segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Dos tomates gigantes da vizinha solidária e algumas outras reflexões



Há pouco menos de 1h, bate alguém em minha porta, e quando atendo, sempre com o ressabiamento de quem não recebe visitas, sou surpreendido, com um a minha vizinha de condomínio com um prato, com que pareciam caquis, pelo volume, mas não demorei para perceber-se tratar-se de quatro grandes tomates. “Gostas? É orgânico”, disse ela, com um sorriso de quem sabe estar fazendo o bem. “Claro, e muito mais sendo assim”, respondi. Tratava-se de uma pequena amostra da colheita da horta das irmãs missionárias, da escola em que ela leciona. 

Mas, confesso, que meu contentamento, nesse caso, ainda que adore tomates orgânicos, estava mais além do que o mero presente, tinha a ver com a oportunidade de ter me dado conta o quanto é valioso cultivar a solidariedade, e como ter vizinhos – esses seres raros em nossos dias nos padrões de outrora – é uma oportunidade interessante para isso.

Lembrei-me, a partir dessa interação, de tantas vezes que tive no contato de pessoas que moravam próximas um apoio de informação, afetividade, ambientação e outras tantas formas de socialização saudável, entre as várias cidades que morei. No interior, dizia essa minha vizinha, quando matavam um animal, enquanto esquartejavam o bicho, iam citando que a parte tal era para fulano e a outra para cicrano, sendo as crianças responsáveis por distribuir esses pedaços à vizinhança. Ao comentar essa tradição com a minha mãe, que também cresceu no meio rural, ela confirmou isso, e até deu outros detalhes sobre essa cultura do compartilhamento.  

 A cultura da doação e da troca se empobreceu, de fato, em nosso meio, por várias razões. Uma delas, acredito, é o medo de perder o que se tem, materialmente falando, mesmo que dispensável isso o seja. As necessidades se multiplicam em uma cultura consumista, e ter pode tornar-se um valor por sí só, que facilmente leva ao acúmulo. Acumular o que não se precisa, como se o mais importante fosse o dinheiro e os objetos em sí, mas não aquilo que ele pode proporcionar, inclusive a partir de sua partilha.

A propósito disso, uma experiência que tive há poucas semanas, com um amigo, professor universitário de Brasília, ficou-me bem marcada. Em uma mesa de bar, na calçada da Andradas, onde passam várias pessoas que pedem dinheiro ou vendem coisas, um casal passou por nós vendendo balas. Diante de nossa recusa, o homem perguntou se poderíamos ajuda-lo para comer um lanche, ao que meio colega disse “Podem pedir”. O cara pediu o lanche, mas, educadamente, perguntou se podia pedir uma torrada, ao invés do salgado, e a reação de meu amigo foi mais enfática e ousada: “Vocês podem pedir o que quiser”.

Fiquei um pouco perturbado com aquilo, confesso, já que não sabia bem como o casal reagiria e, embora saiba que o salário de meu colega não é ruim, pensei que ambos pudessem abusar. Mas, pra minha/nossa surpresa, a única coisa fizeram foi pedir uma torrada um pouco maior. E na saída, após alimentados, rasgaram elogios e agradecimentos ao meu amigo. “Eu nunca vou me esquecer disso, foi um grande presente de Natal”. Essa experiência me marcou bastante a respeito dessa ideia que temos do dinheiro e a ambição, bem como sobre o que significa a liberdade de escolher para quem tem bem pouco.

Nesses tempos de grades, muros e cercas, em que o estranhamento e a desconfiança é a regra entre os seres humanos, acho que poderia ser bem positivo recuperarmos aquela cultura de troca de nossos antepassados. Há espaços e canais para isso hoje, muito mais que em outros tempos. A ideia que precisamos apenas possuir e acumular pode ser tão viciante e prejudicial quanto a noção arrogante de que não temos mais a aprender ou colocar em dúvidas nossas convicções. Nesse aspecto, o compartilhamento no plano material tem muito a ver com a partilha de ideias e dúvidas no plano do saber, e em ambas instâncias, recebemos satisfações e valores que não podem se medir monetariamente, exatamente por que são imensuráveis no que se refere ao desenvolvimento do espírito, seja sob que ótica religiosa ou filosófica esteja se situando.

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