É provável que os cerca de 120 mil argentinos que transitam
por Porto Alegre e arredores nesta semana seja insuficiente para que se supere
o mito da adversidade entre os gaúchos e esses latino-americanos tão
culturlamente próximos; mas pelo menos essa convivência física deve contribuir
para escancarar o quanto é contraditório e ridículo esse estigma,
tradicionalmente inventado e amplificado por meio da Mídia pelo resto do País.
Texto e Foto: Editora Contexto
A resenha é de Ariel Palácios*.
Quem disse que os argentinos nos odeiam?
Ou que o tango é dançado em todo o país? Ou, ainda, que eles
nos veem como os grandes inimigos no futebol? Neste artigo, o jornalista Ariel
Palacios contesta este e outros e mitos construídos no Brasil e que ele trata
de desmanchar no livro “Os Argentinos”
Um dos principais mitos no Brasil sobre os argentinos é o
que indica que os argentinos nos odeiam. O mito talvez provenha dos anos 30 ou
40, quando o Brasil e a Argentina, nos anos quentes da Segunda Guerra Mundial,
olhavam para o outro lado da fronteira com extrema desconfiança. Mas, nas
décadas seguintes essas desconfianças diminuíram drásticamente. A partir de
1978, um milhão de argentinos foi de férias, anualmente, às praias brasileiras.
Ali começou um idílio que cresceu com o passar dos anos e continua em expansão.
Os argentinos amam o Brasil, embora isso possa causar traumas em pessoas que
prefeririam a existência de um ódio mútuo de elevada potência. Os argentinos
adoram as praias, as mulheres brasileiras, a música, o carnaval, possuem sadia
inveja da Fiesp, do Bndes...a esquerda argentina inveja o PT, a direita
argentina inveja os setores de direita que estão dentro do governo do PT. Há
uma idolatria tão grande pelo Brasil nos últimos anos que a coisa chega até ser
constrangedora.
Outro mito também tem a ver com a rivalidade
brasileiro-argentina no futebol. O mito está defasado em três décadas. O rival
argentino par excellence foi o Uruguai entre os anos 20 e 60. A partir dali,
esse pódio foi ocupado pelo Brasil. Mas, a partir de 1982, a Inglaterra
desbancou o Brasil, ocupando esse pódio. O motivo, evidentemente, era
geopolítico: a Guerra das Malvinas, de 1982. Uma das provas de que os
argentinos saboreiam mais derrotar a Inglaterra do que o Brasil é que os dois
gols mais amados pelos argentinos são dois gols contra os ingleses, desferidos
por Diego Armando Maradona em um mesmo jogo, na copa do México, em 1986. Os
argentinos até se referem aos ingleses com o termo “piratas”, em referência à
posse britânica das Malvinas desde 1833. Não há nenhum gol contra o Brasil que
tenha ficado na memória popular.
Também existe uma confusão no exterior, inclusive no Brasil,
entre Buenos Aires e o resto da Argentina. A capital argentina e sua área
metropolitana possuem características muito marcantes e diferentes do resto do
país.Tudo bem, essa área representa mais de um terço da população
argentina.Mas, as marcas dessa região não são automaticamente transferíveis ao
resto do país. Uma delas é o sotaque portenho, que não existe no interior. O próprio
tango não é dançado no interior da Argentina, pois é o ritmo da capital.
Outra confusão: muitos brasileiros acham que os argentinos
acreditam que Carlos Gardel é argentino e que disputam sua nacionalidade com os
uruguaios. Nada disso. Os argentinos não falam que Gardel é argentino. Eles
dizem que Gardel é francês de nascimento e que quando era criança foi levado
para a Argentina por sua mãe. Os franceses defendem a mesma tese. Só os
uruguaios afirmam que ele nasceu no Uruguai. De todo modo, Gardel foi criado na
Argentina e cantou “Mi Buenos Aires querido”....com letra de Alberto Lepera,
filho de imigrantes italianos que nasceu no Brasil (e que foi com poucos meses
para Buenos Aires).
Outra coisa: não cante para um argentino “Não chores por mim
Argentina” como se fosse uma canção de Evita Perón. A segunda mulher de Perón
nunca foi cantora. Talvez cantasse na ducha, mas não temos constância histórica
disso. Ela foi uma atriz de segunda magnitude de radionovelas e de cinema. Essa
famosa canção é do musical britânico “Evita”, que nos anos 90 foi interpretado
por Madonna no cinema.
De resto, umas pequenas confusões geográficas: A cidade de
Mendoza é “Mendoza” mesmo, e não a versão aportuguesada de “Mendonça” (não se
preocupem, muitos argentinos, não sei o motivo, insistem em dizer FlorianÁpolis
em vez de Florianópolis). E a cidade de Ushuaia se pronuncia “Ussuáia” e não
“Uxuáia”, pois o “sh” não é inglês...é o idioma indígena yagán. E a pessoal
natural da cidade de Buenos Aires não é “bonaerense” ou “bonairense”...é
“portenho”. O “bonaerense” é a pessoa natural da província de Buenos Aires.
*Ariel Palacios, jornalista brasileiro radicado em Buenos
Aires, lança no dia 6,em Curitiba, o livro “Os Argentinos”, pela Editora
Contexto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário