segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Estudante da USP: "A única visão que eu tinha era das botas"

Raphael Ken Ichi Sassaki, na Carta Maior
S.M (sua identidade será preservada para evitar represálias), 25, é professora de filosofia na rede estadual. Ela foi uma das estudantes indiciadas após a reintegração de posse na reitoria da USP, na semana passada. Ela diz que não estava na reitoria durante a operação e que foi levada para dentro por PMs, após tirar fotos. Lá dentro, teria ficado sozinha por 30 minutos com policiais homens, que a teriam agredido e a ameaçado. Na delegacia, diz que tentou registrar as agressões, mas segundo a delegada que ouviu os detidos, isso não era possível naquele momento.

Segundo a advogada que representa os estudantes detidos, Eliana Ferreira, o depoimento dela será levado até o Condepe (Conselho de direitos humanos do Estado) após o resultado dos exames de corpo de delito, em no mínimo 30 dias.

Depoimento de S.M dado a Rapahel Sassaki:

Eu ocupei a reitoria, participei do movimento, mas na noite da reintegração de posse, não dormi lá. Eu estava no meu apartamento no Crusp. Eu dormia e acordei assustada com os barulhos dos helicópteros, com a minha janela toda iluminada. Em seguida, desci pra ver o que acontecia, muitos amigos estavam na reitoria.

Lá embaixo, PMs impediam as pessoas de sair, inclusive as que tinham que ir trabalhar ou pessoas que tem que acordar de madrugada para tocar pesquisas nos institutos, e também, claro, quem queria ir para a reitoria ver o que acontecia. Ainda estava bem escuro.

Eu desci junto com essas pessoas e, passado alguns minutos vendo aquela
situação, começamos a sair por uma lateral do prédio. Chegando próximo à reitoria, eu comecei a tirar fotos em frente ao cordão de isolamento da polícia, para registrar o que acontecia. Nisso apareceu um policial por trás de mim, apontando uma arma de grosso calibre. Eu fiquei paralisada; na minha frente o cordão de isolamento e atrás um cara armado.

Ele me pegou , me disse que eu estava detida e me mandou deitar no chão. Chegaram mais dois PMs, que já me jogaram no chão para me imobilizar e eu comecei a gritar, já que eu não estava lá dentro e eles não tinham justificativa legal para me deter, eu só estava filmando.

Foi quando um deles falou: "É melhor levar ela pra dentro". Na delegacia
falaram que eu tentei entrar na reitoria. Como eu vou entrar em um lugar
cheio de polícia, passando pelo cordão de isolamento?

Eles me levaram arrastada pra frente da reitoria, quebraram o vidro e
entraram. Era uma sala escura, não havia nenhum aluno, só policiais homens. Lá, me colocaram de pé e mandaram deitar no chão. Como eu não fiz imediatamente o que me pediram, eles chutaram minha perna, que ficou roxa. Acredito que isso conste no exame de corpo de delito.

Quando me jogaram no chão, um homem sentou nas minhas pernas, próximo ao meu bumbum, e dois no meu tronco, pressionando com o joelho meu corpo no chão. Havia vários em volta fazendo uma roda, porque como estavam ao lado do vidro, se alguém estivesse passando poderia ver.

A única visão que eu tinha era das botas. A sala estava toda escura. Devia ter uns 12 homens ali, algo descomunal para imobilizar uma mulher. Eles
falaram que iam me levar presa e botaram um lacre nas minhas mãos. Também pegaram minha câmera.

O que me chocou e o que os advogados querem caracterizar como crime de
tortura foi que nesse momento, os policiais apertaram meu pescoço e taparam minha boca e meu nariz. Eu sou asmática e quase demaiei. Eles são sarcásticos, riam de mim, falavam que eu não ia sair dali. Eu gritava e batia as mãos no chão, e eles falavam "você está pedindo arrego?".

Um deles pegou na minha nuca, bateu minha cabeça no chão várias vezes, na parte do couro cabeludo, para não deixar hematoma. Eu tentei reagir e mordi a mão do PM que segurava minha boca. Quando fiz isso, eles me falaram: "Você conhece o porco?".

O porco era uma bolacha de plástico, um material muito resistente que enfiaram na minha boca. Era uma coisa achatada, que impedia de falar e me impediu de respirar pela boca, sendo que eu tenho dificuldade de respirar pelo nariz. Eu fiquei com isso na boca enquanto eles falavam: "é melhor ficar quieta senão vai ser pior".

Eu pensei que não havia mais ninguém lá dentro, que todo mundo já havia sido retirado e que iam fazer o que quisessem comigo. Depois eu soube que tinha uma sala ao lado, onde as meninas ouviram tudo o que aconteceu ali, elas são testemunhas. Onde eu estava, não tinha uma mulher, ninguém.

Depois de vários minutos dessa situação, me prenderam com um lacre, com as mãos pra trás. Apertaram isso muito forte e me levantaram pelos cabelos do chão; tiraram o 'porco' da minha boca e me levaram pra outro lugar, mais iluminado.

Eu reclamava do meu braço, que ficou roxo; isso não saiu tanto no corpo de
delito, já que ele foi feito às 2h da quarta-feira, e a reintegração foi às 5h do dia anterior.

Os PMs me arrastaram para um corredor iluminado. Eu reclamei que meu braço doía muito e eles falaram que realmente estava muito apertado; pegaram uma faca enorme, pediram pra eu ficar quieta e cortaram o lacre.

Nisso passou um repórter da Globo, o primeiro a chegar no local, que fez toda a cobertura. Quando eu o vi achei que era minha salvação: comecei a
gritar e falar o que estava acontecendo. O repórter olhou com o maior desprezo e passou direto.

Mas os câmeras filmaram um pouco, tanto que as imagens estão no Jornal Nacional, onde eu reclamo da minha mão. Eu falando o que tinha acontecido eles não colocaram. Um cara [PM] ainda me falou "viu, não adianta nada você reclamar".

Eles não conseguia ficar de pé, mas eles queriam que eu ficasse; um PM pegou o cassetete e apertou contra a minha garganta pra eu ficar em pé, junto à parede. Minha garganta desde lá está inflamada e estou rouca.

Eu estava assim, quando chegou uma policial mulher, uma loira tingida, que
imagino que eu possa identificar no processo --foram 25 mulheres presas e
apenas 3 policiais mulheres, que contamos, essa era a única loira.

Eu achei que ela fosse ter o mínimo de sensibilidade. Eu falei [para o PM]
'você vai me bater de novo?". Nisso a policial mulher chegou, tirou ele de
lá e falou: "Ele não pode te bater, mas eu sou mulher e posso" e pegou na
minha blusa e me jogou duas vezes contra a parede. Eu reagi e dei uma
cotovelada nela; ela saiu.

Eles continuaram em volta de mim. Essa loira veio com minha máquina dentro da caixinha; achei delicado terem guardado, só para ver depois que a máquina estava quebrada e sem o cartão de memória.

A policial [mulher] ainda me falou: "Se você colaborar eu vou te levar junto
das meninas, senão, você vai ficar aqui com os meninos [os PMs] viu?".

Me levaram para a sala, onde todas as mulheres estavam sentadas no chão comvários policiais, que tampavam o vidro com escudos para que não pudessem vê-las.

Tinha mais polícia do que meninas, como se fossem oferecer grande risco. Ela disse que eles falaram para elas: "Não se preocupem com os gritos, é
procedimento normal". Ainda disseram, 'não é nada, é só uma louca que entrou gritando'.

Elas me disseram que foram 30 minutos aproximadamente que eu fiquei sozinha com os PMs.

Ficamos horas nessa sala e começaram a me ligar. Eu atendi e disse que
estava lá dentro, ninguém entendeu o que eu tava fazendo lá. Eu disse que passava mal, que precisava da minha bombinha. Aí sim eles acreditaram que eu tinha asma e 20 minutos depois me trouxeram minha
bombinha, que meu namorado levou.

Depois mandaram eu desligar o celular e ficamos incomunicáveis. Havia vários policias sem farda, à paisana, filmando nossos rostos. Todos os PMs estavam sem identificação, dentro e fora. Reclamamos disso e a PM que me agrediu disse: "O que vc entende de polícia militar pra saber o que PM pode ou não?".

Fomos levados para a sala principal, onde ficam os quadros dos reitores,
colocaram a gente na parece e obrigaram a gente a ser fotografada, armados e ameaçando, vestidos com roupa normal e sem identificação. Sem identificação por quê? Porque se acontecesse algo muito sério ninguém poderia ser punido?

Eles sabem onde eu moro, sabem meu nome, por isso não me identifico. Eu
estou visada por que eles sabem que o que fizeram foi irregular. Eles tem
imagens nossas, de perfil, de lado, fizeram um 'book' da gente. Estávamos
todos assustados, porque não sabíamos o que ia acontecer.

Nos levaram para a delegacia, onde ficamos mais de 20 horas. Durante o interrogatório, nos perguntaram nosso número USP. Por que isso importa? Pra reitoria nos perseguir? Eles disseram que íamos somente assinar um termo circunstancial e ser liberados, mas depois mudaram e decidiram nos imputar os crimes, inclusive formação de quadrilha e crime ambiental.

Fui atentidada pela delegada [Maria Letícia Camargo], tentei falar para ela
o que aconteceu comigo, dizendo que eu nem estava na reitoria. Ela me disse que o questinário partia do pressuposto que eu estava lá dentro, e que não havia uma lacuna onde ela pudesse relatar o que que queria falar.

Então resolvi declarar em juízo. Quando eu saí, tinha um policial gordinho de olhos azuis, que quis botar as meninas que estavam fumando para dentro do ônibus. Como questionamos isso ele me disse: "É pra você acatar, que você conhece minha força"; Eu disse 'então você estava lá, seu filha da puta, você me agrediu'. Depois disso ele desapareceu e eu não o vi mais.

Eu tentei fazer o boletim de ocorrência, mas a delegada se negou a registrar. E é por isso que eu estou dando esta entrevista, porque ela teve a pachorra de dizer depois, em entrevista, que nenhum estudante alegou ter sido agredido.

O Movimento

Tudo que era feito era discutido, inclusive os coquetéis molotov; isso foi
vetado, porque o movimento era pacífico. Havia uma comissão para fazer material, outra para falar com a imprensa. Tinha a comissão de segurança, para garantir que não entrassem PMs nem imprensa, e não fotografassem as pessoas. Tinha comissão de cultura, música, dança. É um absurdo falar que era um movimento de traficantes. Acha que tantas pessoas se organizaram dessa forma pra defender o direito de fumar maconha?

Ninguém ali está lutando pelo direito individual, polícia tem em todo lugar. Defendemos o direito de ter uma universidade de fato pública e aberta, para que as pessoas não tenham suas bolsas revistas e sejam punidas por crimes que não cometeram.

Agora os policiais estão ali, sabem onde eu moro, e podem me intimidar para eu não denunciar. Você pode achar um exagero, mas na USP há um programa de vigilância, com câmeras escondidas e funcionários do Coseas registrando as pessoas, inclusive relatórios da vida íntima e política das pessoas.

É estranho a mídia nos tachar de burguesinhos, porque se de fato fôssemos o que íamos querer era justamente polícia pra nos proteger 'dos favelados'. Eu já fui babá, monitora escolar, bóia fria, frentista de posto de gasolina, trabalhei em fábricas, em telemarketing, no comércio. Hoje sou professora na rede pública estadual, dou aulas de filosofia para crianças. Quando eu voltei para a escola os alunos falaram: "Êba, a professora foi solta!". Eles já sabem que as coisas não são como mostram, muitas vezes.

Eu nasci no Paraná, meu pai era militante do PT e coordenador do MST, já morei em acampamento e isso sempre foi natural. Eu vim para a USP porque aqui me parecia um lugar livre, onde tinha moradia estudantil e jovens podiam pensar livremente; tudo engano.

Quando criança nunca fui militante, mas sempre tive um veia crítica sobre as coisas; eu não sou direita, mas também não sou xiita ou radical, como falam. Sou só uma estudante que se indigna, que quer uma universidade que não seja só para ela; a USP pra mim foi um sonho, e eu queria que outras pessoas pudessem compartilhar isso.

Não queremos universidade para a elite, mas para os trabalhadores e filhos de trabalhadores, algo que o reitor tenta impedir, bancado pelo governo. Não sou marxista, nem isso ou aquilo, sou apenas indignada, que gosta de estudar e morar no Crusp. Espero que eu não seja jubilada e possa prestar concurso para dar aula como professora efetiva, sem sofrer nenhuma represália, principalmente da própria universidade.

Outro lado

A Polícia Militar disse não ter conhecimento sobre os fatos relatados pela aluna e disse que a Corregedoria da PM está aberta para denúncias contra a ação policial. A PM também afirma que nenhum detido durante a operação foi ferido, segundo o resultado do exame de corpo de delito. A Secretaria de Segurança Pública disse que o laudo do exame fica pronto em 30 dias a partir do pedido e que não é possível consulta antes deste prazo.

sábado, 26 de novembro de 2011

Abecedário Cosmonicante – Homem / História de machismo / Humano da objetividade

Zezinho com seis anos. Queria brincar de boneca, mas sua mãe proibia. Zé, com 16, gostava de meninas, mas também sonhava em ser um bailarino, mas todos à sua volta negavam essa possibilidade e estimulavan-lhe para o futebol. José, aos 26. Tinha uma namorada, com qual ia às vezes no cinema; queria que ela pagasse sua entrada, mas ela dizia que isso não era atitude de cavalheiro; Zeca, aos 36. Casado, com o primeiro filho, gostava a cozinhar. Mas a esposa não deixava ele entrar na cozinha, pois não sabia fazer nada direito ali; Aos 46, Zecão divorciado via futebol e só conversava com homens nas festas de domingo; Aos 56, Seu José transava com uma prostituta da Capital para lembrar que ainda era homem; Com 66, Vô Zé, quando tinha saudades do neto, comprava balas para dar às crianças; era conhecido como o velho tarado do bairro. Nos 76, em  um retrato empoeirado na parede do quarto de seu bisneto, lembrado pelos familiares como um homem de princípios, Zezinho enfeitava a parede.


quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Belo Monte, liberdade a paranóia imperialista

A questão da construção da usina de Belo Monte, tão polêmica e passível de vários ângulos é o assunto do momento. Vejo nesse tema, para muito além de uma “questão de ecologistas” – como gostam de estereotipar os que ignoram que meio ambiente tem a ver com todos e cada um – é um tem permite análises de âmbito cultural, político e econômico, pelo menos. O que mais tem me intrigado ultimamente, por exemplo, é a crítica ligeira e maniqueísta realizada aos atores da Globo que fizeram o vídeo Gota d’ água. Antes de funcionários da Globo, lembremos, essas pessoas são indivíduos e tem a sua história, portanto, podem e  devem expressar suas convicções, mesmo que essa liberdade seja restrita – como é a de todos nós. Mas voltaremos ao tema, porque o tempo me pede em outras instâncias.

Belo Monte, liberdade a paranóia imperialista

A questão da construção da usina de Belo Monte, tão polêmica e passível de vários ângulos é o assunto do momento. Vejo nesse tema, para muito além de uma “questão de ecologistas” – como gostam de estereotipar os que ignoram que meio ambiente tem a ver com todos e cada um – é um tem permite análises de âmbito cultural, político e econômico, pelo menos. O que mais tem me intrigado ultimamente, por exemplo, é a crítica ligeira e maniqueísta realizada aos atores da Globo que fizeram o vídeo Gota d’ água. Antes de funcionários da Globo, lembremos, essas pessoas são indivíduos e tem a sua história, portanto, podem e  devem expressar suas convicções, mesmo que essa liberdade seja restrita – como é a de todos nós. Mas voltaremos ao tema, porque o tempo me pede em outras instâncias.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Utopia, Paciência e Perseverança – o necessário

A aparência de liberdade expressada no desespero pela visibilidade, o vazio no excesso internalizado na ânsia de consumir e o individualismo como norma de conduta, prazer e orientação política têm sido, observo, alguns padrões predominantes nesses tempos de transição paradigmática (em que a razão, outrora roubada da religião pela ciência, também desta escapa). E nesse entremeio, a juventude  - entendida como espírito de um tempo, muito mais que uma questão etária – facilmente tende a substituir as bandeiras coletivas pelas individuais, ou confundi-las. Essa perplexidade geral sobre o futuro não é, evidentemente, exclusividade de nosso tempo. Mas nesse século, e nessa década de modo claro, ela se inflama. A sobrevivência, que é e sempre foi um projeto imprescindível, não deveria ser dissociada ou distante de um projeto de utopia. Pois se assim se faz, temos a rotina como condenação de morte em vida. A utopia precisa ser, portanto, o norte maior, para a própria afirmação de um caráter saudável e uma saúde mental assegurada. Ela é o foco. A paciência, por sua vez, é a segurança que, aconteça o que acontecer, esse caminho está sendo trilhado. Dar tempo ao tempo é indispensável. Mas, todavia, combinar ambas diretrizes com a perseverança para trilhar um caminho, também é necessário. Porque nada se conquista sem luta. E justamente porque esse caminho é inesgotável, lutar sempre, é o que se impõe nesses dias turvos. Utopia, Paciência e Perseverança são, assim, o que precisamos cultivar diariamente, acima de todas dúvidas, medos e desilusões que ofuscam nossos olhos nesses tempos plásticos.

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Baseando-se na "identidade" assumida pelos indivíduos, tais movimentos assumem formas repressivas das quais é quase impossível escapar. Antes de ser um cidadão, o sujeito pertenceria à sua "comunidade", cujas causas importam mais do que as coletivas. A primeira vítima da corrosão do caráter é a vida pública. Movimentos como os descritos por Sennett conduzem milhões às ruas para exercer pressão sobre a sociedade e o Estado. Mas pouco ou nada fazem diante de descalabros ocorridos na economia, no Judiciário, no Executivo, nos Parlamentos. A identidade maior deixa de ser a cidadania e se transfere para instâncias que defendem particularidades. Sennett respeita os referidos modelos intimistas, mas também mostra o quanto sua pauta é unilateral e autoritária, tiranizando seus adeptos. A corrosão do caráter é potencializada quando os grupos e indivíduos assumem o perfil da militância. O militante padrão, por mimetismo, sacrifica normas éticas, sociais e políticas em proveito de seu movimento, visto por ele como a fonte última dos valores. Todos os demais âmbitos seriam movidos por interesses escusos. A maior parte do material histórico e sociológico usado por Sennett vem dos EUA e da Europa.

(Resenha de Roberto Romando, A Usp e a Corrosão do caráter, na Agestado)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Falando sobre impulsos, de volta aos devaneios

Após alguns meses sem nada registrar de autoria integralmente minha (e há algo  exclusivamente autoral?), volto a rabiscar idéias e/com sentimentos por aqui; e nesse retorno, quero falar de impulsos – particularmente os agressivos. Sim, temos uma tendência muito fácil, às vezes, em se sentir provocados. Isso ocorre comigo e acho que com todos, de alguma forma e nível. No meu caso, tenho me perguntado onde está a origem. E tenho várias impressões. Além da predominante cultura machista alimentada entre os homens na infância, e que tende a sufocar o cultivo da afetividade, creio que tenha a ver com isso também a falha em uma necessária atividade física regular, de liberação de endorfina, a chamada “droga positiva”. A vida sedentária de quem trabalha muito na tela do computador, e que tem se difundido por todas as esferas da vida, facilita isso. Por isso, juntamente com o retorno aos meus posts diários, também resolvi voltar a realizar uma atividade física regular. E dessa vez, pretendo ser mais disciplinado. Veremos se consigo. Mas se conseguimos tantas coisas quando realmente queremos, então acredito que também tenha boas chances de obter êxito nisso. O tempo dirá. Um passo dou hoje.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Consciência Negra mobiliza com cultura e lazer no Getúlio Vargas


Foto: Ireno Jardim

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No final da tarde desse domingo, 20, o público presente no Parque Getúlio Vargas (Capão do Corvo) entrou no ritmo de reggae, com a apresentação da banda gaúcha Produto Nacional, celebrando o último dia da Semana da Consciência Negra de Canoas 2011. Minutos antes do show de encerramento, autoridades do governo municipal e da sociedade civil se manifestaram sobre a importâcia de do 20 de novembro. "Hoje é um dia para lembrar Zumbi, e por meio dele um povo que não aceitava tutela. Consciência, reflexão e mobilização contribuem para que a sociedade brasileira reconheça esse grande legado", declarou o prefeito Jairo Jorge.
O prefeito também destacou as conquistas e avanços na inclusão do negro a partir dos últimos anos, desde o governo Lula. "Com programas como o Pro-Une, que facilitaram a inclusão do negro no ensino superior, hoje começamos a ter uma universidade com a cara do Brasil. Também compuseram o momento solene desse evento o líder do governo na Câmara de Vereadores, Ivo Fiorotti a coordenadora da Central Única das Favelas, Ivonete Pereira, o escritor Etevaldo Silveira e a titular da Coordenadoria Municipal de Igualdade Racial (COPIR), Maria Aparecida Mendes, que coordenou o evento e apresentou as atrações principais. "A transversalidade está acontecendo aqui, por meio de projetos e ações de secretarias de várias áreas", observa.
Consciência e Transversalidade
No Palco montado em uma estrutura no centro do Parque, o vocalista Paulo Dionísio demarcou seu estilo já na abertura de seu show, com a declamação da poesia "Encontrei minhas origens", de Oliveira Silveira (mentor do Dia da Consciência Negra, celebrado neste dia 20). Nas canções, temáticas afinadas com a cultura negra - como "Lamento" e "Nação" - combinaram o embalo afro-latino e poesia abordando bandeiras das lutas sociais.
Os shows deste fim de semana encerraram em grande estilo uma diversificada programação afro-cultural da Semana da Consciência Negra de Canoas 2011 realizada desde o último dia 12 pela Prefeitura de Canoas, por meio da COPIR. Desde o início da manhã, em diferentes pontos do parque, foram realizados apresentações de música, teatro dança, carnaval, artes, capoeira, literatura, além de exposições relacionadas a cultura afro-brasileira.
Na área de apresentações da entrada do parque, monitores e estudantes da rede pública municipal de ensino, integrantes dos programas Mais Educação e Escola Aberta da Secretaria Municipal de Educação, também expuseram atividades desenvolvidas no contra-turno escolar. Materias simbólicos da cultura negra, como desenhos de orixás e oferendas também integraram as exposições ao longo do parque.
A Miss Beleza Negra 2011, Alessandra Soares, também desfilava pelo parque. Residente do bairro Mathias Velho, nos seus 17 anos ela expressa a consciência sobre a amplitude do título que asume.  "Esse título abre muitas portas para mim e para divulgar o movimento negro, o que também é importante", declara.
A Semana da Consciência Negra de Canoas 2011contou ainda com a participação de entidades e artistas de outras cidades da Região, como o Comitê de Promoçaõ da Igualdade Racial no Poder Público e ONGs, que congrega representantes de toda a região metropolitana, e o grupo de maracatu Nação Periférica, de Alvorada. Grupos de capoeira de Passo Fundo e Santa Catarina, também estiveram no Parque, por meio da Associação Cultural Brasileira de Capoeira Angola Liberdade Casa Grande.
 Crédito da notícia: Ronaldo M. Botelho
REproduzido de www.canoas.rs.gov.br

sábado, 19 de novembro de 2011

SEDA descentraliza experiências audiovisuais



Reportagem realizada pelo Inverso Coletivo, uma cooperativa de produção audiovisual que está sendo criada no Ponto de Cultura Teia Viva em parceria com o Coletivo Catarse, Escola Técnica Mesquita e Ministério da Cultura, através do Prêmio Tuxáua, com o objetivo de estimular a auto-organização da sociedade em empreendimentos de economia solidária que são autogestionários e propiciam a geração livre de trabalho e renda.
O Inverso Coletivo integra o Circuito Fora do Eixo e foi realizador da SEDA - Semana do Audiovisual de Porto Alegre, juntamente com a Catarse e a Casa Fora do Eixo Porto Alegre.

Reproduzido do Catarse.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Abdias Nascimento

Ele chega aos 95 anos de uma vida inteiramente dedicada ao ativismo político. Marcada por uma coerência e vigor admiráveis. Nesse trajeto, usou seus muitos talentos, pendores, capacidades. Afinal, trata-se de um político dramaturgo militante - artista plástico - e intelectual - afro-brasileiro dos mais combativos, sensíveis e internacionalmente respeitados. Sempre em favor do povo negro, da confraria dos humilhados, citada nos seus versos. Na dramaturgia, criou, na década de 40, o Teatro Experimental do Negro. Uma iniciativa que revelaria ao país o talento de nomes como Ruth de Souza e Léa Garcia, entre outros grandes artistas afro-brasileiros. E mudaria aquilo que se via nos palcos de teatro do país. Anos mais tarde, ingressaria em outra arena - a política. Elegeu-se deputado Federal, foi Secretário de Estado e Senador da República. Viria nascer o PDT, se tornaria amigo e companheiro de lutas de Brizola e Nelson Mandela, entre outros grandes políticos e estadistas, mundo afora. Conchavou, articulou alianças, criou projetos de lei, fez discursos inflamados. Obstinado, lutou por políticas públicas e reparatórias para os afrodescendentes. Nunca dantes as paredes e freqüentadores daqueles plenários, viram ecoar com tanta paixão, os nomes de Zumbi dos Palmares. Ou dos deuses negros, como Exu e Xangô, o Orixá da Justiça. Deuses que ele representa com cores fortes e vibrantes nos seus quadros. Como acadêmico, deu aulas em centros universitários do país, e também nos Estados Unidos, na condição de exilado. Criou, ainda, grupos de pesquisa, organizou os primeiros congressos nacionais de negros, publicou artigos, ensaios. Enfim, forjou consciências, ganhou almas, parceiros, aliados. Nesses últimos tempos, nosso entrevistado recebe feliz da vida e muito bem humorado - homenagens de todos os lados: da presidência da República, de universidades brasileiras e estrangeiras, de partidos políticos, personalidades e grupos militantes. Desconfiamos que, no saldo de perdas e ganhos, ele vá festejar nossos avanços e conquistas, o aumento da consciência negra e a nova postura assumida pelos afrodescendentes nessa tal pós-modernidade. Vamos saber disso, nessa matéria. Que também é uma forma de a equipe de Espelho, prestar sua mais sincera e carinhosa reverência ao nosso entrevistado.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Nesta Quarta: Tariq Ali participa do Debates Capitais na Câmara de Vereadores

A partir de uma parceira da Câmara Riograndense do Livro com a Câmara Municipal de Porto Alegre, através da Frente Parlamentar de Incentivo à Leitura, a Casa Legislativa recebe o escritor, jornalista e militante Tariq Ali, no dia 16 de novembro (quarta-feira), às 18h30min, para o último encontro do projeto Debates Capitais, que se realizará no Plenário Otávio Rocha (Av. Loureiro da Silva, 255).

O encontro, "de 1968 aos Indignados de 2011”, abordará a sua experiência em inúmeras lutas de diversos países. Tariq Ali estará na Capital lançando o seu novo livro sobre o imperialismo estadunidense no Paquistão, “Duelo: o Paquistão na Rota de Voo do Poder Americano”, publicado pela Editora Expressão Popular.

Conforme a presidente da Frente Parlamentar, vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), mesmo sendo este o objeto de seu novo livro, a palestra será mais abrangente. "Tariq irá falar sobre a nova situação mundial, a partir do aprofundamento da crise econômica internacional, as revoluções no Norte da África e a emergência do novo movimento dos indignados que tem crescido, sobretudo, nos EUA e Europa, ou seja, países mais atingidos pela crise".

A presidente da Câmara, vereadora Sofia Cavedon (PT), destacou que o escritor também abordará a sua experiência em grandes mobilizações em 1968 e, no mínimo, em mais cinco países, como ele relata no livro “O Poder das Barricadas”.

Sofia enfatiza que o projeto desenvolvido este anos, Debates Capitais, foram momentos de aprofundamento teórico e de mobilização. "A primeira edição teve a presença do sociólogo Boaventura de Souza Santos, que falou sobre “Conhecimento prudente para uma vida decente”. O segundo encontro contou com a participação da consultora da ONU, urbanista Raquel Rolnik, que abordou o tema "A Copa do Mundo e o desrespeito aos direitos de cidadania".

Sobre Tariq Ali

Tariq Ali (Lahore, 21 de outubro de 1943) é um ativista paquistanês, escreve periodicamente para o jornal britânico The Guardian e para a revista New Left Review. Ali nasceu e criou-se em Lahore (então, parte da Índia colonial), atual Paquistão, no seio de uma família comunista. Enquanto estudava na Universidade do Punjab. Devido aos seus contatos com movimentos estudantis radicais e temendo por sua segurança, seus pais o enviaram à Inglaterra. Estudou ciências políticas e filosofia em Oxford. Foi o primeiro paquistanês a ser eleito presidente do diretório central dos estudantes da universidade inglesa. Sua notoriedade teve início durante a Guerra do Vietnã, quando manteve debates com personagens centrais, tais como Henry Kissinger. Tornou-se um crítico ferrenho das políticas externas dos Estados Unidos e Israel. Além disso, Ali esteve presente em inúmeras lutas de diversos países, desde maio de 1968 até as lutas recentes.
                                                                               
                                                                        Blog da Sofia Cavedon -PT

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Estudantes apresentam proposta de segurança para USP

Uma coisa uniu a esquerda do movimento estudantil paulista: a repressão policial. Os grupos de esquerda se dividiram em relação à decisão de ocupar a reitoria da Universidade de São Paulo (USP) em protesto contra uma ação policial ocorrida na semana anterior. Mas, as dissensões foram superadas quando a polícia de Geraldo Alckmin, na última terça-feira, montou um cenário de guerra com uma tropa de 400 policiais, quatro helicópteros, esquadrão antibombas, cavalaria, Grupo de Ação Tática Especial (GATE) e Grupo de Ações Especiais (GAE), que desalojaram à força, no último dia 8, os estudantes que ocuparam a reitoria.

A PM fez 73 presos e conseguiu a proeza de juntar contra ela, na assembleia que decretou greve na universidade no mesmo dia, 2500 estudantes – número que não era atingido desde 2007. Mais do que isso, deu uma boa mão para que os estudantes conseguissem formular uma proposta de segurança para a universidade (que, de fato, tem sofrido com muitas ocorrências, inclusive de estupro): iluminação adequada e guardas da própria universidade, escolhidos por concurso público, controlados pela comunidade e treinados para lidar com o público universitário, especialmente as mulheres, maiores vítimas de violência no Campus.

O repórter Fábio Nassif e os estagiários Caio Mello e Felipe Blumen acompanham o episódio desde o seu início e fazem um relato de como os estudantes da USP se articularam a partir da prisão de seus colegas.

Assista também o vídeo abaixo que conta essa história.



Greve deflagrada

Por Caio Mello

No dia 8 de novembro, no saguão da História e Geografia da FFLCH, reuniram-se cerca de 2500 pessoas, que discutiram e deliberaram sobre as estratégias de mobilização estudantil. A assembleia geral foi organizada em resposta à presença massiva da polícia para retomar a Reitoria, que havia sido ocupada uma semana antes, e à prisão de 73 estudantes. Os policiais também cercaram o Conjunto Residencial da USP (Crusp) para que os estudantes que lá moram não pudessem sair de suas casas e não se juntassem aos demais manifestantes. Ao seu final, a assembleia deu uma resposta propositiva dos estudantes quanto ao problema da Segurança Pública.

A terça-feira amanheceu ainda com a presença da polícia no campus. A partir daí, organizou-se um cronograma para o dia, com aula pública do professor Paulo Arantes em frente à reitoria e depois plenárias dirigidas nos cursos.

A assembleia se polarizou entre as propostas de indicativo de greve e pela greve imediata. Somente com a separação física das pessoas no plenário foi possível concluir que a decisão da maioria foi pela greve imediata, logo incorporada pelos setores que perderam a votação. Outras questões também foram tratadas, como a criação de um Comando de Greve formada pelos delegados dos cursos e também um calendário pautado para estabelecer um diálogo com a opinião pública e estudantes de outras faculdades.

Grande ponto de polêmica na USP, aprovou-se um programa alternativo de segurança que inclui um plano de iluminação no campus, políticas preventivas de segurança, abertura do campus à população, abertura de concurso público para a constituição de uma guarda universitária, com treinamento para prevenção dos problemas de segurança e com efetivo feminino para a segurança da mulher, aumento do número de ônibus circulares e até a estação de metrô Butantã.

O primeiro dia de greve

Por Felipe Blumen

Desde antes de a proposta de greve ser aprovada na assembleia, algumas barricadas com cavaletes, cadeiras, cones e bancos já haviam sido montadas em frente aos prédios da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FLCH) e do Crusp. O Centro Acadêmico do curso de Letras organizou um piquete em frente ao seu prédio. Em vista dos acontecimentos do começo do dia, e sabendo que os estudantes ainda deliberariam sobre o assunto, os professores responsáveis pelos departamentos da Faculdade suspenderam as aulas.

Como foi decidido na assembleia que não seriam feitos ''cadeiraços'', ou seja, que alunos não seriam impedidos de entrar nas salas, a maioria dos professores deu aula normalmente na quarta-feira. Eles foram orientados, no entanto, a liberar os alunos, a fim de que todos pudessem participar das plenárias, nas quais cada curso debateu sua posição sobre a greve.

Várias reuniões foram marcadas para esta semana em diversas unidades da USP. Ocorreram plenárias no Instituto Oceanográfico, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, no Centro Acadêmico de Relações Internacionais, na Escola de Comunicações e Artes, no Instituto de Matemática e Estatística e nos três prédios da FFLCH. A Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, a Adusp também se reuniu.

Estudantes liberados
Depois de passarem toda a terça-feira na 91a Delegacia de Polícia, na Zona Oeste de São Paulo, os alunos que foram presos na reintegração de posse da reitoria da USP conseguiram ser liberados na madrugada. Foram detidos 73 alunos, sendo 24 mulheres e 49 homens.

Todos foram autuados em flagrante e responderão por desobediência a ordem judicial - por não desocuparem o prédio após decisão da justiça - e por dano ao patrimônio - por, segundo a perícia da polícia, danificarem o patrimônio da universidade.

Os estudantes alegam que só ocuparam o andar térreo do prédio e, com exceção do portão de entrada e das câmeras de segurança, mantiveram tudo como estava. Em entrevista ao Jornal do Campus, o diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP, o Sintusp, afirmou que nenhum membro da comissão de negociação formada pelos estudantes foi chamado para acompanhar a vistoria feita pela polícia no prédio da reitoria.

Os alunos foram liberados após pagarem uma fiança no valor de um salário mínimo por pessoa. Passaram por um interrogatório padrão de 12 questões e realizaram exames de corpo de delito no Instituto Médico Legal, ao lado da delegacia.

Do lado de fora da delegacia, alunos, pais e funcionários protestavam contra a prisão e a atuação da polícia. Uma nota oficial foi feita por um grupo de pais e entregue a uma repórter da Folha de São Paulo. Embora não tenha sido publicada, os autores disseram no ato da entrega que repudiavam a incapacidade da reitoria em negociar com os alunos, recorrendo ao uso de força policial.

Ato, assembleia e mais greve

Por Fábio Nassif

Na quinta-feira, aproximadamente 5 mil pessoas ocuparam as ruas do centro da cidade para protestar e explicar à opinião pública as razões da greve. Enfrentando um forte calor, os estudantes guiaram o ato de cima de um caminhão de som, onde seus representantes fizeram discursos, puxaram palavras de ordem e receberam apoio de outros movimentos sociais.

Com muitos cartazes e faixas nas mãos, o ato prosseguiu até a noite, quando voltou para a frente da Faculdade de Direito no largo São Francisco. A polícia acompanhou a manifestação com câmeras filmadoras na mão.

O ato contou também com a presença de professores da USP como Luiz Renato Martins e Jorge Luiz Souto Maior, além de Plínio de Arruda Sampaio, que discursou a favor da autonomia universitária dizendo que “nem governo, nem polícia, nem Igreja, nem poder econômico, ninguém pode entrar na universidade”, para que ela tenha qualidade intelectual.

Em seguida, os estudantes realizaram mais uma assembleia, com cerca de dois mil presentes. Votaram a manutenção da greve e a convocação de uma audiência pública na quarta-feira (16), às 18h, em frente ao prédio da reitoria, onde convidarão o reitor João Grandino Rodas. Além disso, incorporaram a bandeira de “10% do PIB para educação pública já”.

Nesta sexta-feira, estudantes da Faculdade de Economia e Administração (FEA), Escola Politécnica, Instituto de Matemática e Estatística, e dos cursos de Física, Biologia, Audiovisual e Geografia marcaram reuniões.


Fotos: Roberto Gérbi

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Eu odeio o Orkut - um olhar da periferia sobre a cultura virtual

Esses caras sabem o que estão fazendo. É um trabalho bastante interessante, que articula um olhar crítico sobre essa "geração virtual" com a realidade de uma cidade de periferia. Fugindo a estética de um padrão cinematográfico, hollywoodiano ou brasileiro, aqui há um certo pioneirismo do que emerge da combinação entre o possível de se fazer - com recursos limitados e poucos apoios - com uma realidade fora do eixo dos grandes centros de produção cultural.

 

sábado, 12 de novembro de 2011

Dez fatos que a "grande" imprensa esconde da sociedade

Imagem: Desabafo País
O debate sobre regulação do setor de comunicação social no Brasil, ou regulação da mídia, como preferem alguns, está povoado por fantasmas, gosta de dizer o ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Franklin Martins. O fantasma da censura é o frequentador mais habitual, assombrando os setores da sociedade que defendem a regulamentação do setor, conforme foi estabelecido pela Constituição de 1988.

Regulamentar para quê? – indagam os que enxergam na proposta uma tentativa disfarçada de censura. A mera pergunta já é reveladora da natureza do problema. Como assim, para quê? Por que a comunicação deveria ser um território livre de regras e normas, como acontece com as demais atividades humanas? Por que a palavra “regulação” causa tanta reação entre os empresários brasileiros do setor?

O que pouca gente sabe, em boa parte por responsabilidade dos próprios meios de comunicação que não costumam divulgar esse tema, é que a existência de regras e normas no setor da comunicação é uma prática comum naqueles países apontados por esses empresários como modelos de democracia a serem seguidos.

O seminário internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias, realizado em Brasília, em novembro de 2010, reuniu representantes das agências reguladoras desses países que relataram diversos casos que, no Brasil, seriam certamente objeto de uma veemente nota da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) denunciando a tentativa de implantar a censura e o totalitarismo no Brasil.

Ao esconder a existências dessas regras e o modo funcionamento da mídia em outros países, essas entidades empresariais é que estão praticando censura e manifestando a visão autoritária que tem sobre o tema. O acesso à informação de qualidade é um direito. Aqui estão dez regras adotadas em outros países que os barões da mídia brasileira escondem da população:

1. A lei inglesa prevê um padrão ético nas transmissões de rádio e TV, que é controlado a partir de uma mescla da atuação da autorregulação dos meios de comunicação ao lado da ação do órgão regulador, o Officee of communications (Ofcom). A Ofcom não monitora o trabalho dos profissionais de mídia, porém, atua se houver queixas contra determinada cobertura ou programa de entretenimento. A agência colhe a íntegra da transmissão e verifica se houve algum problema com relação ao enfoque ou se um dos lados da notícia não recebeu tratamento igual. Após a análise do material, a Ofcom pode punir a emissora com a obrigação de transmitir um direito de resposta, fazer um pedido formal de desculpas no ar ou multa.

2. O representante da Ofcom contou o seguinte exemplo de atuação da agência: o caso de um programa de auditório com sorteios de prêmios para quem telefonasse à emissora. Uma investigação descobriu que o premiado já estava escolhido e muitos ligavam sem chance alguma de vencer. Além disso, as ligações eram cobradas de forma abusiva. A emissora foi investigada, multada e esse tipo de programação foi reduzida de forma geral em todas as outras TVs.

3. Na Espanha, de 1978 até 2010, foram aprovadas várias leis para regular o setor audiovisual, de acordo com as necessidades que surgiam. Entre elas, a titularidade (pública ou privada); área de cobertura (se em todo o Estado espanhol ou nas comunidades autônomas, no âmbito local ou municipa); em função dos meios, das infraestruturas (cabo, o satélite, e as ondas hertzianas); ou pela tecnologia (analógica ou digital).

4. Zelar para o pluralismo das expressões. Esta é uma das mais importantes funções do Conselho Superior para o Audiovisual (CSA) na França. O órgão é especializado no acompanhamento do conteúdo das emissões televisivas e radiofônicas, mesmo as que se utilizam de plataformas digitais. Uma das missões suplementares e mais importantes do CSA é zelar para que haja sempre uma pluralidade de discursos presentes no audiovisual francês. Para isso, o conselho conta com uma equipe de cerca de 300 pessoas, com diversos perfis, para acompanhar, analisar e propor ações, quando constatada alguma irregularidade.

5. A equipe do CSA acompanha cada um dos canais de televisão e rádio para ver se existe um equilíbrio de posições entre diferentes partidos políticos. Um dos princípios dessa ação é observar se há igualdade de oportunidades de exposição de posições tanto por parte do grupo político majoritário quanto por parte da oposição.

6. A CSA é responsável também pelo cumprimento das leis que tornam obrigatórias a difusão de, pelo menos, 40% de filmes de origem francesa e 50% de origem européia; zelar pela proteção da infância e quantidade máxima de inserção de publicidade e distribuição de concessões para emissoras de rádio e TV.

7. A regulação das comunicações em Portugal conta com duas agências: a Entidade reguladora para Comunicação Social (ERC) – cuida da qualidade do conteúdo – e a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), que distribui o espectro de rádio entre as emissoras de radiodifussão e as empresas de telecomunicações. “A Anacom defende os interesses das pessoas como consumidoras e como cidadãos.

8. Uma das funções da ERC é fazer regulamentos e diretivas, por meio de consultas públicas com a sociedade e o setor. Medidas impositivas, como obrigar que 25% das canções nas rádios sejam portuguesas, só podem ser tomadas por lei. Outra função é servir de ouvidoria da imprensa, a partir da queixa gratuita apresentada por meio de um formulário no site da entidade. As reclamações podem ser feitas por pessoas ou por meio de representações coletivas.

9. A União Européia tem, desde março passado, novas regras para regulamentar o conteúdo audiovisual transmitido também pelos chamados sistemas não lineares, como a Internet e os aparelhos de telecomunicação móvel (aqueles em que o usuário demanda e escolhe o que quer assistir). Segundo as novas regras, esses produtos também estão sujeitos a limites quantitativos e qualitativos para os conteúdos veiculados. Antes, apenas meios lineares, como a televisão tradicional e o rádio, tinham sua utilização definida por lei.

10. Uma das regras mais importantes adotadas recentemente pela União Europeia é a que coloca um limite de 12 minutos ou 20% de publicidade para cada hora de transmissão. Além disso, as
 publicidades da indústria do tabaco e farmacêutica foram totalmente banidas. A da indústria do álcool são extremamente restritas e existe, ainda, a previsão de direitos de resposta e regras de acessibilidade.

Todas essas informações estão disponíveis ao público na página do Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias. Note-se que a relação não menciona nen
huma das regras adotadas recentemente na Argentina, que vem sendo demonizadas nos editoriais da imprensa brasileira. A omissão é proposital. As regras adotadas acima são tão ou mais "duras" que as argentinas, mas sobre elas reina o silêncio, pois vêm de países apontados como "exemplos a serem seguidos" Dificilmente, você ouvirá falar dessas regras em algum dos veículos da chamada grande imprensa brasileira. É ela, na verdade, quem pratica censura em larga escala hoje no Brasil.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Dawson Ilha 10 / Littín: Repressão a estudantes mostra que violência de Pinochet reapareceu

Dawson Ilha 10, de Miguel Littín, conta a história dos ex-ministros de Allende confinados num campo de concentração, após o golpe militar de 1973"Dawson Ilha 10", de Miguel Littín, conta a história dos ex-ministros de Allende confinados num campo de concentração, após o golpe militar de 1973
Claudio Leal

O presidente chileno Salvador Allende, deposto por um golpe militar em 11 de setembro de 1973, retorna espectral no filme "Dawson Ilha 10 - A verdade sobre a ilha de Pinochet", do cineasta Miguel Littín, 69 anos, um dos mais importantes diretores latino-americanos. Inspirado no diário do ex-ministro Sergio Bitar, Littín reconstitui o confinamento dos membros do governo Allende num campo de concentração, onde gramaram maltratos e amarguras de "prisioneiros de guerra". Humilhados pelos militares, os ex-ministros se revelam atarantados com a morte de Allende, um vulto recorrente na formação política do diretor.
Protagonista de "Clandestino no Chile", do romancista Gabriel García Márquez, Miguel Littín dirigiu "El Chacal de Nahueltoro" (1969), "Alsino y el Condor" (1981) e "Acta General de Chile" (1986), entre outras obras, e permanece vigoroso em "Dawson Ilha 10", um relato que não deixa de refletir sobre a violência irrompida em regimes militares de países sul-americanos como Brasil e Argentina. Ele compara a eclosão irracional de ódios às ratazanas de "A Peste", de Albert Camus: depois de aparentarem sumiço, recobram a vitalidade e infestam as ruas.
- Há um Chile que o mundo quer: o Chile de (Pablo) Neruda, de (Gabriela) Mistral, dos poetas, de Roberto Matta... E há o Chile com os militares de Pinochet, que ainda está presente. No Chile há uma grande manifestação estudantil, que reivindica todos os direitos humanos progressistas e tolerantes. Ao mesmo tempo, há uma força policial que é tão repressiva quanto a de antes. Pensávamos que isso houvesse desaparecido, mas ela volta a aparecer, como os ratos de "A Peste", de (Albert) Camus. Estavam escondidos por aí - analisa Littín, em entrevista a Terra Magazine.
Coprodução do Chile, Brasil e Venezuela, o filme incorporou dois atores brasileiros: Bertrand Duarte e Caco Monteiro, que atuam com competência e sutileza na narrativa. Na ilha da costa do Estreito de Magalhães, ressurge Orlando Letelier, o diplomata chileno assassinado em Washington, num célebre atentado da Operação Condor (uma aliança político-militar, com os dois pés na delinquência, das ditaduras militares da América do Sul). O protagonista do próximo longa-metragem de Littín será o próprio Salvador Allende. O diretor procura esvaziar a tese do suicídio no Palácio La Moneda:
- Questiono, sim. Penso que há uma lógica que não se explica através da tese do suicídio. Por que um homem fica sete horas resistindo? Das sete da manhã até as duas da tarde, lutando e resistindo, no La Moneda? Porque queria inscrever os princípios de sua luta na memória humana.
No Brasil, o filme será exibido em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Confira a entrevista.
Terra Magazine - Em "Dawson", o senhor oscila entre o preto e branco e o colorido...
Miguel Littín - Na natureza mesmo do relato cinematográfico, há uma mistura, uma química entre o documentário e o relato...
E a memória dos personagens.
É uma unidade estética para exprimir os acontecimentos que ocorreram e que estão na memória do protagonista.
O roteiro foi construído a partir do diário de um dos prisioneiros da ilha Dawson?
Sim, Sergio Bitar foi ministro de Minería e escreveu um diário que se chama "Isla 10". Tomei como base esse diário e fiz uma pesquisa profunda com as pessoas que viveram essa experiência. Baseia-se nas coisas que aconteciam todos os dias: o frio, a chuva, a solidão, a comida, o humor, buscando uma linha muito delicada, com a memória sobre Allende. Porque Allende está sempre presente em todos. É um governo inteiro que foi transferido para um campo de concentração. A memória de Allende está sempre presente. É uma linha muito sutil: Allende, Allende, Allende... Incorporei essa linha dramática.
Por baixo dessa camada há uma violência e uma revolta dos derrotados...
Existe uma tensão, que está presente até hoje. Vivemos uma sociedade tensionada. Foi um momento que marcou a fogo.
O narrador se pergunta: "Onde erramos?". O senhor arrisca uma resposta?
Não tenho resposta. Creio que existem muitas coisas. A economia, um ponto mais, um ponto menos... Mas este assunto da sociedade é muito complexo para responder ligeiramente. Por que erramos? Não tenho resposta. Toda sociedade erra, permanentemente. Para o personagem, no primeiro momento, o "onde erramos" se refere à possibilidade de conquistar aquilo que queríamos: fazer uma aliança com a compreensão do outro. Mas isso só faz ampliar, ampliar (a questão)... Não tenho resposta. Quem sabe, no próximo filme, apareça uma resposta. É o mesmo que a pergunta: Quantos Chiles existem dentro do Chile? Claro, há um Chile que o mundo quer: o Chile de (Pablo) Neruda, de (Gabriela) Mistral, dos poetas, de Roberto Matta... E há o Chile com os militares de Pinochet, que ainda está presente. No Chile há uma grande manifestação estudantil, que reivindica todos os direitos humanos progressistas e tolerantes. Ao mesmo tempo, há uma força policial que é tão repressiva quanto a de antes. Pensávamos que isso houvesse desaparecido, mas ela volta a aparecer, como os ratos de "A Peste", de (Albert) Camus. Estavam escondidos por aí.
Que é uma questão presente em toda a América Latina. No Brasil, na Argentina... No filme, um dos generais chega a dizer: "Vocês não são mais chilenos, são prisioneiros de guerra". É como se, de repente, brotasse um sentimento irracional?
Sim, é isso. Para eles, não eram mais chilenos. Há um personagem, o Orlando Letelier, que diz: "Eu sou chileno, nasci chileno e serei chileno". Tiraram Orlando Letelier da ilha e o mataram em Washington (o diplomata e ativista político foi assassinado nos Estados Unidos, em 1976. A morte é atribuída à Operação Condor). Efetivamente, essa força não pensa. Essa força ofensiva que corresponde ao grande capital, aos grandes monopólios... Não pensa se é asiático, árabe, brasileiro, chileno, boliviano... Não. É um inimigo a ser extirpado.
Seu filme reflete muito melhor a ditadura chilena do que o cinema brasileiro conseguiu fazer com sua respectiva ditadura, iniciada em 1964. Os filmes brasileiros costumam ser rasos ao abordar esse período. O senhor percebe diferenças na forma como os países latino-americanos encaram suas mazelas políticas?
Eu diria que há um movimento no cinema que, de alguma maneira, persiste. Há cineastas em toda a América Latina fazendo documentários, ficções, e permanecem nessa linha. Não é um problema nacional. É universal. Em todos os países, diria, existe isso. No Chile, durante muito tempo, se dizia que não deveríamos falar disso, porque não era bom...
Pra pacificar o País.
Contudo, permanecemos insistindo, insistindo, insistindo... A estética é a ideologia. Esteticamente, vivemos um mundo que está tendo problemas. A profunda desigualdade da nossa sociedade tem um caráter de violência.
O cinema que o senhor faz é também uma resistência?
Em toda a América Latina há uma geração que está buscando uma poética da resistência. A política é do partido político. O cinema é uma estética, uma arte em que o homem tem que pensar, de acordo com os sentimentos. A arte cresce na medida em que se compromete com a realidade, com o homem, com sua relação com a natureza.
Alllende é uma figura fantasmagórica na cabeça dos ex-ministros presos na ilha. Para sua geração, no Chile, o que representa Salvador Allende?
Para mim, é um sentimento vivo. Não concebo a realidade emocional sem Allende. Porque está presente. Cada vez que defendo os direitos dos outros, cada vez que vejo um gesto de solidariedade, está ele presente.
No caso dos estudantes também?
Claro, no caso dos estudantes agora. A cada cinco bandeiras, quatro correspondem à imagem de Allende. Ele está absolutamente vivo. É incrível, maravilhoso, impressionante. E eles (os estudantes) foram educados para não saber o que significa Allende. Não é um culto à personalidade, mas é um culto aos valores e aos princípios democráticos, solidários, amorosos. É um movimento contra os lucros na educação e pelos direitos de todos.
O filme questiona a versão do suicídio de Allende. É sua convicção?
Questiono, sim. Penso que há uma lógica que não se explica através da tese do suicídio. Por que um homem fica sete horas resistindo? Das sete da manhã até as duas da tarde, lutando e resistindo, no La Moneda? Porque queria inscrever os princípios de sua luta na memória humana.
O suicídio não fazia sentido nesse contexto?
Não tem nenhum sentido. Se ele acorda às sete da manhã, sabe que há um golpe militar, toma um avião e se vai, não estaria dentro dos princípios que ele defendeu. Se ele se mata, tampouco estaria defendendo seus princípios. Ele era um homem desarmado. Ele não queria a via armada, queria a via desarmada, pelo voto, para defender os princípios da paz e da convivência humana. E o outro atua irracionalmente: queima, assalta e mata.
Seu próximo projeto será sobre Allende. É um documentário?
Não, uma ficção. É uma trilogia. Dawson, Allende... E a outra ainda não sei. É uma coprodução com Argentina, Chile, Venezuela e Brasil.

Do blog Luiz Nassif On-line

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Confrontos Usp - Unb: proíbe o tóxico, libera os agrotóxicos


O conservadorismo dogmático se espalhou endemicamente sobre a racionalidade da ciência e do discurso midiático hegemônico para qualificar, ensinar e legitimar quais as drogas que merecem ser consumidas pelos humanos. E para os mais duvidantes, a solidez do cacetete complementa o serviço.

Enquanto isso, doenças como câncer, diabetes e obesidade são apresentados como meros acidentes de celebridades, jamais fenômenos crescentemente progressivos de uma sociedade que cultua a descartabilidade como filosofia, o consumismo como religião e o Mercado como Deus.

Nesse final de primavera marcaram o País duas sintomáticas e simbólicas manifestações estudantis, na Usp e na Unb, que por várias razões trazem relações entre si. De regiões distintas, os estudantes mais uma vez ergueram sua voz. Mas ela só pode ecoar na métrica legal, moral e política que circunscreve os
o que temos por democracia. E tais limites são muito bem vigiados. Ordem e Segurança, nesse caso, se confundem com controle e repressão, seja onde for.

No primeiro caso, o que acendeu a ação da Polícia Militar, para deter um estudantes parece ter sido a chama de um embrulhadinho de uma planta, qualificada como droga ilícita e  não autorizada a circular no mercado, como outras. No caso em questão, impropriamente consumida por um universitário. Logo, a academia foi, em nome dos bons costumes e da “segurança interna” tomada por forças militares, que em nada combinam com a livre realização do aprendizado e expressão do saber.

A desregulamentação e afrouxamento da fiscalização ambiental brasileira é muito bem vinda a governadores do norte ao sul e leste a oeste, que se beneficiam, por condição ou ideologia, dessa desqualificação da União para legislar sobre florestas, lavouras e outros espaços de importância vital para a sociedade.

Vale sempre lembrar por onde anda as drogas mais perigosas. E o que o Novo Código Florestal tem a ver com isso? Nada, além da relação que tem com o fortalecimento de um modelo de produção, que proporciona uma lucratividade tão imensurável quanto os danos ambientais e sanitários que gera. E, infelizmente, estamos falando nisso no ano de 2011 !!!!

Continuaremos na questão...

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Gilberto Gil, um ministro divisor de águas


Gilberto Gil from FLi Multimídia on Vimeo.

Gilberto Gil - Cultura e redes
Parceria de Le Monde Diplomatique Brasil e do Produção Cultural no Brasil, para difundir série de entrevistas sobre experiências culturais brasileiras

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

"Não quero que ninguém me ensine, quero aprender com todos'.

Rio Babilônia? Rio Babel? O que dizem as mil vozes da Ocupa Rio? Das palavras diversas que se encontram na Cinelândia parece destilar-se um consenso sobre os objetivos do movimento: 'queremos que os povos venham às praças debater'! Após 10 dias de acampamento são 107 barracas e diversas instalações tais como cozinha, biblioteca, gerador de energia a bicicleta, cinema popular, rádio livre, etc... um morador da vizinhança disse que antes dos temporais desta semana havia o dobro de acampadas/os. Muitas/os ficam apenas alguns dias no acampamento, outras/os freqüentam durante o dia e dormem em casa, há quem nunca tenha ido pessoalmente mas ajuda a traduzir textos, melhorar a comunicação via internet, editar vídeos em casa, etc. Na assembléia de "comunicação" se discute como se pode usar as tecnologias para quem está longe poder participar dos debates e como dialogar com as outras ocupas ao redor do mundo.
Embora as/os acampadas/os e demais participantes sintam que há algo errado com o que acreditam ser uma predominância da classe média, o simples fato das pessoas estarem permanentemente na praça facilita a aproximação de moradores de rua e todo tipo de gente. Entre as/os ativistas estão presentes todas as gerações: militantes de 68, hippies e punks dos 70 e 80, caras pintadas dos 80, anti-capitalistas dos 90 e 2000, universitários/as, secundaristas, gente dos mais variados movimentos atuais, além de filhas/os e animais de estimação. As atividades conjuntas borbulham: manifestações, oficinas, filmes, debates, construções, culinária, horta, teatro, práticas nas quais as pessoas diferentes vão encontrando a si mesmas e as outras, reinventando com elas seus mundos. Diz o cartaz: 'não quero que ninguém me ensine, quero aprender com todos'.
Para tamanha confusão uma placa, entre tantas: 'desculpem o transtorno, estamos trabalhando por um mundo melhor'. A autogestão está sendo construída com Grupos de Trabalho. Um cartaz enumera 14: 'atividades', 'infraestrutura', 'alimentação', 'segurança', 'jurídico', 'comunicação', 'queer', 'teoria', 'autogestão', 'ações práticas', 'horta urbana', 'processos', 'reciclagem', 'arte e cultura'. Mas pode ter havido muitos outros e a qualquer momento surge um novo: hoje debatia-se no GT de 'comunicação' a criação do GT 'que bandeiras queremos', para aquelas/les que sentem a necessidade de construir as tradicionais 'bandeiras de luta', sem desrespeitar as/os que acham que o movimento não precisa disso. E há ainda muitas outras/os ativistas que acham mais produtiva e aberta a comunicação e a ação coletiva que acontece fora das assembléias. A ocupa interliga diferentes modos de organização e até a recusa da 'organização'. Estratégias híbridas e em construção.
Há um enorme esforço e esperança, para esta imensa tarefa que se coloca ao horizonte: povos, venham às praças, tecer juntos nosso(s) mundo(s) de diversidade, comunicação e solidariedade!
Fotos do CMI-Tefé | Fotos de SteveLah | Análise interrogativa do Manolo
Reproduzido de CMI

domingo, 6 de novembro de 2011

Uma hipótese terrível para os mares...

Se os tubarões fossem homens

Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais.

Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias, cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim que não morressem antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões.

Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos.

Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos.

Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência.

Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista e denunciaria imediatamente aos tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre sí a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros.

As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que entre eles os peixinhos de outros tubarões existem gigantescas diferenças, eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro.

Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos

Da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, havia belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nos quais se poderia brincar magnificamente.

Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões.

A música seria tão bela, tão bela que os peixinhos sob seus acordes, a orquestra na frente entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos .

Também haveria uma religião ali.

Se os tubarões fossem homens, ela ensinaria essa religião e só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida.

Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros.

Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar e os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiro da construção de caixas e assim por diante.

Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.

Bertold Bretch

 

sábado, 5 de novembro de 2011

"Na hora que a gente está na roda, desce o espírito de uma criança, que ninguém lembra de dor"

Não é na alma que está a raiz da liberdade humana; em geral, o inverso é que vale. Nessa Cultura do Horror (E. Galeano) em que estamos inseridos, a alma é, sim, comumente um pretexto de fuga; uma negação do que somos integralmente, em troca de uma vida confinada e infeliz, um discurso, enffim, para afastar os indivíduos do centro da real tranformação: uma relação plena entre corpo e mente, a partir do movimento e o contato com o outro. Essa é a semente do verdadeiro amor: sem-vergonha, alegre e sensitivo.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

E os ruralistas pedem passagem para desmatar sem barreiras federais

Senado aprova lei que enfraquece Ibama
CLAUDIO ANGELO
MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA

O Senado aprovou ontem por 49 votos a 7 um projeto de lei que, na prática, tira do Ibama o poder de multar desmatamentos ilegais. O projeto regulamenta o artigo 23 da Constituição, que define as competências de União, Estados e Municípios na fiscalização de crimes ambientais.

Íntegra na Folha:

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Financiar o SUS universal sem tergiversar

30 de Setembro de 2011 

por Ligia Bahia - do Diplomatique



A singular combinação de universal-particular, público-privado do sistema de saúde brasileiro subverte as classificações internacionais tradicionais. Ainda que sua realidade seja sempre mais complexa e, por vezes, muito menos descontínua do que as tipologias que pretendem explicá-la, o Brasil pode ser categorizado como um outlierno que se refere à organização de sistemas de saúde no mundo contemporâneo. Tal posição extravagante decorre da existência do SUS. A Constituição de 1988, ao promulgar o direito universal à saúde, distanciou-nos de vários países populosos e em desenvolvimento que não construíram sistemas públicos nacionais. Contudo, a formalização do direito à saúde não foi suficiente para romper definitivamente com o padrão segmentado herdado do seguro social.

É possível afirmar, sem mentir, que o Brasil possui um sistema universal de saúde, dotado de atributos similares aos de países desenvolvidos. Quem disser que abrigamos um mercado de planos privados de saúde vigoroso, semelhante ao dos Estados Unidos também não estará faltando com a verdade. O desenvolvimento simultâneo de dois subsistemas contraditórios não suscita reações de surpresa porque nos acostumamos a atribuir toda e qualquer estratificação à distribuição da população por faixas de renda. Assim, o encaixe natural entre o poder de pagar e a dimensão das redes assistenciais pública e privada deriva das estimativas sobre o tamanho das classes médias. A profusão de descrições da realidade rasas, mas convincentes e não de todo destituídas de substrato real, sobre a conformação das instituições de atenção à saúde traçam um panorama simplificado, no qual aos ricos e pobres correspondem dicotomicamente serviços privados e públicos. A ausência da política, das bases nas quais se assenta o poder, nessas narrativas, esconde as engrenagens coletivas e estatais que organizam os modernos sistemas de saúde.

A saúde pública é contemporânea à industrialização. Embora a humanidade tenha desenvolvido sofisticados modelos explicativos a respeito do processo saúde-doença e meios para intervir sobre as enfermidades, os avanços relacionados ao controle de riscos, precisão dos diagnósticos e efetividade das terapias acompanharam a consolidação dos Estados modernos, especialmente os Estados de bem-estar social. Foi exatamente porque a saúde se politizou, no sentido de se tornar objeto da ação estatal, que os sistemas nacionais de saúde puderam se desenvolver e dinamizar o complexo industrial setorial. Medicamentos, equipamentos, vacinas e outros insumos são requeridos e pesquisados pelas amplas redes de serviços criadas em função da socialização dos riscos à saúde.

Essa digressão é necessária por dois motivos. Em primeiro lugar, para acentuar a importância da denominada desfamiliarização dos cuidados e assistência à saúde.1 O trabalhador assalariado – doente, gestante, acidentado ou velho − afastado da atividade laboral não poderia manter-se e reproduzir sem o apoio de benefícios e serviços dos seguros sociais. O segundo feixe de justificativas para revisitar o passado diz respeito ao acionamento do mesmo dispositivo que apaga da paisagem os alicerces políticos do sistema de saúde para atribuir os avanços da medicina exclusivamente a grandes invenções obtidas em fantásticos laboratórios, desconectando-as das instituições estatais que as estimulam.

Por isso, é imprescindível tomar como ponto de partida para avaliar o atual sistema de saúde no Brasil a situação pré-Constituição de 1988. A Previdência Social, que vinha ampliando progressivamente a cobertura de seus benefícios, era naquela altura responsável pelo atendimento à saúde de cerca de 60% da população. Os elegíveis ao seguro social estavam vinculados ao mercado formal de trabalho e consequentemente residiam nas regiões Sudeste e Sul. As disparidades nos indicadores de saúde entre regiões, cidades e mesmo bairros de um mesmo município e os problemas de fraudes decorrentes da dinâmica de compra de serviços expressavam os resultados de um modelo de desenvolvimento autoritário e concentrador. As instituições responsáveis por quem não tinha carteira de trabalho eram o Ministério da Saúde e secretarias de saúde.

Com base no diagnóstico da inviabilidade de preservar um sistema fragmentado com duplicidade de atribuições ministeriais e sob o lema “democracia é saúde”, intelectuais, técnicos e entidades de profissionais de saúde e do movimento social levaram à Constituição o debate sobre o projeto de Reforma Sanitária Brasileira, o qual procurou articular as duas dimensões da saúde: estado vital e sistema de saúde, sob a perspectiva de disputar a hegemonia com projetos racionalizadores e romper com acepções e práticas de mercadorização da doença e da vida. O SUS − componente assistencial da Reforma Sanitária, compreendido como um processo de construção técnica e política − seria uma das chaves para alterar o predomínio de interesses privatizantes e responder às pressões de outros grupos sociais, especialmente os segmentos populacionais não abrangidos pela Previdência Social em favor da responsabilização de prestação de serviços pelo Estado.2

A elevação da saúde à condição de direito de cidadania foi uma importante conquista da Constituição de 1988. A inclusão da saúde no capítulo da seguridade social e a vinculação do financiamento do SUS a um orçamento compartilhado com a Previdência e a Assistência Social, acrescido por duas novas fontes de receita (a Cofins e a CLSS), certamente contribuíram para adjetivá-la cidadã. O que ocorreu logo depois é fácil lembrar. A declaração de Sarney sobre a inviabilidade de governar o país com a Constituição recém-aprovada prenunciou contradições entre o texto constitucional e a natureza das políticas sociais dos governos que o sucederam.

A onda liberal

Desde a vitória de Collor, a modernidade liberal se impôs mais intensamente. As diversas reformas pautadas no tripé estabilização, privatização do patrimônio estatal e abertura comercial promoveram uma radical transformação no papel estratégico do Estado.3 Embora o texto constitucional tenha resistido às propostas destinadas a suprimir ou relativizar a garantia do direito universal à saúde, o descrédito de autoridades governamentais na necessidade de efetivar um sistema de saúde público, abrangente e qualificado, acompanhado por uma dieta de fome de recursos financeiros, mitigou a transposição do direito formal ao real. Mesmo assim, a universalização, para determinadas ações de saúde, saiu do papel. Uma das primeiras e notórias realizações do novo sistema de saúde foi garantir o acesso à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento para todos os expostos ao HIV/aids. Contudo, o tráfego na contramão da agenda nacional e internacional atrasou e cerceou a criação do SUS constitucional.

Entre avanços e impasses, a garantia do direito à saúde ficou no meio do caminho. Passamos pela etapa dos discursos que estendiam automaticamente os efeitos benéficos do programa Bolsa Família aos problemas de saúde, por momentos de euforia em relação às promessas de privatização e descobertas da gestão como bálsamo infalível para consertar a saúde pública. Enquanto isso, a União retraiu aportes para o SUS. Entre 1980 e 2008, a participação do governo federal diminui de 75% para 46% no total dos gastos públicos. Nem o significativo incremento da receita corrente da União deteve a tendência de queda das despesas federais com saúde. A ultrapassagem de gastos com pessoal do Ministério da Fazenda em relação aos do Ministério da Saúde em 2004 sinaliza a corrosão do subfinanciamento, inclusive nas bases organizacionais do SUS.

Para efetivar o SUS, o Brasil deveria ter expandido a rede de serviços e, necessariamente, o financiamento para a saúde pública. Ocorreu o contrário: políticas fiscais incentivaram a privatização da assistência. Hoje, temos um sistema público subfinanciado e um sistema privado dependente da expansão dos vazamentos (nunca explicitados) de recursos públicos. Os gastos para quem está vinculado a planos são pelo menos três vezes maiores do que para o restante da população.

Junto com a ascensão dos brasileiros a classes superiores de renda e o aumento da busca de vinculação a planos privados vieram filas, profissionais da saúde que “não olham na cara” dos pacientes, dificuldades para discernir no emaranhado de guias de autorização de procedimentos quem é responsável pelo quê – problemas anteriormente considerados apanágio do SUS contaminaram empresas privadas que arrogavam deter excelência na gestão. Tornou-se difícil distinguir as críticas aos planos de saúde daquelas dirigidas ao SUS. As greves de médicos contra planos de saúde, a contratação de falsos profissionais em hospitais, o uso de medicamentos adulterados, as empresas de ambulâncias movidas a propina e as burocracias de organizações privadas tão ou mais insensíveis e menos profissionalizadas do que as públicas denunciam os limites estruturais da segmentação do sistema de saúde.

Quem acompanha esses nítidos sinais de esgotamento das instituições públicas e privadas fica com a impressão de que o sistema de saúde brasileiro bateu no teto. O escanteamento da saúde na agenda governamental, recursos financeiros insuficientes para alavancar a extensão de coberturas do SUS e o estímulo à demanda e oferta de planos de saúde baratos e com restrição de coberturas agravam a crise. A saída encontrada para atender novos clientes de planos de saúde tem sido a abertura de duplas portas em hospitais da rede SUS. A devolução de pacientes cobertos por esquemas assistenciais privados ao Estado sugere que o rei está nu!

Apesar de uma parte de nossos representantes políticos temer contrariar supostas inclinações privatizantes das classes médias ou não ter compreendido o real valor de sistemas universais, as evidências são acachapantes: não ingressaremos no mundo desenvolvido sem um SUS para valer. Um sistema de saúde segmentado e fragmentado turbina injustiças, discriminações e privilégios. Enquanto o padrão de atendimento aos problemas de saúde ainda depender do status social herdado ou de espertezas e maracutaias, os critérios republicanos não vão se impor: um país no qual a gravidade das condições clínicas, e não a capacidade de pagamento, determina a ordem do atendimento protege com mais eficiência e eficácia a saúde de todos os cidadãos.



Tarefa inadiável

Portanto, apostas baixas e dúbias não são respostas adequadas ao enfrentamento dos cruciais problemas de saúde. Conquistar mais recursos para o SUS e gastá-los bem é uma tarefa inadiável. Em termos de proporção do PIB, os gastos com saúde somam, atualmente, cerca de 8,5%. Se alcançarmos 10%, estaremos a princípio pareados com países que possuem amplos sistemas de proteção social. Mas não é só nos gastos totais que se percebe o problema da carência de recursos para o SUS. O obstáculo adicional são as proporções privadas e públicas das despesas. No Brasil, apenas 45% são gastos públicos e, nos países onde há sistemas universais, as parcelas dos investimentos públicos situam-se sempre acima de 70% do total.4 Perante esse duplo desafio, é essencial reafirmar o SUS como vetor de desenvolvimento social. O que tem de ser levado em conta é a importância de efetivação de um sistema universal em um país marcado por fortes desigualdades sociais. Consequentemente, a padronização de direitos perante as pressões das indústrias setoriais referentes à incorporação de novas tecnologias depende de políticas sistêmicas que articulem atenção à saúde com políticas industriais e de desenvolvimento científico e tecnológico.

Até aqui os embates sobre financiamento do SUS ficaram reduzidos a uma polêmica sobre o aumento da carga tributária. O desacoplamento do projeto de regulamentação da Emenda Constitucional n. 29 (EC-29) da criação de uma contribuição específica (CSS) permitirá a substituição da discussão plebiscitária sobre o sim ou não a uma contribuição social pela discussão do SUS que queremos e podemos ter. Trata-se de buscar alternativas que procurem manter a coerência dos objetivos do SUS com a natureza das receitas e a quantidade de recursos para viabilizá-lo, trazendo para o centro da formulação de políticas a análise das bases de financiamento previstas pela Constituição.

Antes de sair tirando coelho da cartola é preciso examinar acuradamente as possibilidades de reorientação das receitas do orçamento da seguridade social. As fontes destinadas originalmente para o financiamento da saúde, em função de características de relativa progressividade da incidência de tributos sobre o faturamento e o lucro, são coerentes com a universalização. As possibilidades de mobilizar as atuais contribuições sociais para que a União aumente o aporte de recursos para o SUS − seja por meio da desoneração dessas receitas da incidência da Desvinculação de Recursos da União (DRU), que extrai uma parcela do orçamento da seguridade em observância aos ditames do ajuste fiscal, seja mediante a destinação de uma maior parcela dessas fontes à saúde ou ainda em função de aumento de alíquotas − devem ocupar lugar de destaque no equacionamento do financiamento do SUS.

Só conseguiremos escapar do dilema fiscal sintetizado na contradição entre a crescente carga tributária e impacto negativo na saúde se alargarmos as bases de financiamento do SUS e reduzirmos os vazamentos fiscais à privatização da saúde. A experiência com as brigas em torno da CPMF ensinou que a alocação de mais recursos para a saúde pública é antes uma questão de prioridade política do que de criação de uma fonte específica de recursos. Aprendemos ainda que botar os termos do debate de cabeça para cima auxilia a compreensão da complexidade das decisões envolvidas com o financiamento do SUS. O que estamos pleiteando é o direito à saúde, a melhoria das condições de vida e de saúde e o atendimento oportuno, digno e resolutivo. O financiamento e a qualidade dos gastos são meios essenciais para o alcance desses objetivos. A conversa sobre o SUS não se inicia nem termina no financiamento.

Um sistema de saúde degradado, pobre para pobres, adultera o nome e sobrenome de batismo do SUS constitucional. Não erradicaremos a miséria e a pobreza enquanto nos situarmos entre os países com maior PIB e nossos indicadores específicos sinalizarem a perseverança de profundas iniquidades na exposição aos riscos e no acesso e utilização de ações e serviços de saúde. Sobre a mesa de negociações da regulamentação da EC-29 serão apresentados interesses e valores políticos, simbólicos e financeiros. Esforços concentrados em torno de concepções sobre a indissociabilidade do financiamento com a ampliação do direito à saúde aumentam as chances de aprovar no Senado uma regulamentação baseada na projeção de um SUS cujos tamanho e qualidade se ajustem às necessidades de saúde e qualidade de vida das atuais e futuras gerações de brasileiros.


Ligia Bahia

Professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro


Ilustração: Chiquinha


1 Gosta Esping-Andersen, Social foundations of postindustrial economies, Nova York: Oxford University Press, 1999.

2 Jairnilson Paim, Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e critica, Salvador/Rio de Janeiro: EDUFBA/Fiocruz, 2008.

3 Renato Boschi e Maria Regina Soares Lima, “O Executivo e a construção do Estado no Brasil: do desmonte da era Vargas ao novo intervencionismo regulatório”. In: Luiz Werneck Vianna (org.), A democracia e os três poderes no Brasil, Belo Horizonte/ Rio de Janeiro: UFMG/Iuperj/Faperj, 2002.

4 Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Agenda estratégica para a saúde no Brasil, 2011. Disponível em www.saudeigualparatodos.org.br.