais), de quem foi orientadora da tese “Plantas alimentícias não-convencionais da região metropolitana de Porto Alegre, RS”.

No esteio dos estudos de veteranos como a professora Ingrid, as novas gerações de acadêmicos prosseguem interessados no tema das hortas. Pesquisa e extensão parecem confluirem nesse território de cultivos e convivências, em um âmbito multidisciplinar. É o que demonstra estudos como “A gente cultiva a Terra e a terra cultiva a gente”, desenvolvido como TCC pela então acadêmica de psicologia, Layla Nicoly Mattos Medeiros – ou Solar, como gosta de ser chamada.

“O meu trabalho foi basicamente falar sobre a minha experiência assim, né? Não tinha tanto um um viés assim aí a partir da minha presença aqui que eu fui construindo a pesquisa, né? Foi a partir das coisas que eu que eu vi aqui e aí o meu olhar assim para horta. E ficou basicamente dividido entre três pontos: a horta como espaços de resistência, de cuidado e de refúgio”, explica a psicóloga. “Foi um baita desvio do que a gente tem estudado dentro da Psicologia, algo que vai contra todo esse projeto de destruição capitalista”, considera.

A função das hortas como espaços funcionais para além da agricultura é confirmada pelo estudo “Agricultura Urbana e Periurbana no Município de Porto Alegre/RS – Segurança Alimentar e Nutricional e Possibilidades de Desenvolvimento”. Essa discertação, defendida recentemente por Rafael Caetano de Lima e Silva, no Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento – PGDREDES/UFRGS, analisou as práticas de agricultura urbana e periurbana em hortas de quatro bairros da Capital (Jardim Leopoldina, Jardim do Salso, Lomba do Pinheiro e Restinga).

O estudo constatou que as hortas urbanas contribuiram para reduzir a insegurança alimentar e nutricional e, mais do que isso, que as hortas são originadas a partir da mobilização popular da comunidade e tem para elas funções que vão além do alimento.

“As vezes, uma vila não tem muitas opções e a horta acaba sendo um pretexto para organizar outras articulações. Eu fiz o no questionário que tinha uma pergunta porque qual o principal motivo que o pessoal ia participar das hortas, e o que mais foi mencionado foi a socialização. Eu até me impressionei, porque eu achei que fosse mais a questão da da própria alimentação”, relata o acadêmico.

Pesquisa e Apoio

Mas ainda que existam produções importantes sobre a agricultura urbana pelo País, a agricultura em regiões metropolitanas carece de estudos integrados melhor desenvolvidos. É o que pensa a professora Heloisa Soares de Moura Costa, da UFMG. Pesquisadora em planejamento urbano e ambiental e ecologia política e segurança alimentar e nutricional na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), ela entende que existe uma lacuna de estudos e pesquisas mais estruturadas sobre as dinâmicas existentes relacionadas à agricultura em regiões metropolitanas, metrópoles e cidades, que incorporem tanto as zonas urbanas e rurais.

“O maior aprofundamento nessas dinâmicas e sua análise podem contribuir para subsidiar tanto políticas públicas específicas, quanto às ações e atividades de organizações sociais e os coletivos das hortas”. Por outro lado, ela concorda que há potencial considerável da universidade para ocupar esse espaço. “Além das pesquisas, a universidade pode contribuir com ações de ensino e extensão, oferecendo assessoria às hortas ou outras experiências de agricultura, e cursos ou outros processos formativos que atendam às demandas de cada contexto”, avalia.

Examinando a questão dos conflitos e da mediação, a professora vai mais além. “Do ponto de vista da organização dos sujeitos, a coletividade e o fazer coletivo muitas vezes esbarram em conflitos (comuns em muitas experiências coletivas de forma geral), necessitando a mediação dos interesses e motivações individuais que podem encontrar soluções coletivas ou acordos que atendam grande parte das pessoas envolvidas (não necessariamente solucionando os conflitos).” , avalia.

Como sugestões para a superação das dificuldades técncias a professora da UFMG recomenda investimento em assessorias técnicas orientadas pela agroecologia; fortalecimento de políticas públicas de compras institucionais e ampliação do público atendido e investimentos em apoio produtivo e fortalecimento de políticas relacionadas às águas.

A professora Heloisa Soares de Moura Costa também é coordenadora do Auê! Grupo de Estudos em Agricultura Urbana, que existe na UFMG desde 2013, atuando em várias áreas relacionadas à agricultura urbana e a agroecologia. Esse coletivo tem acompanhado hortas comunitárias e outros espaços de produção de alimentos na RMBH. Um desses trabalhos foi o projeto das Unidades Produtivas da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), disponível no site do Auê!.


Desafios e Perspectivas

Ao considerar os problemas e conquistas, um diagnóstico realista das necessidades e oportunidades das hortas comunitárias em Porto Alegre parece impor considerações que se estendem desde as dificuldades de espaços e recursos, passando por problemas interpessoais, até o comprometimento de instituições potencialmente capazes de apoiar projetos e se fazer mais presente junto a esse segmento.

O titular da SMGOV, Cássio Trogildo, pondera a necessidade de recursos para investimentos nesse stor. “Para as hortas urbanas, nós precisamos de capacidade nova, capacidade instalada. Tudo que a capacidade que a gente tem hoje não dá conta de fazer o que já é a nossa obrigação primeira né?”, declara.

Para técnicos e pesquisadores que atuam diretamente na área da agricultura urbana as hortas devem ser consideradas como um investimento público estratégico, que exige uma política com estrutura para manter as hortas ao longo do tempo. “Há muita gente com depressão pós-pandemia. Pessoas que tratavam com remédios tarja preta daqui a pouco estavam livre desse dependência, só por isso já há aqui um grande investimento”, observa o engenheiro agrônomo e técnico da Emater, Sandro Trevisan Fidler, com larga experiência em extensão rural.

Por outro lado, ele oberva que o governo precisa assumir esse segmetno enquanto política pública.

“A primeira coisa são as lideranças envolvidas, que são apaixonadas pelo projeto. Eu acompanho muitas hortas na cidade, que era uma pessoal – um profissional, um professor, um enfermeiro, um entusiasta. Mas ele saía da unidade e a horta já morria”, lembra. A esse respeito, o professor Flávio, funcionário da Horta da Lomba, repara que um projeto que envolva agendas e visitas necessita uma pessoa renumerada para acompanhar. “O voluntariado não é, digamos, sistemático, as pessoas vêm quando podem né? Elas têm seus compromissos, né? Um projeto desse, com muitos grupos, que vê, que faz agendas, alguém tem que receber, né?”, observa.

Já para o professor de Economia Rural e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimetno Rural da UFRGS, Glauco Shultz, as hortas devem ser valorizadas por seu caráter de sociabilidade, mas a questão do envolvimento popular merece uma atenção especial. “Elas resgatam a função recreativa na produção de alimentos, por constituírem-se de projetos coletivos em bairros que envolvem diferentes atores locais, geram bem-estar, aprendizados sobre diferentes plantas e suas formas de cultivo e contribuem para a melhoria da qualidade de vida. O desafio maior é superar os aspectos que impedem a maior participação”, considera.

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ENTREVISTAS

 

Albertina Goulart Gold, moradora local e beneficiária da Horta da Lomba

Foto: Ronaldo M. Botelho

Memórias da Horta
Nós temos o quê? 12, 13 anos aqui. Mas só que a gente não vinha aqui porque aqui já foi negócio de cavalo, já teve outras coisas. Foi ampliada a horta, né? Os freis ajudaram. Já há muito tempo que eu participo, eu, que não vinha mais.

Não tenho ninguém aqui, é só eu e meu filho.

O Flávio... não está mais aqui, né? Do início, era Lourdes, depois veio o Flávio, né? E assim foi Flávio sim, sim. Esse aí já faz uns anos.

Agricultura
Não, não nunca gostei. Fui aprendendo e fui ficando. Não estou aqui todos os dias, mas uma vez ou duas na semana. Às vezes, até mais se precisa, eu estou aqui.
                            
Natureza e Família
É outra coisa é uma mãe natureza é uma experiência, assim, pra gente. E ali chega fulano, vão chegando e tu conhece, e a gente virou tudo numa família.
E essa questão do alimento também aqui que é cultivado, todas as terça-feira, a gente fazia almoço aqui, fazia só com comidas de coisas da horta.

Almoços e Receitas
Sextas e na terça-feira só coisas da horta e chegavam para fazer o almoço com cuidado, era umas quantas né?                                                                                          
Daí, nós fazia era couve. Tinha gente que não comia carne, né?
Aí a gente fazia, e elas colhiam as plantas, corria a couve outras coisas a gente fazia aquele comidão Eu como carne, mas não é assim dizer, que eu sou obrigada ligada na cara, né?
Aprendo sim, aprendo que aprendi aqui. Eu lembro que eu participei de uma oficina aqui, de hibisco, né?
Eles costumam ensinar a oficina de coisas que a gente tira muita oficina aqui, a gente aprende muito oficina de pancs. E ensinam o povo como comer. É porque o povo não sabe comer.
Meu filho não come também sem os verdes seguido quando não tem verde “deixa mãe, que é comida”.

Colheita
O alho poró várias, várias plantas, né? A gente colhe daqui tanto a batata, o aipim, essas coisas... porque nós plantamos e levamos né? A gente está trabalhando mais com essas coisas verde mesmo, sabe, é oleosa e muitas panc e batata doce, né?A gente pega daqui também pepino.

Coquistas
A gente conseguiu a água aqui pra gente também que nós não tinha não tinha nós não tinha luz a luz. Nossa não faz um ano que nós temos aqui, e como é que você se virava sem luz, aqui, ó, não dá para ficar à noite.

Frequência e apoios
Tenha fogo ali, ficava pra fazer a comida ali no fogo mesmo.
Aquela turma acampava a noite toda aí, cantando era um problema.
Antes também, daí, a gente vem pelas mangueiras e tal, assim, sabe, mas lá de vez em quando também a gente fica assim, porque eles arrebentam as mangueiras.
Daí tem que ter uma pessoa para sair e achar onde tá arrebentada.                                                   

Lugar de cuidar
O Flávio  ajuda a gente, muitas coisas... ele que vai fazer isso, ele vai fazer aquilo é ele que tem a caminhada direto para ajudar para cuidar.

Cuidar, ajudar a gente fazer todas essas coisas assim, né? Como capinar que tem certas coisas que a gente eu nunca capino, sabe, mas tem certas coisas que é capinado, que é limpar canteiro que é plantar que é mudar hibisco quer mudar isso quer mudar aquilo, né?

Ninguém fica aqui sozinha, né? a não ser que elas fiquem bastante, daí elas podem ficar.
Mas deixar elas sempre para trás, eu nunca deixo.

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Aline Teixeira, acadêmica do 8º Semestre de Agronomia na FAGRO/UFRGS e integrante do grupo UVAIA (Uma Visao Agronomica com Ideal Agroecologico), que desenvolve trabalhos no âmbito da agroecologia desde 2003.

Foto: Ronaldo M. Botelho


Projetos que participa
Comecei a participar de projetos em hortas comunitárias quando entrei na UFRGS e no Grupo UVAIA, antes de entrar na Universidade não conhecia projetos de hortas comunitárias. Visitei algumas vezes a horta da Lomba do Pinheiro, mas não participei ativamente da sua manutenção. Posso dizer que a implementação da horta comunitária no bairro Farrapos será a primeira em que me envolvo  ativamente.

Papel das hortas
Acredito que as hortas comunitárias são essenciais para a manutenção e construção de um ambiente social e cultural. Esta relacionada com a Paisagem no meio urbano, já que além de embelezar a região, tem um papel de construção de conhecimentos e divulgação de informações, além é claro, da produção de alimento.

Envolvimento
A minha formação acadêmica tem muita relação com o meu envolvimento com a horta comunitária, já que participei do Fórum de encontros de hortas Urbanas de Porto Alegre na Faculdade de Agronomia. O momento e a vivência foram fundamentais, pois a partir do momento em que vi líderes comunitárias relatando as mudanças que as hortas fazem nas vidas das pessoas (qualidade de vida e alimentação saudável) me interessei em entender mais sobre o processo de formação das hortas comunitárias Urbanas.

Experiência acadêmica
Acredito que a minha contribuição foi em relação às coletas e análises de solo, bem como identificação/seleção de espécies para plantio na horta. Além de auxílio na elaboração das linhas de plantio e principalmente novos pensamentos sobre o papel da Universidade e da Faculdade, não só no meio rural, mas também no urbano.

Universidade e hortas                     Existem diversos projetos relacionados a implementação de hortas Urbanas, auxílio e cursos. Mas ao mesmo tempo, percebo como limitação a falta de interesse de alguns estudantes no tema, bem como a dificuldade de transporte para os alunos interessados em participar das atividades.

***

Amanda Posselt Martins, professora do Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia Ufrgs

Foto: Perfil whatzap da entrevistada


Universidade e periferias

Eu avalio que esse é um papel essencial e muito necessário que a universidade tem. A faculdade de agronomia da UFRGS é uma faculdade com muita tradição na área de ciências agrárias, mas que tá no meio de um grande centro urbano, que é Porto Alegre. Mas ainda tá um pouco distante da agricultura urbana. 

E eu vejo que tem tem sido feito um movimento de alguns professores e professoras nos últimos anos para incluir essa realidade da agricultura urbana, para justamente ter, de fato, essa extensão universitária nesse processo educativo-cultural-científico, articulando ensino e pesquisa dentro de Porto Alegre. 

Mesmo sendo uma instituição de ciências agrárias, que, muitas vezes, a gente só fala do rural, a gente tem graves problemas ligados a profissão.              Por exemplo, dos engenheiros agrônomos, que são formados pela UFRGS, aqui, do nosso lado, na periferia de Porto Alegre.

Teve uma uma pesquisa que foi feita na pandemia, em 2021, se eu não me engano, que trouxe esses dados alarmantes do ressurgimento da fome e da insegurança alimentar no Brasil, e no ambiente urbano. A gente tem quase dois terços das pessoas hoje em situação de insegurança alimentar. Então, é esse papel da Universidade, mobilizando as comunidades periféricas, junto com associações, como a Desabafa, pela organização de hortas, para mim, tem esse papel. 

Insegurança Alimentar

Extremamente importante de a gente conseguir diminuir esse problema social, que, para mim, é um dos problemas sociais mais graves que a gente pode ter na nossa sociedade. 

Ainda mais no Brasil, que é o que é, chamado por aí como o celeiro do mundo, grande produtor, enfim, do agronegócio, mas, do lado aqui da nossa faculdade, que esse ano tá completando 125 anos, a gente tem pessoas passando fome?! Com todo o conhecimento que foi adquirido ao longo dos anos, e que ainda vem sendo gerado para se produzir mais alimentos, mas é isso, aqui, do lado da nossa universidade, tem pessoas passando fome em situação de insegurança alimentar. Então, o que que a gente pode fazer com isso? 

Eu vejo que essa articulação, essa mobilização da universidade com comunidades periféricas, visando a organização dessas hortas urbanas, tem esse papel, que, como eu disse, para mim, é importantíssimo.
 

Envolvimento

Justamente por colocar os estudantes e esses futuros engenheiros agrônomos em contato com essa realidade. Porque, apesar de estar do nosso lado,  muitas vezes isso passa desapercebido, né? Muitos desses alunos não tem contato com essas regiões da cidade, por exemplo, vem do interior. Às vezes, fica muito só dentro da universidade e a gente vê muito desse perfil de aluno que tá dentro da universidade, dentro dos muros. Vamos chamar assim, da universidade e do rural, né? no campo, no interior. Essa questão da agricultura urbana, ela passa totalmente desapercebida. Então, esse trabalho que a gente vai fazendo agora.

Extensão

Ainda mais com a inclusão de 10% da carga horária da formação dos alunos, que agora tem que ser em extensão universitária. Então, a gente vem incluindo isso, inclusive, dentro do ensino, dentro de disciplinas obrigatórias, como é o caso, por exemplo, da minha disciplina que a fertilidade do solo. 

Então, hoje a gente tem uma carga horária dedicada dentro da disciplina de fertilidade do solo na formação de todos os engenheiros agrônomos - porque é uma disciplina obrigatória do quinto semestre - um trabalho de extensão em hortas de comunidades periféricas aqui do da Região Metropolitana de Porto Alegre. Em escolas, em associações, para que os alunos tenham esse contato e vejam a possibilidades, né? Como realmente se pode ter essa relação transformadora entre universidade e sociedade. Às vezes, do ponto de vista técnico, são coisas extremamente simples que, muitas vezes, podem ajudar uma  realidade de uma comunidade urbana em insegurança alimentar a ter a sua autonomia através da da viabilização de uma de uma horta comunitária, né?         E de ter esse menor custo, vamos dizer assim, às vezes na produção do seu alimento.

Autonomia
Como eu disse, essa autonomia, que é algo muito importante da gente buscar, de não ser dependente, até do preço do alimento no mercado - apesar de isso estar muito dentro da Agronomia, o alimento até como uma commoditie agora. Mas o alimento, na minha opinião pelo menos, jamais deveria ser algo negociado no mercado, cujo preço, o valor depende do mercado. Porque isso é o básico do básico do bem-estar humano e da sociedade como um todo.

Então, eu acho que a gente proporcionar esse envolvimento dos dos nossos estudantes nesse ambiente da extensão, tem esse papel transformador. É algo que muitos deles podem levar depois para qualquer que seja a sua atuação. Porque sempre a gente vai ter um lugarzinho, um pedacinho de terra lá no solo, pronto para ser cultivada, e que qualquer alimento que a gente consiga promover o crescimento, pode mudar a realidade de de muitas comunidades que precisam, que carecem disso. Infelizmente, esse é o nosso cenário, de nos últimos anos ter um agravamento do problema da fome e da insegurança alimentar.






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