A questão do aborto é tema que volta e meia retorna às grandes bocas públicas, como nesses últimos dias que antecedem o pleito presidencial. Mais do que delicado, porque eleitoralmente implica votos, esse assunto remete hoje, diretamente, a questão da liberdade. Pelo menos para que tenha um tratamento minimamente sério e equilibrado. Se, para a mulher, em outros tempos, a liberdade se resumia na opção de casar ou não com alguém - pré-determinado pelo pai; se, por esses mesmos tempos de outrora, a sexualidade das fêmeas era reduzida a uma questão de funcionar bem no papel de contemplar as necessidades do marido e a condição de ter um filho era, sinteticamente, criar uma vida e alimentá-lo com boas perspectivas (compreendido o “boa” dentro de cada classe social), hoje, diferentemente, há outros fatores que influenciam nisso.
A mulher, em primeiro lugar, está em pleno processo de emancipação. A “responsabilidade” ou culpa, outrora a ela reduzida e por ela absorvida - a respeito de ser o centro da construção da boa família, heterossexual, cristã, monogâmica e feliz (ao que isso se entendia), foi, no mínimo, transformada. Porque entrou em seu universo a perspectiva da independência. Isso é impactante na questão de ser mãe, porque esta passa ter que compartilhar o tempo do matrimônio, especialmente da maternidade, com outras possibilidades. Paralelo a isso, a autoridade do homem é também relativizada e transformada com um novo papel: o de pai presente.
E o que isso tem a ver com aborto? Esse impacto estrutural nesse núcleo familiar tradicional, entendo eu, ainda está longe de ser assimilado por gerações anteriores, cujo o modo de enxergar a vida e lidar com sua complexidade se reproduz na cultura dos filhos e netos. Há, portanto, um choque de anseios entre a herança tranqüila e prometida da família ideal e o mundo real, cujo casamento modelar de outras épocas, invariavelmente, é um estorvo. A mulher, novamente, é a que mais sofre, pois é a que mais se divide (penso), nesse dilema de poder amar uma criatura por ela gerada e consolidar uma carrreira profissional por ela almejada. É fato que tem que se considerar nisso aquelas que, conscientemente, descartam ser mães biológicas. Mas isso não é o predominante.
Nesse cenário, o aborto, a despeito de tantas campanhas preventivas, se insere no centro desse dilema. Porque o machismo ainda é o imperante na sociedade, apesar de tudo que se avançou, e há homens que não admitem o uso de preservativo, por impressionante que seja. Soma-se a isso uma confiança decorrente da paixão, outras vezes misturada a uma chantagem emocional de quem é amado, e pode dar as cartas, e o risco da gravidez se amplia na adolescência. Mais tarde, os problemas hormonais dos anticoncepcionais também se agregam a rejeição destes. Tratar essas questões dentro de um nível de aculturação maior, como tende a ser mais comum nas classes sociais de melhor poder aquisitivo, é facilitado (de qualquer forma, clínicas abortivas clandestinas são caras, e nesse caso, uma folha de cheque resolve mesmo qualquer “probleminha” de filhas de boas famílias).
Mas quando se fala em comunidades excluídas do circuito da informação em saúde – nem falo de escola, porque ainda, infelizmente, estamos longe do satisfatório tratamento desse assunto neste espaço – a questão se transforma em problema social. A religião entra aí como uma imperativo moral, polêmico, mas contribuiria melhor caso se concentrasse, prioritariamente, no enfoque da saúde pública. Então, voltando a orbita eleitoral, cobrar posições sobre aborto em de bocas de quem disputa uma eleição presidencial, dias antes do contato dos eleitores com a urna, é, no mínimo ingenuidade, no máximo má-índole. Porque, obviamente, o impacto emocional de nossa cultura predominantemente católica, no sentido tradicional, rejeita cegamente esse tema.
Portanto, deixemos a demagogia de lado, e aprofundemos, com o devido tempo e atenção, a dimensão social da questão, só mesmo possível no âmbito da cultura e das políticas de saúde coletiva. E um ex-ministro da saúde tem uma especial obrigação moral de saber disso.
Um olhar intrigante sobre esse tema, relacionando-lhe a religião, é dado no filme El crime del padre amaro.
A mulher, em primeiro lugar, está em pleno processo de emancipação. A “responsabilidade” ou culpa, outrora a ela reduzida e por ela absorvida - a respeito de ser o centro da construção da boa família, heterossexual, cristã, monogâmica e feliz (ao que isso se entendia), foi, no mínimo, transformada. Porque entrou em seu universo a perspectiva da independência. Isso é impactante na questão de ser mãe, porque esta passa ter que compartilhar o tempo do matrimônio, especialmente da maternidade, com outras possibilidades. Paralelo a isso, a autoridade do homem é também relativizada e transformada com um novo papel: o de pai presente.
E o que isso tem a ver com aborto? Esse impacto estrutural nesse núcleo familiar tradicional, entendo eu, ainda está longe de ser assimilado por gerações anteriores, cujo o modo de enxergar a vida e lidar com sua complexidade se reproduz na cultura dos filhos e netos. Há, portanto, um choque de anseios entre a herança tranqüila e prometida da família ideal e o mundo real, cujo casamento modelar de outras épocas, invariavelmente, é um estorvo. A mulher, novamente, é a que mais sofre, pois é a que mais se divide (penso), nesse dilema de poder amar uma criatura por ela gerada e consolidar uma carrreira profissional por ela almejada. É fato que tem que se considerar nisso aquelas que, conscientemente, descartam ser mães biológicas. Mas isso não é o predominante.
Nesse cenário, o aborto, a despeito de tantas campanhas preventivas, se insere no centro desse dilema. Porque o machismo ainda é o imperante na sociedade, apesar de tudo que se avançou, e há homens que não admitem o uso de preservativo, por impressionante que seja. Soma-se a isso uma confiança decorrente da paixão, outras vezes misturada a uma chantagem emocional de quem é amado, e pode dar as cartas, e o risco da gravidez se amplia na adolescência. Mais tarde, os problemas hormonais dos anticoncepcionais também se agregam a rejeição destes. Tratar essas questões dentro de um nível de aculturação maior, como tende a ser mais comum nas classes sociais de melhor poder aquisitivo, é facilitado (de qualquer forma, clínicas abortivas clandestinas são caras, e nesse caso, uma folha de cheque resolve mesmo qualquer “probleminha” de filhas de boas famílias).
Mas quando se fala em comunidades excluídas do circuito da informação em saúde – nem falo de escola, porque ainda, infelizmente, estamos longe do satisfatório tratamento desse assunto neste espaço – a questão se transforma em problema social. A religião entra aí como uma imperativo moral, polêmico, mas contribuiria melhor caso se concentrasse, prioritariamente, no enfoque da saúde pública. Então, voltando a orbita eleitoral, cobrar posições sobre aborto em de bocas de quem disputa uma eleição presidencial, dias antes do contato dos eleitores com a urna, é, no mínimo ingenuidade, no máximo má-índole. Porque, obviamente, o impacto emocional de nossa cultura predominantemente católica, no sentido tradicional, rejeita cegamente esse tema.
Portanto, deixemos a demagogia de lado, e aprofundemos, com o devido tempo e atenção, a dimensão social da questão, só mesmo possível no âmbito da cultura e das políticas de saúde coletiva. E um ex-ministro da saúde tem uma especial obrigação moral de saber disso.
Um olhar intrigante sobre esse tema, relacionando-lhe a religião, é dado no filme El crime del padre amaro.
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