quarta-feira, 25 de junho de 2014

Nós e os argentinos

É provável que os cerca de 120 mil argentinos que transitam por Porto Alegre e arredores nesta semana seja insuficiente para que se supere o mito da adversidade entre os gaúchos e esses latino-americanos tão culturlamente próximos; mas pelo menos essa convivência física deve contribuir para escancarar o quanto é contraditório e ridículo esse estigma, tradicionalmente inventado e amplificado por meio da Mídia pelo resto do País. 

Texto e Foto: Editora Contexto

A resenha é de Ariel Palácios*.

Quem disse que os argentinos nos odeiam?


Ou que o tango é dançado em todo o país? Ou, ainda, que eles nos veem como os grandes inimigos no futebol? Neste artigo, o jornalista Ariel Palacios contesta este e outros e mitos construídos no Brasil e que ele trata de desmanchar no livro “Os Argentinos”

Um dos principais mitos no Brasil sobre os argentinos é o que indica que os argentinos nos odeiam. O mito talvez provenha dos anos 30 ou 40, quando o Brasil e a Argentina, nos anos quentes da Segunda Guerra Mundial, olhavam para o outro lado da fronteira com extrema desconfiança. Mas, nas décadas seguintes essas desconfianças diminuíram drásticamente. A partir de 1978, um milhão de argentinos foi de férias, anualmente, às praias brasileiras. Ali começou um idílio que cresceu com o passar dos anos e continua em expansão. Os argentinos amam o Brasil, embora isso possa causar traumas em pessoas que prefeririam a existência de um ódio mútuo de elevada potência. Os argentinos adoram as praias, as mulheres brasileiras, a música, o carnaval, possuem sadia inveja da Fiesp, do Bndes...a esquerda argentina inveja o PT, a direita argentina inveja os setores de direita que estão dentro do governo do PT. Há uma idolatria tão grande pelo Brasil nos últimos anos que a coisa chega até ser constrangedora.

Outro mito também tem a ver com a rivalidade brasileiro-argentina no futebol. O mito está defasado em três décadas. O rival argentino par excellence foi o Uruguai entre os anos 20 e 60. A partir dali, esse pódio foi ocupado pelo Brasil. Mas, a partir de 1982, a Inglaterra desbancou o Brasil, ocupando esse pódio. O motivo, evidentemente, era geopolítico: a Guerra das Malvinas, de 1982. Uma das provas de que os argentinos saboreiam mais derrotar a Inglaterra do que o Brasil é que os dois gols mais amados pelos argentinos são dois gols contra os ingleses, desferidos por Diego Armando Maradona em um mesmo jogo, na copa do México, em 1986. Os argentinos até se referem aos ingleses com o termo “piratas”, em referência à posse britânica das Malvinas desde 1833. Não há nenhum gol contra o Brasil que tenha ficado na memória popular.

Também existe uma confusão no exterior, inclusive no Brasil, entre Buenos Aires e o resto da Argentina. A capital argentina e sua área metropolitana possuem características muito marcantes e diferentes do resto do país.Tudo bem, essa área representa mais de um terço da população argentina.Mas, as marcas dessa região não são automaticamente transferíveis ao resto do país. Uma delas é o sotaque portenho, que não existe no interior. O próprio tango não é dançado no interior da Argentina, pois é o ritmo da capital.

Outra confusão: muitos brasileiros acham que os argentinos acreditam que Carlos Gardel é argentino e que disputam sua nacionalidade com os uruguaios. Nada disso. Os argentinos não falam que Gardel é argentino. Eles dizem que Gardel é francês de nascimento e que quando era criança foi levado para a Argentina por sua mãe. Os franceses defendem a mesma tese. Só os uruguaios afirmam que ele nasceu no Uruguai. De todo modo, Gardel foi criado na Argentina e cantou “Mi Buenos Aires querido”....com letra de Alberto Lepera, filho de imigrantes italianos que nasceu no Brasil (e que foi com poucos meses para Buenos Aires).

Outra coisa: não cante para um argentino “Não chores por mim Argentina” como se fosse uma canção de Evita Perón. A segunda mulher de Perón nunca foi cantora. Talvez cantasse na ducha, mas não temos constância histórica disso. Ela foi uma atriz de segunda magnitude de radionovelas e de cinema. Essa famosa canção é do musical britânico “Evita”, que nos anos 90 foi interpretado por Madonna no cinema.

De resto, umas pequenas confusões geográficas: A cidade de Mendoza é “Mendoza” mesmo, e não a versão aportuguesada de “Mendonça” (não se preocupem, muitos argentinos, não sei o motivo, insistem em dizer FlorianÁpolis em vez de Florianópolis). E a cidade de Ushuaia se pronuncia “Ussuáia” e não “Uxuáia”, pois o “sh” não é inglês...é o idioma indígena yagán. E a pessoal natural da cidade de Buenos Aires não é “bonaerense” ou “bonairense”...é “portenho”. O “bonaerense” é a pessoa natural da província de Buenos Aires. 

*Ariel Palacios, jornalista brasileiro radicado em Buenos Aires, lança no dia 6,em Curitiba, o livro “Os Argentinos”, pela Editora Contexto.

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