O pai chegava por volta das 22h. Lá fora, chuvia e trovejava. A mãe e os quatro filhos ao redor da mesa, recém tinham jantado. A carne do pai estava separado, afinal de contas, ele sustentava a casa, tinha que comer bem. Os quatro, em silêncio, sob luz de vela, tinham medo. Mas só Rafaelzinho tinha a fama disso. E foi ele que, novamente, tomou a iniciativa de insistir - “Mãe, conta uma história”. E ela, que já sabia, que o pedido viria, já tinha também se preparado. “Então, tá”. Bom, foi assim, aconteceu dia de chuva, noite de sexta-feira santa. Ninguém sai nesse dia, mas aquele grupo de quatro amigos - Pedro, João, Juca e José teimaram e foram. – “De carro ou de ônibus?” (pergunta Rafael, interrompendo). “Não tinha isso não naquele tempo, filho, foi de carroça, mesmo. Único meio de viagem”, esclareceu a mãe, prosseguindo. Curtiram a noite numa boa, ignorando se a data era santa. Cerveja para lá, cigarro para cá, dançaram e namoraram madrugada adentro. Mas, como tudo que é bom termina, passava da 1h, e o baile ia terminando. Era hora de voltar. “Tão cedo? Nem arrumaram namorada?” (“agora foi a vez de Regina, a mais velha, interromper”). “Sim, responde, de novo, tranqüilamente a mãe. Naquele tempo, os bailes não amanheciam 1h já era tarde demais”, explica a mãe novamente. E prossegue. No retorno, subiram na carroça – que assim que era o transporte lá fora – e retornaram a trote para casa. Proseando durante a viagem, não se deram conta que seguiram por um caminho errado. Bem mais escuro daquele usual, no qual tinham vindo. Lá pelas tantas, para completar, os cavalos simplesmente paralisaram. E Pedro Ernesto, o que guiava, gritava, batia as rédeas no coro dos bichos, e nada. Foi aí, que ele ia recorrer ao relho para atiçar a tropa, e não achou. Perguntou a todos, que procuraram pela carroça, e nada. “Embaixo do banco, não procuraram? (o menino mais velho, Rodrigo, apresentou a questão à mãe). E esta não deixou dúvida. “Sim, até embaixo do banco, não houve lugar na carroça que não reviraram, e nada”. E continuou - E a escuridão era total e absoluta desceram, então, todos, a procurar o tal relho. Se acocaram no chão, apalparam a terra, e nada. Como era muito escuro, começaram a acender palitos de fósforos. Queimaram uma caixa inteira, e nada. Pediram outra. E nada. Era um acende palito e procura, por baixo da carroça, ao redor, e nada. Finalmente, acabou os fósforos dos quatro. Todos já nervosos, as horas passando, e o pior aconteceu. Uma trovoada anunciou e os primeiros pingo a cair. Daí, não teve jeito. Subiram todos de volta na carroça se protegeram com um pelego e uma capa sobre o toldo da carroça, e ficaram a esperar o tempo melhorar. “Eles rezaram?”. (Foi a vez de Marileia, a segunda das irmãs, a mais nova das mulheres, questionar). E a mãe: “Claro que sim. Foi bom ter perguntado. “Foi o que eles mais fizeram, rezaram muito”. E foi adiante. Encolhidos nos bancos. Todos os quatro adormeceram. Então, a noite se foi aos poucos cedendo lugar ao luar, e a claridade calmamente surgindo. Foi então, que Pedro Ernesto, o mais atento, despertou, e desceu da carroça. O susto foi grande no que ele viu. “O que ele viu????!” - perguntaram os quatro, quase em coro. E a mãe, satisfeita por ter despertado a curiosidade total. Colocou a cereja no bolo da história: Pois sim, lá estava ele, o relho no chão, coberto de palitos em toda a sua extensão, inclusive no cumprimento do couro. Os quatro irmãos, então assustados, impressionados. Ficaram refletindo em silêncio. E a mãe, para finalizar, sentenciou – “Então, é por isso que em sexta-feira santa não se deve sair, pois deus castiga”. Todos ouviram em silêncio, sem questionar mais nada. Eram 21h45. Quase hora do pai chegar. Então, a mãe recomendou a todos que fossem dormir. Rodrigo, Mariléia e Regina saíram em fila par escovar os dentes. Mas, Rafaelzinho, o mais curioso, ficou. A mãe, enquanto recolhia a louça, olhou para a mesa o menino sentado. Se voltou a ele. “O que foi, Rafael? Não gostou da história?”. “Gostei, sim, mãe – reagiu. “Mas... uma coisa eu não entendi bem nessa viagem da história”. A mãe, inquieta, questionou. “O que tu não achou bom?”. E o menino, em uma inteligência estranha para os seus seis anos, disparou: “Se a sexta-feira era santa, isso não era motivo de se comemorar, de ficar feliz? Por que Deus castigou eles por estarem feliz?”. E a mãe, perplexa e incomodada com a pergunta, só pode ordenar – “Vai para cama, Rafael e esquece dessa história!”.
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