domingo, 22 de fevereiro de 2015

Provocações do Tião - Da Chuva de Veneno à Eugenia Mercantil do Império

Sebastião Pinheiro*

Dois respeitáveis jovens amigos postaram o vídeo sobre a chuva de agrotóxicos no Mato Grosso. Eu tinha a idade deles, quando na cidade de Tangará da Serra mais de uma centena de pessoas morreram pela mesma intoxicação; e em Rio Verde (GO) a CETESB encontrou mais resíduo de venenos no altar da catedral da cidade que nos campos de algodão.  Porque a história se repete?

O cientista afirma que foi pesquisado o leite materno e encontrado venenos, mas o prato é recalentado há meio século.  

Os primeiros mapas foram feitos em 1950 e o levantamento mundial foi feito em 1966 depois do escândalo das águias na América do Norte (EUA, Canadá e México). 



Igual que aqui, na Guatemala outro “cientista”, em 1978 encontrou no leite materno os inseticidas que agora aterrorizam meus jovens amigos.  Lá a Nestlé aproveitou a onda para fazer propaganda que o seu leite (Ninho) era mais são, pois as vacas comiam somente capim onde não era aplicado aquele veneno incitando as mães consumi-lo abandonando o aleitamento materno.

É um mundo muito estranho. O chargista sueco que desenhou o profeta Maomé com cara de cachorro foi chamado para debater a liberdade de expressão resultando em três mortos em Copenhagen, uma das cidades mais humana e civilizada da Europa, onde o Glyphosate está proibido, não por contaminar a água.

Lembram-se do nosso filósofo contemporâneo Edmundo, o Animal, que jogou pelo Vasco e Palmeiras que chamou um juiz de futebol de “Paraíba”. Recebeu o desafio de um trabalhador (nordestino) da construção civil carioca: “Eu queria vê-lo dizer “Paraíba” aqui nessa obra”.



É verdade, antes havia respeito ao direito alheio significando a paz (B. Juarez), mas hoje, é tudo consumo, mercadoria e não há valor em nada que não tenha preço.  E até a blasfêmia é usada como arte, cultura e direito.

O pior é que as notícias vão e vem sem nenhum acumulo cívico, educacional ou riqueza moral. 

Antes, os agrotóxicos eram tecnologia militar deslocada para a agricultura para subsidiar a corrida armamentista embora obsoleta, mas os valores que eles representam podem ser percebidos quando o país passa a ser o primeiro consumidor do mundo em 2004, no governo de quem? O estranho é que todas as audiências no congresso nacional, requerimentos na MPF e ações públicas de seus correligionários foram para as calendas gregas. 

Os exemplos dos EUA em capacitação e treinamento de agricultores baseados nas normas da EPA ou da Diretiva Comunitária 414/91 da União Européia jamais foram aplicados.

No entanto, ONGs para-partidárias enriqueceram nesse mesmo período pregando uma agricultura sem venenos, que outro renomado cientista afirmou ser coisa de duendes, sereias e boitatás.

O amigo Dr. Joel Filártiga está apavorado com o meio bilhão de litros de Glyphoste usados no mundo.  Há muitos que afirmam que a doença celíaca (Intolerância ao Glúten) (foto) é provocada pelo Glyphosate e outros dizem que os “obesógenos” são disparados pelos agrotóxicos.

A Monsanto diz que seu herbicida foi inventado por seu cientista John Franz, que está no Hall da Fama, no entanto a molécula de Glyphosate tem patentes industriais anteriores à Segunda Guerra Mundial, na Alemanha, Áustria e Hungria. Ele era patenteado como um poderoso agente quelatizador de minerais (seqüestrador de minerais no ambiente, alimentos, água, etc.).

Se eu perguntasse para um estudante secundário europeu ou asiático os riscos e perigos do uso desse agente quelatizador na agricultura, em um trabalho de grupo orientado, por um período de quatro horas, se obteria um resultado de excelente qualidade. No entanto, nas universidades nos cursos de Biologia, Nutrição, Agronomia e Veterinária na América Latina é impossível fazer entender ao professor dos agronegócios o porquê as plantas adventícias Buva (Conyza bonariensis); Cardo Estrela Amarela (Centaurea diffusa, C. soltistialis) dentre outras, infestam os milhões de hectares de campos onde se usam aquele herbicida. 

Estas plantas adventícias como muitas outras possuem em seu metabolismo secundário mecanismos de acumulo de micronutrientes (oligoelementos) e elementos traços e sub-traços que a sua vez podem bloquear a toxicidade daquele herbicida (8-Hidroxiquinoleína). 

Ao mesmo tempo, em que nos cultivos (soja, trigo, milho, arroz, feijão etc.) por não haver mecanismos similares as plantas ficam carentes desses elementos estratégicos, entre eles as Terras Raras resultando na “fome oculta” (Hidden Hunger), postado ano passado e cria a corrida para os alimentos de griffe para os que podem pagar mais, enquanto a ignorância permanece exponencial através dos alimentos escassos, erodidos em minerais e outros nutrientes.

Em certos países, se está acelerando a maturação e secagem de grãos para facilitar a colheita em condições climáticas adversas.  O desequilíbrio nesses cultivos leva à formação e incremento de micotoxinas (vomitoxina), que proíbe o consumo animal desse grão no país, mas não o impede de que seja vendido para países pobres da África, sob a alegação que o comprador é responsável pela qualidade do que adquire (Folha de São Paulo de 23 de Dezembro de 2014).

Voltando ao vitupério do “Animal”: - Essa liberdade de expressão (expressa+ ação) é igual ou diferente das dezenas de degolados, explodidos, chacinados, estuprados e outros diuturnamente mostrados em nossos lares? 

Não é necessário explicar que os agrotóxicos na época da ditadura civil-militar eram objetos na luta pela cidadania.  Hoje eles são sujeitos de terror, alienação, medo e conformismo do consumidor vítima da Eugenia Mercantil do Império.

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*Engenheiro Agrônomo e Florestal, Ambientalista e Escritor

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O caminho e a lanterna

Ocorreu-me por esses dias que a metáfora da vida pode ser resumida em uma sala escura, a ser cruzada, em um tempo limitado. E, na porta, é a nós entregue uma lanterna, de potência correspondente a um certo acúmulo de memória e experiência passada. Ao avançarmos, temos condições de iluminar certos espaços, e enxergar caminhos bons ou ruins. Recebemos também luzes dos que vão na frente, se assim aceitarmos o soubermos capturar. Assim como podemos iluminar, ou escurecer ainda mais, os caminhos dos que vem logo atrás. Só uma saída definitiva há, a do fim. E iluminar o trajeto, o máximo possível e ainda nele, fazendo as melhores escolhas, é o grande desafio.

Conheça a escola livre que fica em uma comunidade sustentável na Bahia

"Diferente de qualquer escola a qual estamos acostumados, a Escola Livre se baseia na criatividade espontânea e permite que a criança escolha as atividades que deseja desenvolver – seja a pintura, o teatro, a marcenaria ou uma soneca. “Fica evidente a importância de não propor tarefas, sejam elas aulas olhando para o quadro ou uma atividade artística. A vontade deve vir da criança“, afirma a escola, que funciona desde 2008 sob a coordenação da educadora uruguaia Ivana Jauregui."

Reportagem completa aqui.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

PONTAL DO BURITI - brincando na chuva de veneno





"Foi, talvez, um dos surtos mais graves de intoxicação por agrotóxicos no Brasil" (Wanderlei Pignati, médico e pesquisador - UFMT). "A pesquisadora que descobriu veneno no leite materno"."Em média, o brasileiro consome 5,2 litros de agrotóxicos por ano". O material também rende uma bela aula de jornalismo e suas limitações.

Filme/Documentário: PONTAL DO BURITI - brincando na chuva de veneno

Em 3 de maio de 2013, a partir das 9 horas da manhã, uma aeronave da empresa Aerotex Aviação Agrícola Ltda., sobrevoou a Escola Municipal Rural São José do Pontal, localizada na área rural do município de Rio Verde/GO, "pulverizando", com o veneno Engeo Pleno da Syngenta, aproximadamente 100 pessoas, entre elas crianças, adolescentes e adultos, que estava na área externa do prédio em horário de recreio. Algumas crianças e adolescentes, "encantados" com a proximidade que passava o avião, receberam elevadas "doses" de agrotóxico.

Este não é um caso isolado. Esta é a realidade do agronegócio no Brasil.

Direção e Roteiro: Dagmar Talga

Produção executiva: Murilo Mendonça Oliveira de Souza

Imagens e Produção: Murilo Mendonça Oliveira de Souza e Dagmar Talga

Trilha Sonora: Tobias Bueno

Montagem: João Paulo Oliveira

Assistente de Montagem: Girilane Matos

Design de Capa: Janiel Divino de Souza

Entrevistas:
Ana Paula Assis dos Santos;
Annotília Paiva Ferreira;
Cássia Maria Pereira Arantes;
Cláudio Costa Barbosa;
Daniel Rech;
Danilo Fabiano Carvalho e Oliveira;
Flávia Carvalho;
Gessi Cabral Guimarães;
Giovane Bastos de Miranda;
Hugo Alves dos Santos;
Jenyfer Joice Honorato de Almeida;
Joana D'Arc Honorato de Almeira;
Juarez Martins Rodrigues;
Karen Friedrich;
Leandro Elias dos Santos;
Leila Pereira de Assis;
Lia Giraldo;
Luana Vieira Leal;
Lucimar Arruda Vieira;
Maria de Fátima Rocha;
Maria Divina Faria Alves;
Regina Celi Moreira Vilarinho Barbosa;
Reni Gonçalves de Lima;
Ricardo Arantes Ferreira;
Rita de Cassia Carvalho Oliveira;
Sebastião Carvalho Vasconcelos;
Talya Luíza Faria Alves;
Vanessa Gonçalves Silva;
Wanderlei Pignati;
Wendy Wyne Isabel de Lima;
Wilson Rocha de Assis.

Vídeos:
Jornal Nacional - TV Globo;
Jornal da Globo - TV Globo;
Programa Radar - TV Anhanguera;
Agrolink.

Trilha Sonora:
Brian Crain - Water;
Brian Crain - Rain
Yann Tiersen - La Vie Quotidienne
Brian Crain - Dream Of Flying
Vitor Jara - La Partida

Agradecimentos:
Flávio Antônio dos Santos
Naldia Faedo
Lázaro Ribeiro
Comissão Pastoral da Terra - Regional Goiás
Universidade Estadual de Goiás - UEG
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida - Comitê Goiano

Contato:
Gwatá - Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo

Universidade Estadual de Goiás - UEG
UnU - Cidade de Goiás (62) 3371-4971

Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida contraosagrotóxicos@gmail.com - (11) 3392-2260

Cidade de Goiás -GO 2013

Militares da Democracia: os militares que disseram NÃO





Só vou acreditar na consolidação da democracia política brasileira quando materiais como esse tiver inclusão obrigatória nos colégios e academias militares brasileiros. Entre os trabalhos de Silvio Tendler, esse documentário é especialmente antológico. Revela a traição como uma prática sistemática entre os militares sobre o Governo Jango, via testemunhas dos próprios oficiais, então leais ao presidente; expõe a controvérsia de última hora, que poderia ensejar a resistência, via o CMS. Mas também demonstra que a organização do golpe nunca foi de adesão tranquila internamente.No tempo 25'12", por exemplo, registra como, em março de 1964, os marinheiros e fuzileiros insubordinam-se a ordem superior, de reprimir os colegas - então reunidos no Sindicato dos Metalúrgicos para celebrar o aniversário da AMFNB - largando as armas e unindo-se a estes, em apoio ao presidente supremo das FFAA, o Presidente da República.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Seguranças e Violências

A diferença entre Segurança Pública e repressão indiscriminada existe, e é clara para quem quer enxergar. Muito antes de uma mera alegação de segmentos atingidos, o abuso policial reflete também uma cultura militar que ainda não se acomodou a um estado democrático. Aliada a esse desvio, estão as orientações ideológicas de governos inaptos a conviver com a crítica. O governante incompetente tende a recorrer a um populismo que surfa na criminalização dos movimentos sociais. Esse discurso encontra também eco fácil em uma certa imprensa corporativa, que difunde a violência. Ao mesmo tempo, torna vítima seus próprios profissionais, além de outros trabalhadores da notícia, pontas de lança de um círculo vicioso e degradante. Via Marciano Silva

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Mapa das Organizações da Sociedade Civil

Ipea, FGV e Secretaria-Geral da Presidência da República desenvolveram uma plataforma na qual é possível consultar, de forma georreferenciada, dados relativos às organizações da sociedade civil no Brasil (OSCs).

Conheça o 'Mapa das Organizações da Sociedade Civil'

VALE A PENA CONSIDERAR

O caso do trote violento em Adamantina (SP), que vitimou estudantes com ácido em olhos e pernas, e que se soma a tantos outros abusos e agressões desse tipo registrados em universidades brasileiras, é realmente apenas parte de "excessos de uma brincadeira tradicional"? Ou refletiria, no fundo, resquícios de uma cultura de violência histórica, introjetada e perpetuada nas estruturas de poder do Brasil, e que se expressa até hoje por grupos e classes, como forma de afirmação dos "diferentes" sobre os mais vulneráveis (outsiders), nem que seja por rituais de crueldade?

Leia a reportagem "MP instaura inquérito para investigar trote que feriu alunos em Adamantina"

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A “Olho Nu”, uma energia complexa chamada Ney Mato Grosso



Há alguns documentários que marcam pelo alto nível das imagens e a boa trilha sonora; outros, pelo forma com que o diretor controi e concatena uma história; há, ainda, os que nos conquistam pelo texto e a expressividade dos atores/entrevistados. Mas, quando se combinam esses fatores, somados a uma polivalência de um personagem de longa trajetória artística e singular modo de ser, pode haver condições favoráveis para uma catarse na plateia. Foi o que encontrei em “A olho nu”, documentário de Joel Pizzini (2014), sobre a vida e obra de Ney de Souza Pereira, ou Ney Mato Grosso.

A simples escolha de um artista como Ney, pela expressividade histórica na música brasileira e o jeito exótico de cantar atuando (porque o proprio Ney se afirma no documentário, como um cantor que atua) já seria, por sí, um ponto fortemente positivo para ampliar o interesse no filme para além de seus fãs. Mas Pizzini acertou a mão também nas escolhas e no modo de contar. Beneficiado pela disposição de um rico acervo audiovisual e discográfico, acumulado ao longo da vida do artista, o diretor dosou o íntimo e o público, magistralmente. Sob um roteiro multilinear, o cantor sul-matogrossense conta a sua história a partir de vários aspectos, sem dissociar de uma coesão com um ponto aparentemente perseguido: a sua interioridade, aquilo que o moveu e o move como ser humano, para além dos palcos.

Apresentar curiosidades sobre Ney Mato Grosso, desde a sua infãncia, em Bela Vista (MS), os seus hábitos na esfera familiar, o início de usa carreira, aos momentos mais brilhantes de sua vida – entre RJ, SP e Brasíla - estão contemplados no trabalho de Pizzini, para a satisfação dos fãs. Mas para os que ainda pouco ou nada conheciam o artista, o diretor também criou pontos de contato. Entre paisagens belíssimas dos recantos do centro-oeste em que o cantor cresceu e momentos especiais de seus shows, o diretor articulou uma linha narrativa conduzida pelo próprio Ney, em que se misturam ângulos curiosos de performances com comentários do cantor sobre temas como aids, censura e política e homossexualidade. São visões de mundo que se harmonizam nas cenas, não apenas como tempero, mas como elementos ilustradores das experiências de vida do artista.

O retrato desses momentos, a propósito, entre a pré e a pós atuação é um elemento digno de nota. O corpo, as cores, a criatividade, os silêncios, os olhares, enfim, a energia atomizante que o artista estabelece a partir de si, apresenta um lado atraente, estravagante e interessante sobre esse consagrado artista, sem cair na vulgaridade, ainda que o diretor demonstre não ter qualquer pudor em explorar a fundo o lado “libístico” assumido tranquilamente pelo cantor.

O modo de se projetar e se expressar com o corpo, ampliando sua significância para muito além de um suporte de voz e performance, transformação ou transgenerização desse personagem homem-mulher-bicho-transgênero, que explode com os limites da crítica tipificante e convida a plateia para perceber novas indefiníveis possibilidades de um artista ser, sem reduzir-se, concede ao documentário um valor transtemporal. As parcerias com nomes como Cazuza, Chico Buarque, Caetano Veloso e outros célebres, da velha e da nova geração da MPB, também dão uma cor especial ao esse trabalho.

Enfim, assistir A Olho Nu é a oportunidade de conhecer muito mais do que o artista e o humano Ney Mato Grosso: traz aos olhos e à sensibilidade do espectador um panorama singular sobre a história da música brasileira, e por tabela, da nossa história como um todo. Sobre o personagem-indivíduo o documentário nos marca também com a mensagem de que a vida de um artista brasileiro é bem mais que a soma de adversidades e conquistas - contém um ser humano que se afirma, reafirma, ou se nega. No caso de Ney, como raros outros, o caminho parece ter sido aceitar-se e assumir-se, do avesso, e em absoluto.