terça-feira, 20 de março de 2018

Da periferia ao Centro

19 de março, mais um dia em uma capital brasileira.

Cinco dias após o a execução covarde da vereadora Marielle, no RJ, cá no Sul, vou vivendo, tentando entender tudo isso.

Agora sem celular, pois fui roubado dentro do ônibus, por um assaltante aparentemente tão desesperado quanto truculento, me sinto meio aliviado, de certa forma. Precisamos tecnologia, sim, mas ela nos escraviza. Andar, em silêncio, enriquece muito. Tipo as andadas que dou, diariamente, do bairro ao centro, de minha cidade.

Foi numa destas, na fila da Lotérica, que observava como é dinâmica e fria o atendimento das caixas. Aí me ocorreu porque os banqueiros dispensam tanto o atendimento face-a-face. Além de custoso financeiramente, ele aproxima as pessoas. E isso esclarece, o que é perigoso. Um idoso, por exemplo, se queixava que havia se enganado quanto ao valor do saque. A atendente berrava do outro lado: mas o senhor confirmou, mas o senhor confirmou!!! No fim, tudo corrigido e ele se despediu desejando bom dia à moça, que respondeu desajeitada.

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A universidade, por outro lado, prossegue distante de tudo, apesar de tão próxima. Parte da periferia, uma parte bem inexpressiva, está lá. Mas não representa ainda quase nada. As mesas grandes, que outrora aproximavam, agora são mesas redondas, que poderiam aproximar mais, senão fosse o individualismo que impera e as torna particulares. Não raro ver estudantes comerem em mesas sozinho e a maioria interagindo com dispositivos móveis enquanto comem, o que se replica também nos transportes coletivos, bares e até nas ruas. 


Na faculdade, há o medo de uma esquerda que não existe mais. Sim, das faculdades mais atrasadas, cabeças do século passado prosseguem pensando que Lula e o PT são uma ameaça. No elevador, encontro um professor, ou sei lá o que, que diz: Maluf é petista. Aqui são petistas. E eu respondo “... ainda se fossem PSOL” (Partido da vereadora assassinada).. foi só o que me ocorreu antes da porta do elevador fechar.

O campus tem mais cores étnicas, mas de fundo, vai demorar muito para democratizar de vez. Isso é lento, há mentes e culturas encasteladas. De qualquer modo, há um movimento silencioso por indígenas e quilombolas que não se aquietam, que teimam em lá preservar as vagas conquistadas pelas cotas, mesmo havendo muitos querendo os tirar de lá.

No prédio da medicina, o medo é o que impera. Ali fica bem mais nítido o controle e o terror contra a ameaça externa, que vem contagiando a todos nos últimos anos. Não bastasse muros, grades, guardas, alarmes – como a maioria das faculdades, lá também há um rigoroso sistema de cartão eletrônico que é preciso para passar por roletas.“Quero só ver os murais”. – em que andar? Pergunta o guarda sem entender. “Qualquer um, eu quero só ver os murais, gosto de acompanhar atividades e cursos”. – Ok, identidade e cartão UFRGS. Vai no protocolo! Vou lá, mas só passo na frente, o que queria estava nos corredores. Ele não entendeu.


Apesar de tudo, há gente que quer mudança por lá, que sobrevive nesse labirinto, dialogando diariamente com suas raízes das periferias. Eis aí a esperança. Adversos aos playboys que passam as manhãs nas mesas de sinuca dos campi – e que jamais são rotulados de vagabundos, como o pessoal que joga futebol nas peladas das vilas – o acadêmico das periferias enxerga os dois lados e precisa sobrevier.

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Passando pelo centro, nas ruas, muitos haitianos e indígenas, na condição de migrantes e sobreviventes, dá um ar diverso à rua, mas não era bem esse que eu queria. Sim, a diversidade étnica é salutar, porque demonstra que a rua é pública. Mas, nesse caso, em Porto Alegre, o que há mesmo é pedintes dessas etnias. E muitos zumbis par um lado e outro.

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As escolas técnicas foram uma grande conquista. Mas, como tudo que é publico, padecem do sucateamento. Prédios imensos disponíveis a burocratas, mas subutilizado por quem mais precisa.

Em toda parte a burocracia virtual dificulta ainda mais a vida de quem não tem acesso. “Use a senha” (como?). Acesse (de que maneira?). “Imprima” (onde?). A exclusão digital é tão galopante. E tem lógica.

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Para o deslocamento para as cidades da região metropolitana a o preço da passagem é pela hora da morte. Dá para entender, por aí, que além do desemprego, a inviabilidade da mobilidade é outro fator central gerador da violência. O estado é violento quando omite direitos e acessos. Mas o mercado é enfático também, no seu discurso e na sua realidade.

Na região metropolitana as cidades são grandes, mas pequena. Comércios ativos, mas sem gente com dinheiro, tudo quebra.

A estrutura pública é deficiente, por sua vez, apesar de arrecadar muito. Não se investe em serviços de qualidade para o público. Ali deveria haver competência e qualidade, mas pública. Infelizmente, porém, o sucateamento também é gritante.

Andar é bom, mas cansa. Daí, porque, é preciso viver por dentro para sobreviver a tantas insanidades.

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