quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Aborto, liberdade e teatro na mídia


A questão do aborto é tema que volta e meia retorna às grandes bocas públicas, como nesses últimos dias que antecedem o pleito presidencial. Mais do que delicado, porque eleitoralmente implica votos, esse assunto remete hoje, diretamente, a questão da liberdade. Pelo menos para que tenha um tratamento minimamente sério e equilibrado. Se, para a mulher, em outros tempos, a liberdade se resumia na opção de casar ou não com alguém - pré-determinado pelo pai; se, por esses mesmos tempos de outrora, a sexualidade das fêmeas era reduzida a uma questão de funcionar bem no papel de contemplar as necessidades do marido e a condição de ter um filho era, sinteticamente, criar uma vida e alimentá-lo com boas perspectivas (compreendido o “boa” dentro de cada classe social), hoje, diferentemente, há outros fatores que influenciam nisso.

A mulher, em primeiro lugar, está em pleno processo de emancipação. A “responsabilidade” ou culpa, outrora a ela reduzida e por ela absorvida - a respeito de ser o centro da construção da boa família, heterossexual, cristã, monogâmica e feliz (ao que isso se entendia), foi, no mínimo, transformada. Porque entrou em seu universo a perspectiva da independência. Isso é impactante na questão de ser mãe, porque esta passa ter que compartilhar o tempo do matrimônio, especialmente da maternidade, com outras possibilidades. Paralelo a isso, a autoridade do homem é também relativizada e transformada com um novo papel: o de pai presente.

E o que isso tem a ver com aborto? Esse impacto estrutural nesse núcleo familiar tradicional, entendo eu, ainda está longe de ser assimilado por gerações anteriores, cujo o modo de enxergar a vida e lidar com sua complexidade se reproduz na cultura dos filhos e netos. Há, portanto, um choque de anseios entre a herança tranqüila e prometida da família ideal e o mundo real, cujo casamento modelar de outras épocas, invariavelmente, é um estorvo. A mulher, novamente, é a que mais sofre, pois é a que mais se divide (penso), nesse dilema de poder amar uma criatura por ela gerada e consolidar uma carrreira profissional por ela almejada. É fato que tem que se considerar nisso aquelas que, conscientemente, descartam ser mães biológicas. Mas isso não é o predominante.

Nesse cenário, o aborto, a despeito de tantas campanhas preventivas, se insere no centro desse dilema. Porque o machismo ainda é o imperante na sociedade, apesar de tudo que se avançou, e há homens que  não admitem o uso de preservativo, por impressionante que seja. Soma-se a isso uma confiança decorrente da paixão, outras vezes misturada a uma chantagem emocional de quem é amado, e pode dar as cartas, e o risco da gravidez se amplia na adolescência. Mais tarde, os problemas hormonais dos anticoncepcionais também se agregam a rejeição destes. Tratar essas questões dentro de um nível de aculturação maior, como tende a ser mais comum nas classes sociais de melhor poder aquisitivo, é facilitado (de qualquer forma, clínicas abortivas clandestinas são caras, e nesse caso, uma folha de cheque resolve mesmo qualquer “probleminha” de filhas de boas famílias).

Mas quando se fala em comunidades excluídas do circuito da informação em saúde – nem falo de escola, porque ainda, infelizmente, estamos longe do satisfatório tratamento desse assunto neste espaço – a questão se transforma em problema social. A religião entra aí como uma imperativo moral, polêmico, mas contribuiria melhor caso se concentrasse, prioritariamente, no enfoque da saúde pública. Então, voltando a orbita eleitoral, cobrar posições sobre aborto em de bocas de quem disputa uma eleição presidencial, dias antes do contato dos eleitores com a urna, é, no mínimo ingenuidade, no máximo má-índole. Porque, obviamente, o impacto emocional de nossa cultura predominantemente católica, no sentido tradicional, rejeita cegamente esse tema.

Portanto, deixemos a demagogia de lado, e aprofundemos, com o devido tempo e atenção, a dimensão social da questão, só mesmo possível no âmbito da cultura e das políticas de saúde coletiva. E um ex-ministro da saúde tem uma especial obrigação moral de saber disso.

Um olhar intrigante sobre esse tema, relacionando-lhe a religião, é dado no filme El crime del padre amaro.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sobre os Estados que matam e a moral que os legitima

O caso da norte-americana Tereza Lewis (41), assassinada com injeção letal pelo estado da Virgínia no último dia 23, tem entusiasmado alguns e chocado outros brasileiros, desacostumados a esse tipo de pena, a de morte. Na realidade, bem antes da questão da pena, creio que merece atenção o que a autoriza. A mesma sociedade ocidental cristã, dita civilizada, tem uma tendência expressiva de apoiadores no assassinato estatal, do extermínio dos indesejáveis – uma herança da idade média, e que, portanto, derruba por terra a própria noção de civilização construída, ou fantasiada, por esse lado do mundo. Ao lado disso, como se não bastasse, se inflama uma certa razão cínica em condenar os ditos primitivos do oriente, que matam por métodos menos “higiênicos”, como é o caso mais recente, da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani acusada de adultério e cumplicidade no assassinato de seu marido e condenada a enforcamento pelo segundo crime. A morte é a morte, e ponto final. Me recuso a entrar no mérito dos porquês, porque que entendo que o estado é incompetente para matar. Pelo simples fato que ele foi criado para remediar a vida social. Mesmo assim, apenas cabe refletir, para os que se assustam com uma ou outra execução. Quando o estado teve mais certeza? Onde a religião e a moral influenciam mais a justiça? Quando a pena é mais dolorosa? Qual morte é mais sanguinária? A justiça é falha, a moral é imperativa, o ser humano é estreito. Causa-me tédio e um até um certo enjôo essas impressões, impulsionadas de um jornalismo sensacionalista, que reproduzem esses “julgamentos” pré e pós executórios. O que cabe discutir, isto sim, é as condições que levam o estado à matar, o que e como elas são legitimadas e, sobretudo, o que queremos realmente enquanto vida em sociedade: Uma máquina assassina, bilionária, poderosa e ilimitada, que extermine quem não se enquadre ao modelo vigente, por ela ditado? Ou um modo de organização da vida social que admita apenas meios de condução e recondução dos seres humanos à valorização e qualificação da vida, em todas as suas razões, necessidades e oportunidades?

Um outro enfoque da questão, e mais aprofundado, pode ser conhecido no artigo Morte por apedrejamento, a proibição da Burqah e Imperialismo Moral, de Timothy BANCROFT-HINCHEY.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Pesquisa e soberania nacional

A recente criação do curso de graduação em Engenharia de Nanotecnologia na UFRJ é mais um indício do quanto o País tem avançado, ainda que tardiamente, nessa área de pesquisa considerada como uma demanda essencial do futuro ao nível da tecnologia de ponta. A pesquisa é, sem dúvidas, um dos campos estratégicos para a consolidação da soberania de um País. E os países desenvolvidos sabem disso muito bem. Tanto assim, que é comum que universidades européias e norte-americanas forneçam bolsas de estudo a brasileiros, em áreas de grande interesse para o País financiador. Ainda que bastante interessante ao estudante, o é muito mais ao instituto de pesquisa que cede a bolsa. Estes, bem além de "fornecer conhecimento", na medida em que possuem quadros de grande capacidade de percepção no modo de fazer e procedimentos específicos para pensar problemas, que possuem os seus visitantes, sabem muito bem apropriar-se desse conhecimento. Assim, muito antes de transmitir conhecimento novo, acumulam experiências das realidades dos ingressantes estrangeiros em seus programas, em grande parte, pesquisadores de países desenvolvidos. Outro fenômeno intrigante, relacionado a isso, é a chamada "fuga de cérebros", que faz o País perder qualificados quadros em áreas de ponta. Conforme pesquisa divulgada pelo jornal Folha de São Paulo em fins de 2007, de 1996 a 2006, o número de brasileiros que receberam visto dos Estados Unidos dado somente a profissionais de alta qualificação aumentou 185%. 2) De 1990 a 2000, quase dobrou -de 1,7% para 3,3%-- a proporção de brasileiros com nível superior vivendo nos 30 países da OCDE, que reúne, na maioria, nações ricas de Europa, Ásia e América do Norte. Teríamos outras questões que se somam a essa problemática da independência no nível da pesquisa nacional, como a biopirataria e os loobys das grandes corporações sobre as instituições públicas de ensino e pesquisa. Mas deixaremos esse tema para tratar especificamente. Resta, por hora, registrar que deve ser aplaudida a grande valorização do acesso ao ensino superior, estimulado no atual governo, com a criação de universidades federais nas zonas mais distantes das diversas regiões. Resta esperar que essas instituições sejam agora instrumentalizadas para que se tornem potenciais centros de pesquisa no sentido de valorizar a geração de conhecimento em uma perspectiva de afirmação real de nossa independência.

Autores, textos e eventos sobre Comunicação e Saúde, podem ser conferidos aqui.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Passeios interiores

O tempo estava adequado para qualquer coisa, desde que não se necessitasse sair de casa. Eram 8h de um domingo chuvoso. Fim-de-semana, agenda vazia. Liberdade para o que desse e viesse. Mas o que significa essa condição, sem os meios concretos para exercê-la? É como um copo vazio, cujo valor de uso esgota-se na impossibilidade enche-lo. E o que, afinal, são os meios, senão as atitudes ditadas pelos fins? Estes, sim, o que importam. Aquilo que depende apenas do nosso modo de olhar as coisas. Com muito cálculo e remanejo, conseguira pagar todas as contas, mas ficara apenas com o necessário para passar os próximos 15 dias, data do próximo pagamento. Nem mais um tostão para o lazer. Assim estava Tonico naquela manhã de agosto em uma cidade fria do sul do Brasil. Para completar a falta de opção, a chuva misturada com o vento não parava. Bem, o final do programa eleitoral no rádio indicava que o tempo estava passando. Mas seria bom que, de preferência, passasse prazerosamente. Senão, ocorreria novamente como acontecia de praxe, lamentando os próximos dias não ter feito nada de interessante. Foi então que o estranho entusiasmo se transformou em mais uma ideia pervertedora, destas que pintam no ócio imaginativo. Decidiu sacar Neruda, seu autor preferido, recuperando a página de Confesso que Vivi. Sentou na poltrona da sala e começou a imaginar que estivesse na praça tomando sol. Por que não? Imaginar era um exercício agradável. Estava sozinho em sua casa, de modo que estava excluída a possibilidade de ser visto como louco.  Gostou da ideia e começou os procedimentos. Enquanto as pancadas de vento não paravam de bater na porta de seu apartamento, que dava de cara para a sacada, e os relâmpagos anunciavam no céu que a chuva não pararia tão cedo, regulou o ar-condicionado em 25º, vestiu um fino calção, uma camisa branca e um chinelo macio, preparou um copo de suco de laranja e alguns biscoitos de chocolate. Finalmente, montada a infraestrutura, sentou-se na cadeira de balanço da sala e fechou os olhos por alguns instantes, imaginando um céu azul com árvores à sua volta, cheias de pássaros cantando. O clima era ideal em seus pensamentos. Concentrou-se d e uma maneira tal que os seus sentidos já começavam a corresponder à paisagem pintada em seus pensamentos. Até os fios do vento frio que entravam pelas frestas da janela, soavam agora como uma leve brisa, que costuma acompanhar o sol das manhãs da primavera sulista – ainda que se estivesse em final de junho. Nesse verdadeiro êxtase, tomou o primeiro gole de suco, abriu os olhos e o livro. E quando começava a sua leitura matinal, agora em estado de entusiasmo, percebeu que o tempo estava mudando repentinamente. A chuva parara e, em questão de minutos, um discreto sol começava a iluminar a cidade. Não resistiu em abrir a janela, quando percebeu que as nuvens escuras davam lugar a um céu tão azul quanto as águas de um oceano. Olhou para o livro na cadeira e para o céu convidativo, mas foi o canto de um pássaro, que pousava agora no parapeito de sua sacada, que lhe completou a opção. Apressou-se em sair para a rua, pensando apenas no quanto um dia chuvoso pode inspirar e no que poderia ser a vida com mais poesia e imaginação.
Inverno de 2002, em algum canto do sul do Brasil.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

E se voássemos o que seria a vida, sem um vazio por atingir?

Ouvi hoje, antes de acordar totalmente, um cantar de pássaro estranho em minha janela. Nem faço idéia da espécie, mas incomodava meus e outros ouvidos humanos, desacostumados ao estranho, como sempre. Daí, há segundos, me ocorreu essa idéia de como seria a vida se voássemos todos? O céu, essa imensidão de possibilidades, um vazio convidativo à reflexão, ocupado pelos mais diversos e controversos gostos. O caos aéreo, provocado por um turbilhão de corpos, perdidos, arrogantes, egoístas ou amantes da vida. E a terra, nesse caso, o que se tornaria? Um lugar para passeios ocasionais, como é o mar? Nosso gigante vaso sanitário, totalmente livre de regras? E as outras espécies vivas do ar, sobreviveriam ao compartilhamento de seu espaço com esses seres tão certos de si? E até onde iríamos com essas nossas asas, tortas de direção ante a dimensão da vida, curtas de  visão ante a imensidão do universo. Criaríamos, provavelmente, novos problemas e limitações. Atrofiaríamos, certamente, nosso olhar de território. E o alvo, e a meta, estariam mesmo abaixo. Aprender a andar poderia ser o novo eterno projeto humano. E um ser qualquer criaria as pernas mecânicas. E falharia. Então, um dia qualquer, quando o céu já estivesse o nosso inferno de tédio, infestado de corpos perturbados com as asas alheias, um desses seres humanos voadores miraria seu olhar no horizonte do solo, observaria um pássaro estranho em um galho de uma arvorezinha e pensaria: "Lá nascem coisas interessantes, e eu também quero cantar diante disso” – mas, nisso, se apresentaria o desafio – “Tenho que aprender a andar aqui no céu".
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L. Boff, cosmonicando sobre A mídia comercial em guerra contra Lula e Dilma

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Homossexualidade e diversidade social

O ser humano é próprio e único, mas há uma forte tendência no nosso modo de vida em homogeneizá-lo e, por outro lado, um poder liberalizador que se contrapõe a isso, como ficou comprovado ontem no brilho dos olhos de Joseane Oliveira, primeira Miss Gay oficial de uma cidade do RS, no concurso ocorrido em Canoas. "A cidade e o movimento GLBTT vão estar muito bem representados", disparou ela minutos após o anúncio de sua vitória. Nesse clima de festa, que mobilizou pessoas de todas opções sexuais, estava inserido o constante discurso sobre a denúncia contra a violência aos profissionais do sexo e a necessidade da prevenção nas relações sexuais. A frase síntese no local, constantemente pronunciada "Você não precisa me aceitar, mas tem que me respeitar". Essa questão do ódio ao diferente tem, nesse caso, um poderoso fundo moral, que vai muito lentamente sendo superado. Mas a questão da opção sexual é apenas uma, entre as várias formas de ignorar, incompreender ou odiar a diferença social. As deficiências físicas e mentais, a religião, a procedência geográfica, a origem étnica, e até mesmo, a condição de classe são outros modos expressão de intolerar o outro, seja porque sua liberdade incomoda a repressão própria, seja porque o conceito de "normal" não superou ainda na mente do preconceituoso a minúscula (pre) visão do que é o ser humano, em seu sentido mais diversamente possível, libertário e feliz. A diversidade sexual é uma questão de largo alcance, uma das bases centrais para a construção de uma sociedade livre. Exatamente por causa disso, essa noção homogenizadora, que prevalece na maioria dos lares tradicionais, opera desde a infância, na mente infantil. Esse passo, bem além do político - no sentido estreito dessa palavra - vai ser, possivelmente, o mais complexo para a conquista da emancipação humana.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A palavra: virtudes e riscos

A palavra é mesmo uma arma, de alta periculosidade. Omiti-la, embora seja aparentemente inteligente, pode ser também comprometedor, a menos que o emissor seja reconhecido como um ser não-falante. Verbalizá-la no conteúdo ou dose errada pode implicar má interpretações e conseqüências fortes, até mesmo complexas. Experessá-la corretamente, ainda que em tom inconveniente, pode ter este mesmo efeito.

A comunicação é essencial nossa constituição como seres humanos, porque o humano só tem esse sentido quando se socializa, e a palavra é elemento estratégico no cumprimento desse papel - ainda que a escrita e a fala não sejam os únicos modos de exteriorizar o que se quer dizer. Gestos, símbolos e outras representações também podem comunicar. Mas, no fundo, esses meios também imitam a função expressiva de se dar um sentido ao pensamento, função esta que a palavra é ainda a forma mais sintética e poderosa.

A subjetividade que envolve os meios de expressão humana, por outro lado, é inescapável de qualquer relação social. Exatamente porque o receptor é parte do processo, e não um mero depósito de mensagens, como já se acreditou outrora. Por isso os poetas são tão facilmente entendidos e "perdoados" por qualquer coisa que digam. E daí porque seja tão comum se recorrer aos recursos poéticos (metafórica, humorística, irônica) para livrar-se da carga de responsabilidade pelo que se diz. Volta e meia os políticos, profissionais ou ocasionais, recorrem a isso, como uma maneira estratégica de dar efeito de impacto e grande alcance ao que verbalizam, sem comprometer-se indevidamente.

Mesmo assim, um certo jornalismo ainda praticado em larga escala no Brasil ainda insiste em apresentar-se como objetivo, livre de intencionalidade além dos fatos, fiel ao real. Felizmente, nesses períodos eleitorais, em que os interesses se aguçam e essas máquinas políticas - que são as corporações de comunicação - deixam cair as máscaras do lado que estão. Nesse caso, muito antes da palavra, uma imagem já define claramente o posicionamento ideológico de um veículo de comunicação. Isso é muito bom. Mas poderia ser melhor, se o cinismo fosse de vez sepultado e os proprietários dessas grandes empresas da mídia usassem a palavra, um elemento que é ferramenta diária em seus campos de atuação, para assumir o que são, com quem se identificam e o que querem.

Infelizmente, no entanto, em um sentido oposto, se escondem atrás de gêneros jornalísticos, denominados notícia ou reportagem. Às vezes, de modo cada vez mais comum, assumem também a forma "colunista". De qualquer modo, os editoriais dos grandes meios de comunicação são hoje o último e menor lugar para identificar o posicionamento da maioria das empresas de mídia brasileiras. Nas frestas desses tijolões de informação sem rosto, felizmente, emergem os blogs e outras ferramentas virtuais.

Mais uma vez, a palavra em cena. Moto-serra, machado, cutelo, serrinha ou canivete. Leve ou pesada; afiada ou cega; única ou múltiplas. Não importa. A arma palavra é poderosa e implacável. Só depende de quem, como e quando se maneja.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Plantas medicinais, riscos, business e academicismo II

Ainda sobre a questão ontem tratada aqui, a respeito da crítica totalitária da Globo ao uso de plantas medicinais pelo SUS - que tem sido realizada por meio do Fantástico, na voz de Dráuzio Varella - cabe destacar outro aspecto, que é a universalização do conhecimento popular, com relação ao conhecimento médico de ponta, inacessível ao cidadão comum e até mesmo à muitos especialistas. O conhecimento popular, do cultivo e diagnóstico com ervas e raízes, não tem, em sua essência, um viés comercial. Ele está disponível na natureza, inclusive por meio de seus agentes humanos.

Quando o médico Dráuzio Varella e sua equipe vão colher extratos na Amazônia para experimentações e adequações em curas, isso não é realizado sem um processo de interação com as comunidades locais, que são detentoras de saberes específicos, decorrentes das experiências de dependência desse meio. Essa disponibilidade, seja em orientações sobre os ambientes, seja por informações sobre as qualidades naturais das plantas, é oferecido, invariavelmente, de forma gratuita. No entanto, depois que os cientistas retornam aos seus laboratórios e sistematizam esse conhecimento, com testes científicos, para posteriormente colocá-lo no mercado, não é apenas o medicamento que terá um preço.

Sabe-se hoje que a informação científica é um produto muito caro, e que está acessível também a um numero restrito de universidades, que se integram a redes de informação fechadas, cujo acesso se dá por meio de investimentos altos. Valores estes que nem sempre estão ao acesso de muitas universidades latino-americanas. Então, quando se diz que, para ser válido, um determinado conhecimento deve ser "testado" e divulgado em uma "revista de impacto", é importante que tenhamos em conta que essa informação publicada, dependendo a revista, pode, inclusive, estar longe de ser acessada por médicos do País onde esse conhecimento foi produzido. Parece impressionante, mas é assim que funciona a comercialização do conhecimento científico, inclusive aquele de interesse da saúde pública.

Exatamente por causa disso, existem hoje as redes alternativas de informação, que agregam publicações a distribuem de forma gratuita. É o caso do Scielo, no Brasil, e a Redalyc, no México, ambas de alcance geral aos pesquisadores de todas as universidades desse eixo geográfico. "Informação é poder; e informação científica, gerada com fundos públicos, deve ter o acesso aberto. Mas nem sempre é isso que ocorre", observa a professora Rosário Rogel, da Universidad Autónoma del Estado de México. Novamente ressalto que não pretendo desconsiderar, ou desqualificar, a validade do conhecimento científico. Mas é fundamental que o consumidor, o cidadão que necessita do direito a saúde, entenda como funciona o processo de produção e acesso da informação para o seu tratamento que, em geral, para ele é algo distante, de outro mundo. Talvez por isso a relação médico paciente seja comumente fria e tecnicista.

Prosseguiremos nessa questão, e em seus diversos vieses, em novo post.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Plantas medicinais, mídia, business e academicismo

A nova onda na Globo, por meio do Fantástico, é detonar o uso popular das ervas e plantas medicinais, particularmente na fitoterapia. Nesse caminho, o médico Dráuzio Varella, experiente profissional, tem mantido um discurso, no mínimo, estranho. Em seu quadro "É bom para quê?", veiculado semanalmente naquele programa tem tido uma abordagem que força fazer crer que o Ministério da Saúde está "enganando" a população ao disponibilizar algumas dezenas de ervas medicinais no Sistema Único de Saúde. O posicionamento de Dráuzio é generalizante e ignora experiências dele próprio, que já foi propagandeado como um recolhedor de extratos naturais, em expedições que realiza pela busca de cura de doenças na Amazônia.

Se Dráuzio estivesse, de fato, ocupado em seu quadro com a segurança das ervas e plantas disponibilizadas pelo SUS na rede pública de saúde, teceria uma crítica pontual,  no sentido de que essa iniciativa fosse aperfeiçoada. Mas, ao invéz disso, com exemplos de experiências ruins com esse tipo de tratameto, assume um tom de desprezo pela manipulação disso pela população, como se o conhecimento sobre curas devessem estar distantes do acesso das pessoas mais simples. A medicina ocidental não começou, e será muito posterior, ao conhecimento atual, cuja difusão tem se demonstrada intolerante, tecnicista e até dogmática saberes diferentes, que remontam séculos de história. É o caso, para exemplificar, da medicina egípicia, indiana e chinesa, de base natural e popular, que desenvolveram muitos ensaios e experiências.

O saber popular tem uma lógica diferente de operação, justamente porque acumula em si uma relação mais humana e integral com o paciente, elementos que a medicina tradicional ainda persegue para se aperfeiçoar. A chamada multimistura, concebida pela pediatra Zilda Arns, e que solucionou o problema da desnutrição em milhares de crianças no Brasil e no mundo, por meio de agentes sociais da Pastoral da Criança, poderia ser excomungada pela "competência científica", visto que se trata de uma composição alimentar integrada por elementos sem uma comprovação científica de alto nível (casca de ovo, farelos e folhas). Se aquela organização tornou o Brasil mundialmente respeitado pelos resultados dessas ações, foi graças a atuação dessas pessoas sobre um alimento alternativo, de uso popular.

Jornalismo, na saúde ou em qualquer área é escolhas. Nesse caso, a escolha foi só de um lado. Se a Globo quisesse, no mesmo quadro, poderia ter apresentado 10 outros exemplos positivos e bem sucedidos no tratamento fitoterápico. Assim como poderia ter derrubado a medicina científica por meio de exemplos péssimos atribuídos a sua prática. Além do mais, a questão, no contexto em que é tratada, e no enfoque do Fantástico (Globo) denota uma clara relação político-eleitoral, em um momento que o principal concorrente da ex-integrante do governo federal na disputa a presidência é o ex-ministro da saúde José Serra. (Temporão, o alvo preferido de José Serra). Nada é por acaso.

Desde 1978 a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda, a nível mundial, os fitoterápicos como eficazes na cura de doenças. Há um secular conhecimento sobre as plantas, de pessoas que vivem e sobrevivem delas. Desprezar isso, sob a alegação da invalidade científica, é uma desorientação, não contribui para somar na solução dos problemas em saúde pública. O conhecimento científico não é onipontente, nem único. E os cientistas, na mídia ou fora dela, precisam assimilar que integram apenas um nível de saber. Não queremos defender, com isso, que a medicina oficíal é menor ou pior, ou mesmo dispensável. Mas ela também passa por riscos, interesses e falhas. E sua produção, divulgação e acesso envolve muito dinheiro e poder.

De qualquer modo, considero digna de aplauso a iniciativa do SUS, de possibilitar uma abertura a mais para o atendimento à saúde coletiva. O diálogo entre os conhecimentos científico, popular e até mesmo parapsicológico, é o desejável em uma época em que poucas certezas restam em torno da verdade, e nenhuma verdade resta em torno de um único discurso. O debate mais ampliado, com a abertura da série do programa do Fantástico, além do contraponto do próprio Dráuzio e comentários sobre a essa questão, pode ser conferido aqui.

domingo, 19 de setembro de 2010

Seres viajantes, somos todos

O feriadão, quente aqui pelo sul, deixa a região metropolitana com sensação de vazio. Parece que cada um sai à procura de suas raízes, ambiente de "retorno", ou coisa que o valha. O ser humano, nesse ritmo alucinado de viver para o trabalho, tem essa necessidade de compensação diária/semanal/anual. Não é apenas descanso, mas uma espécie de segunda vida. Em outras palavras, uma fuga da vida que se leva. Na realidade, penso que uma boa explicação para isso - apenas para dar um tom mais reflexivo a uma questão aparentemente banal - é nossa origem histórica migracionista. Sim, somos seres migrantes, assim entendo. Assim viviam nossos ancestrais no estágio "pré-civilizatório". Até que um dia, a descoberta do fogo, da agricultura e da criação de animais entre cercados, os povos começaram a se tornar mais sedentários. Porém, parece que essa marca permanece através dos séculos no espírito dos povos - viajar. E, de preferência, de modo cada vez menos "preciso".

sábado, 18 de setembro de 2010

Sobre a tradição e os modos de ser humano

Interessante, às vezes impressionante, como a tradição - ou aquilo que a ela se atribui - cria e dá visibilidade à modos de comportamento. Isso se reforça, noto, quando estamos diante do estranho. A difusão de CTGs pelo mundo, por exemplo, poderia ter entre suas explicações, a condição de estrangeiro que o riograndense se situa em outras terras, despertando em si a necessidade de se afirmar na sua individualidade.
Há controvérsias, é verdade, sobre o que é ser gaúcho, mas há traços que são incorporados nesse modelo exportado, sem dúvidas. E críticos não faltam para difundir isso, no caso do gaúcho. O que também indica o poder que esse movimento adiquiriu. O papel da mídia sulista nisso, em particular a RBS, merece um capítulo a parte. Mas essa afirmação territorial local se faz em outras regiões do País também, certamente, ainda que de modo menos produzido e mais restrito geograficamente. Os imigrantes são outro tipo de grupo social em que é fácil se perceber esse fenômeno da "invenção das tradições". O impuslo para recriar o passado está fortemente verificado na matriz de vida  européia, asiática e africana. Basta analisar preliminarmente as comunidades relativamente fechadas que tais grupos criam, algumas - como é o caso dos quilombos, como uma forma de sobrevivência cultural que tem a ver com a existência diária em uma perspectiva ainda de afirmação da liberdade, em seu sentido mais genuíno. Em síntese, o ser-humano é, em grande parte, seu passado. Porém, nesse enleio de experiências se insere modelos, que podem ser reforçados politicamente, pela mídia ou a religião, a ponto de se solidificarem na cultura e se tornarem referências do presente e futuro, para uma vida mais livre, reprimida ou repressora.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

México, tráfico e democracia

O assassinato frio, por traficantes, do fotógrafo Luis Carlos Santiago, do jornal mexicano Diário de Juárez, nessa quinta-feira, 16, perturba o exercício do jornalismo livre em nosso continente, mas é a ponta de um iceberg de outras questões graves naquele País, e que convidam a reflexão. O crime organizado é hoje o pior problema em Ciudad Juárez (México), que faz fronteira com El Paso, no Texas (EUA).  
Em março deste ano, o jornal uruguaio Brecha (http://www.brecha.com.uy/) já alertava que nos últimos dois anos a guerra entre “narcos” já causou 4 mil e 600 mortos e 100 mil refugiados naquela Região, onde as mulheres são vítimas em especial - em setembro do ano passado, o número de mulheres assassinadas em Ciudad Juárez beirava a 400, o que tem mobilizados diversos protestos pelo mundo.
Conforme o boletim Meridiano (http://meridiano47.info), no dia 22 de outubro de 2007, os presidentes do México, Felipe Calderón, e George W. Bush, dos Estados Unidos, anunciaram um programa de cooperação bilateral chamado Iniciativa Mérida, que previu um pacote de 1,4 bilhão de dólares em apoio financeiro norte-americano dirigido ao México, liberado ao longo de três anos (2008, 2009 e 2010). Várias estratégias, desde então, tem sido desencadeadas no México, desde os EUA, para o combate ao narcotráfico. Mas os resultados de todas elas tem apontado que a simples prisão de líderes e combate frontal, bem como o caminho meramente militar, apenas tem aprofundado a violência e a corrupção naquele País.
Não há indícios claros de que o governo Obama pretenda alterar essa perspectiva militarizada nessa questão. Em uma outra orientação, o exemplo da Colômbia, com a estratégia de ocupação territorial, rendeu exemplos significativos em Bogotá. A redução de até 70% no índice de homicídios nessa cidade mereceu atenção mundial e fez com que a Colômbia exportasse a experiência para outros Países, como é o caso do Brasil. Os Territórios de Paz, um dos pilares da política de segurança pública de Lula, tiveram inspiração, entre outros, no modelo colombiano. Implementados na gestão do então ministro Tarso Genro, através do PRONASCI, os “Territórios” têm rendido bons resultados no País, especialmente ao nível da prevenção. O tráfico se alimenta por um tripé claro e nocivo: as carências sociais; a corrupção e a cultura armamentista, alimentada pelos agentes da indústria bélica. Combatê-lo, portanto, envolve, sobretudo, políticas sociais adequadas e condizentes com um modelo democrático que concebe a cidadania, em sua plenitude, como mola mestra da democracia.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

De que saúde estamos falando?

Nesses tempos de banalização da crítica ao SUS na mídia - ainda que o problema da saúde coletiva seja estrutural e extensivo à rede pública e privada - uma forma de superar o olhar do senso comum para esse problema é percebê-lo a partir das resoluções da 8.ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em outubro de 1986, e que foi um marco para esse setor. Foi a primeira vez que a sociedade civil participou das discussões nessa instância. Muito do que ali se diz, se debate e se define, contemplaria uma parte substantiva da endêmica situação que ainda vivemos nessa área. Para além de estruturas materiais e vagas, é claro no discurso de abertura, do memorável Sérgio Arouca, o discernimento de que a saúde está, muito além da ausência de doença, no acesso ao trabalho, à moradia e às liberdades básicas, escassas em nossos tempos, ironicamente, encharcados de meios. O texto completo da conferência pode ser conferido aqui, e no youtube há os mais importantes discursos.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Escravidão - ontem, hoje e sempre (?!)

"No passado, os escravos eram caríssimos. (...) Hoje existe um contingente enorme de pessoas em estado de vulnerabilidade social e relativamente fáceis de escravizar. (...) Na Índia, são necessários míseros US$ 30". (K.Bales)
Curioso e intrigante a abordagem do sociólogo americano Kevin Bales, a respeito das relações entre impactos ambientais e escravidão, bem como a denúncia nela inserida de que esta continua sendo uma prática corrente no mundo. Entre os muitos equívocos e reducionismos que pairam sobre esse tema e seu entorno, o mais grave é a ignorância sobre a dimensão histórica e estrutural do racismo em nosso País. Outro problema é a simplificação desse tema em torno de uma questão de cor. A parte a problemática do racismo negro, há uma ampla questão a ser ainda melhor tratada, em torno do trabalho, e que envolve a situação das condições de sobrevivência de milhões de trabalhadores pelo mundo. A entrevista com o autor, na íntegra, pode ser lida aqui.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Sobre a máquina em nossas vidas

Muito poderíamos falar da influência das máquinas em nosso cotidiano, mas penso que o central dessa questão está mesmo na problemática das relações - novas e velhas. Surgiram, é fato, novas formas de se conhecer o outro. Porém, ao lado desse novo nível de interação (não-físico) temos uma soma enorme de possibilidades também de isolamento. Seria mesmo injustiça dizer que a internet, com todas as suas formas de comunicação (?) a distância seria a responsável por isso, ou mesmo uma causa grande. O isolamento, a sociedade individualista, é anterior e acima desse fenômeno. Porém, a potencialização disso, sobretudo em sua influência em uma gearação que se deslumbra com o virtual, é concreta. Aliar essas várias dimensões do viver, canalizando os meios maquínicos para o aprofundamento das relações humanas, em um nível mais qualitativo, é o desafio de nossa sociedade. Sob pena, de mais uma vez, os meios, a velocidade e o ambiente por eles produzidos eaprisionarem seus criadores e facinados.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O amor, a arte e o tempo

O amor, a arte e o tempo. Três instâncias da vida que se organizam para um sentido existencial e transcedental. O tempo determina as duas primeiras, e delas pode receber significado próprio, independente do período de vida. Amor emancipador, independente do matrimônio e de suas certezas, não se submente ao tempo, nem um tanto. É infinito. E nem às certezas. A arte também, é própria, autônoma. Mas ambos - amor e arte, por estarem diretamente inseridas na brutal patrola da sobrevivência e das continências políticas de cada tempo, em geral, se ajustam, ganham uma causa e por ela se movem. Assim estamos hoje com as relações entre os seres vivos. A morte diária, desnecessária e evitável, e a dor planetária, provocada por um modo de vida suicida, toca, mas é absorvida, dentro de sua "necessidade". Superar os tempos sombrios, sem deixar o coração se banalizar pela indiferença, que tem contagiado a muitos, eis o desafio diário. Aliar a sua prática com um olhar maior e mais profundo, muito além da rotina e muito anterior aos fatos frios das manchetes, eis o norte. Daí, a arte renovadora, baseada em um amor em essência e o amor criativo em seu potencial inventivo, que só em uma dimensão artística se permite exercer.