Sebastião Pinheiro*
A Rede Bandeirantes de TV mostrou durante toda a semana, imagens repetitivas de caçadas de "porcos monteiros" como se javali fossem em Monte Azul/SP. Um javali é bem diferente de um porco monteiro. A introdução de javalis com intuito de criar o rentável segmento turístico de caça desportiva não é coisa recente, fomos vítima disso há mais de vinte anos, quando já usávamos nossa técnica de "buscar a quinta pata do gato" e denunciar, inibindo qualquer fascinação, estupefação ou reverencia à informação de "aparência ingênua ou inconfessável".
A caça desportiva no Brasil somente era permitida no Estado do RS para lebres, aves de banhado (marrecas e paturis) e de terra firme (perdizes, codornizes e poucas outras do bioma Pampa) até inferência do Ministério Público Estadual junto à Fundação Zoobotânica, criada durante a ditadura com a finalidade de impedir qualquer critica à introdução da Agricultura Moderna e seus impactos sociais, ambientais e econômicos.
A FZB parte da Secretaria da Agricultura, como órgão de elite, dinâmico e livre do ranço burocrático em poder de herdeiros latifundiários e já condenada pelos novos tempos da "Revolução Verde". Seus estudos eram ansiosamente aguardados todos os anos para as cotas, locais e número de peças de abate permitido; Assim como seus programas de controle e fiscalização. A FZB ficou visível no atual "governo" interessado em seu decesso. Coincidindo com a leitura do livro Negro da WWF (Schwarzbuch WWF, foto) entendi a proposta sulista e a propaganda paulista, pois na globalização da natureza tudo é dinheiro, sustentável e deve consumir serviços de entidades tipo WWF, GIZ, JICA, USAID ou Médicos Sem Fronteiras, pois não há mais políticas públicas, tudo é mercado, sem fomento para compra de serviços. Eis "a quinta pata do gato".
Em 1992 tive a oportunidade de atender uma denuncia de presença de javali no Município de Caxias do Sul como um funcionário do IBAMA/RS, pois havia sido o primeiro agrônomo no Brasil a ser "de fenestrado" do Ministério da Agricultura, embora concursado, à pedido da Máfia dos Agrotóxicos pelo Collor de Mello, mas não podia ser demitido e me enviaram para aquele triste órgão ambiental.
Com relutância o dono não queria mostrar o animal denunciado, um jovem híbrido de porco Duroc Jersey com Javali europeu. Logo percebi a intenção do seu proprietário de origem italiana: Usá-lo como reprodutor (levaria pelo menos oito anos para obter matrizes e reprodutores verdadeiramente javalis, mas de alta endocria).
Um javali nada mais é que um porco domesticado desde o Holoceno e seus cruzamentos com o javali nada mais é que um retrocruzamento que possibilita heterose (vigor híbrido). Os genes atávicos dominantes permitem rápida adaptação à vida livre na forma comunitária. Liberdade é tudo, logo o que temos são híbridos, que dentro de breve voltarão a ser algo mais que porcos monteiros e sim javalis do Antropoceno como há no Canadá e Argentina.
Durante os estágios de engenharia florestal na Patagônia tive alguns encontros com javalis verdadeiros, onde o mesmo cem anos antes fora introduzido para criação de coutos de caça, assim como o cervo vermelho e o cervo Dama, além dos castores e animais de peles raras (visão, martas etc.). Vale à pena contar que o maior ato de bravura mapuche nos bosques patagônicos é montar em um javali somente segurando uma orelha com uma mão e com a outra encontrar seu coração com as adagas gaúchas. Ainda rio, pois entendo a expressão dos gaúchos daqui: "montar num porco". O javali alcança fácil 400 quilos e abre um bisão, boi ou cavalo ao meio com apenas um movimento de cabeça (foto canadense).
No retorno visitei na capital gaúcha um restaurante que oferecia carne de javali na Rua Benjamim Constante. Elaborei um requintado relatório antevendo o futuro, estive na TVE e nos jornais alertando para ele. Encaminhei o relatório para os chefes do órgão ambiental com cópia ao Ministério Público Federal, pois a introdução de espécies exóticas é um crime de alta gravidade e lembro bem que alertava para o principal risco que ocorre na Argentina, onde a carne de javali é contaminada pelo verme a Trichina spiralis, então inexistente no Brasil e mortal. Eu bem sabia que não era somente isso, pois nos Sul pelo ratão do banhado a Leptospirose, Toxoplasmose endêmica no Alto Uruguai, Brucelose, Aftosa, lepra e até o raro carbúnculo, mas o mais temível é o ataque a humanos.
No livro "Ladrões de Natureza" está o registro sobre a introdução criminosa do javali ignorado pelas "autoridades ambientais" ressaltando os riscos futuros pela questão fronteiriça com o Uruguai de onde estava sendo introduzido por contrabando o animal. Nenhuma ação foi tomada e logo fui colocado na "geladeira" após impedir falcatruas no corte de araucárias na nascente do Rio do Peixe e outras, denunciadas em Audiência Pública na Assembléia Legislativa perante o Deputado Francisco Appio e vários procuradores federais... Um furo na água, 3 anos depois da geladeira fui convidado a ir para UFRGS pela participação no trabalho "Suicídios em Venâncio Aires e Fosforados na Fumicultura".
Reflexão: - Muitos não lembram quando vinte navios carregados de soja retornaram da China, pela contaminação com sementes tratadas com fungicida misturada à carga. O governo assumiu os custos e indenizou os compradores e deixou os responsáveis pela jogada especulativa com a soja nacional impunes. - Poderá, novamente, alguém usar a presença do javali, como retaliação ou especulação nas compras agrícolas alegando o potencial de riscos de zoonoses ou vender certificados de Responsabilidade e Sustentabilidade nos produtos agrícolas regionais e nacionais? Por favor, leiam o livro negro da WWF de Wilfried Huismann e saberão a que me refiro.
Um cunhado afirma que em toda região de Butiá, São Jerônimo, assim como Assentamentos da Reforma Agrária há incidentes com porcos monteiros/javalis no RS na atualidade, mas logo teremos mortes de humanos.
O segmento de caça desportiva já está formatado e logo terá sua associação e lobby, igualzinho à importação de "pneus usados" que expandiu a dengue e tinha até uma ex-ministra (W.D) como sua porta-voz... Mas esse é outro relatório na construção do "biopoder camponês", e fica para depois...
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*Engenheiro Agrônomo e Florestal, Ambientalista e Escritor.
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