segunda-feira, 17 de março de 2014

Violência e anestesia social, nos Dias e Noites de Amor e de Guerra do RJ

A noite carioca tem um q de desordem, um clima de liberdade, festa e risco. Por todos cantos o gringolês indica a presença do outsider, como o funk anuncia seu território, bem demarcado no ritmo dos morros. Em um caldeirão multicultural, temperado de preguiça e malandragem, se alargam os corações entre o céu da Lapa, os bares da zona norte e a vida bela pra lá de Leblon.

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Esse trágico episódio lembrou-me de um acidente rodoviário ocorrido por ocasião da morte de Ayrton Senna, no qual uma vítima fatal foi várias vezes esmagada por motoristas que passaram ignorando o corpo. Analisando aquele caso, na ocasião, um psicanalista atribuiu a indiferença coletiva ocorrida à comoção nacional com a morte do ídolo. Pois bem, analogicamente ao contágio coletivo que ocorreu naquela situação, receio que a assustadora imprudência que matou Cláudia Silva Ferreira tenha relação indireta com a teatralização banalizadora da violência que vem sendo exercida por líderes, agentes públicos e influenciadores de opinião.

"Eram cerca de 9h desse domingo, quando uma viatura do 9º BPM (Rocha Miranda) descia a Estrada Intendente Magalhães, no sentido Marechal Hermes, na Zona Norte do Rio, com o porta-malas aberto. Depois de rolar lá de dentro e ficar pendurado no para-choque do veículo apenas por um pedaço de roupa, o corpo de uma mulher foi arrastado por cerca de 250 metros, batendo contra o asfalto conforme o veículo fazia ultrapassagens. Apesar de alertados por pedestres e motoristas, os PMs não pararam. Um cinegrafista amador que passava pelo local registrou a cena num vídeo."

Leia mais e veja o vídeo de um cinegrafista aqui.

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É preocupante, realmente, como alguns abusos - apoiado ou não por maiorias silenciosas - têm se tornado freqüente pelo RJ, e por reflexo e sintoma, pelo resto do País. No caso da detenção desse sujeito, o fato se deu em circunstâncias de mais uma ação higienizadora da polícia carioca. Tive relatos de pessoas que estiveram no local e no momento do episódio, que confirmam a atuação escancarada de "expulsão preventiva" de menores do local. Não foi um ato isolado, como constatei pessoalmente outro dia na Lapa. Infelizmente, há por aqui uma repressão, aparentemente orientada, de determinados segmentos da população indesejáveis para uma imagem aos visitantes estrangeiros. Isso é tão triste quanto paradoxal em uma cidade que se vende como Maravilhosa, justamente por seu contraste cultural. "Uma pessoa, jornalista ou não, que esteja filmando – em logradouro público – uma atuação policial não está praticando ato que possa ser interrompido. Menos ainda está atuando de forma a ser conduzida para delegacia policial."

A nota abaixo é reproduzida do perfil de Carlos Latuff no Face.

Sobre a detenção hoje do repórter NINJA Filipe Peçanha, que registrava cenas de violência policial na praia de Copacabana, eis o que o juiz de direito João Batista Damasceno tem a nos esclarecer.

"Carlos Latuff,

Diz a Constituição no art. 5º, II que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Um agente público, ocupe ele o cargo que for, somente pode desempenhar as funções que sejam próprias do seu cargo. Fora disto estará praticando ilegalidade, por excesso de poder, que é abuso de poder.

O agente público não tem opção de agir. Estando no âmbito de suas atribuições ele tem o dever de agir. Se não o fizer pode responder por prevaricação.

Prevaricar, segundo art. 319 do Código Penal é “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Mesmo o agente que deixa de praticar um ato por elevado sentimento pode ser acusado de prevaricação. Mais ainda aquele que o faz por capricho. Um agente público somente pode fazer – e tem que fazer - o que a lei manda. Diversamente, um particular pode fazer tudo o que a lei não proíbe. Este é um princípio da ordem liberal, que orienta o Estado de Direito.

Uma pessoa, jornalista ou não, que esteja filmando – em logradouro público – uma atuação policial não está praticando ato que possa ser interrompido. Menos ainda está atuando de forma a ser conduzida para delegacia policial.

O art. 3º da Lei 4898 de 1965 diz que “constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção”. É diante deste tipo penal (previsão abstrata contida em lei) que estamos no caso concreto da pessoa presa por estar filmando atuação policial.

O delegado tem o dever de autuar os policiais (lavrar termo circunstanciado) que fizeram a condução do cinegrafista. Se não o fizer, estará prevaricando e poderá igualmente vir a responder pela conivência com a arbitrariedade policial.

Saudações democráticas,


Damasceno."

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