sexta-feira, 27 de abril de 2012

Escrever ou viver, eis a questão

“É mais agradável e útil viver a 'experiência da revolução' do que escrever sobre ela”, disse Lênin por volta de 1917, no calor da insurgência revolucionária. Essas palavras do marcante líder do século XXI poderiam ser transpostas para a própria vida, na medida que a intensidade do que experimentamos diariamente extrapola e, às vezes, é intraduzível em palavras. O que escrevemos é sempre uma tentativa de registrar o todo, mas captura um olhar, de um aspecto em um momento de um todo que nos escapa. E muito bom que seja assim, pois a vida está mesmo é nas ruas e no momento. Talvez seja esse o grande motivo da multiplicação e da ineficiência da bibliografia dos guias de auto-ajuda e também das desilusões com os guias espirituais. Não há receita prontar, mas instrumentos para aplicar a algo, em conjunto com uma boa dose de improviso, sorte e combinação de fatores situacionais. Escrevo isso um tanto por um tom de desabafo com essas contingências que nos são impostas, no sentido de explicar o que às vezes se explica por si. Mas também nesse dilema Vida X Pensamento X Escrita estou me ausentando temporariamente desse e de outros espaços virtuais para respirar de forma diferente. Uma opção necessária e, talvez, providencial. Sugiro aos meus poucos e fiéis leitores que, nesse meio tempo, andem pelos blogs por mim indicados. No más, digo apenas que voltarei, quando menos for esperado. Estejam certos disso.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Uma previsível, outra decepção e uma atitude nobre

Com relação a aprovação do Novo Código Florestal pela Câmara dos Deputados, era previsível que a correlação de forças favorável aos ruralistas iria predominar, sugerindo a anistia dos de quem invadiu e danificou indevidamente áreas de preservação. Resta agora, em uma outra instância, a presidenta Dilma definir essa balança. Se seguir a linha proposta e defendida pelo ministro Pepe Vargas, o caminho é vetar. Considerando o palanque eleitoral que cerca a questão, orquestrado por segmentos midiáticos ligados ao latifúndio, creio que seria muito prudente encaminhar essa questão final ao judiciário federal – caso isso fosse possível.
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Ilustração: http://ufrgsprocotas.noblogs.org/
No caso da rediscussão das cotas raciais pelo STF, esse requerimento do DEM, ainda coerente com sua oposição a possibilidade de equidade em nossa democracia, é decepcionante que a justiça federal se preste a considerar tal retrocesso. As intervenções contra as cotas raciais nas universidades e concursos, como de praxe, ignora a dimensão histórica que a questão envolve, como se as problemáticas sociais fossem vazias no tempo e no espaço. O Estado brasileiro tem uma dívida com os povos que tolheu a liberdade e a possibilidade de afirmarem a sua identidade, por séculos. E a herança disso é viva. E a justiça institucional tem o dever de considerar isso.
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Finalmente, sobre a polêmica em torno do cachê de Gabriel O Pensador na Feira do Livro de Bento Gonçálves, acho que esse talentoso artista de uma resposta de alto nível na questão. Ainda que sou dos que considerariam perfeitamente justo o pagamento, dado a amplitude das ações que viriam a desenvolver, acredito que com sua decisão ele reinterou a que sua trajetória e trabalho está muito além da questão financeira. Me faz pensar a respeito disso, quantos dos que o criticaram tem autoridade moral para tanto em termos de atuação social e modéstia na conta bancária, no que se refere ao trabalho intelectual. Mesmo já definido por não receber cachê em sua participação, achei mais nobre a atitude do escritor e cantor ao divulgar em seu blog, via nota, a planilha completa do valor que receberia. A Folha publicou a polêmica completa, leia aqui.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O blogueiro Décio de Sá e a distância tênue entre o desejo da verdade e a morte

Foto: http://www.moreiraneto.com/
O assassinato do blogueiro maranhense Décio de Sá na segunda-feira é fator sintomático e ilustrativo das deficiências de nossa democracia, hora em construção, mas também da liberdade de imprensa brasileira, que é livre plenamente ainda apenas para o poder ou o silêncio. Quanto mais, pelo fato que se sabe que o jornalista teve esse fim por ter escrito sob e fatos graves, a partir de um canal não convencional. Muito possivelmente, nos jornais tradicionais locais / regionais seu espaço seria muito mais reduzido para fazer o nível das investigações, relações e denúncias que fez. No caso de Décio de Sá, a restrição definitiva e fatal da liberdade de imprensa veio pela via criminosa. Quantas ameaças devem ter antecipado o ato que consumou sua vida, e quantos outros jornalistas por esse País engolem fatos, ou vivem sob-riscos, pelo cercamento do poder local à palavra livre. Não bastasse a repressão criminosa, há outros exemplos de restrição de liberdade, existentes a partir da própria justiça e de meios explicitamente agressivos do poder local, seja dentro da imprensa grande (nosso Primeiro Poder), fora dela ou a partir dela. É o caso do jornalista Lúcio Flávio Pinto, no Pará - que tem peleado há décadas, com seu espaço de expressão modesto e restrito, ao desagradar setores grandes, notoriamente vinculados a imprensa grande; de Elmar Bones, em Porto Alegre, que foi sufocado veemente por um processo judicial na vara cível, a partir de uma reportagem de fundo que sua publicação fez, denunciando relações comprometedoras na gestão do ex-governador Germano Riogotto; e de Wladimir Ungaretti, que também teve restrições, via justiça, de sua análise diária do jornal Zero Hora, a partir do momento em que passou a focar e denunciar o enquadramento policialesco de um fotografo de 40 anos de atividade naquele periódico. Estou longe dos acreditam que jornalistas estão acima do bem e do mal; mas não tenho como deixar de enxergar que o peso que cai sobre esses profissionais, ao realizarem denúncias de peso sobre fatos e pessoas relacionadas ao poder institucional, é gritantemente superior quando se encontro em uma condição de desvinculados das grandes empresas de comunicação do País. Será isso tão casual? Enfim, fato é que entre restrições, ameaças e perdas vivem ou deixam de viver dezenas, quiçá centenas, de jornalista em todo o mundo. Dentro de uma guerra, ou fora dela, nunca esses militantes da palavra vão deixar de ser correspondentes de dias melhores, a partir para uma sociedade transparente.

terça-feira, 24 de abril de 2012


O tempo de cada um, eis algo complexo

Talvez uma das maiores limitações para a vida dos seres humanos em sociedade, especialmente em se tratando de vida íntima, seja o problema da insuficiente compreensão, paciência e harmonia com o tempo alheio. Refiro-me aqui a algo que está para além do tempo de fazer as coisas. Isso, de algum modo se busca e se encontram compensações que permitem ajustes nas relações sociais. Quando um empregado tem um ritmo determinado por suas condições físicas ou mentais, por exemplo, há adequações cada vez mais possíveis em nossos dias. Igualmente, um esposo espera uma mulher fazer compra nas lojas e, mesmo desgostoso disso, descobre como fazer (há lojas até que andam se especializando nisso). Também estou querendo tratar de um tempo que é contrastante com o tempo cultural, aquele que é normatizado por costumes coletivos ou religiões. Esse há também em nossos tempos uma progressiva busca de harmonia entre os seres vivos, que tem permitido o crescente respeito e entendimento. Um observador de pássaros, por exemplo, sabe que pode precisar esperar horas para pegar a imagem ideal de seu observado. Assim como um antropólogo está disposto a se orientar pelo padrão de vida de determinados grupos que pesquisa. Mas o que estou me referindo, diferente disso tudo, é ao tempo de Ser, que tem a  ver bem mais com alma do que hábitos; bem mais com energias do que culturas e muito mais com despertar do que contingências. É claro que isso envolve também uma dimensão cultural, mas em um nível bem mais profundo e interno. Temos mesmos, tendo a crer um tempo nosso, de cada um, que em geral  é contrastante com a vida que levamos e, invariavelmente, com as pessoas que convivemos. Dar tempo aos tempos ou assumir as vantagens e consequências de emancipar-se no tempo de si – eis a questão.




Nesse filme alemão o autor faz uma interessante brincadeira, desafiando as transformações e impossibilidades do tempo.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Um comentário curto sobre comunicação e cultura

O que somos mesmos nesses tempos de transformações intensas de paradigmas e comportamentos - aquilo que nos afirmamos, a partir da experiência e reflexão sobre a vida e a sociedade, ou aquilo que somos sujeitos a pensar pelas estruturas, invisíveis ou não, que nos cercam nessa existência humana? O meio termo de ambos, diriam os interacionistas. A harmonia com essas contingências, reagiriam os funcionalistas. A afirmação individual frente as forças externas, em uma luta de poder,  defenderiam certos estruturalistas. Nada disso e tudo isso, problematizariam os pós-modernos. O fato é que as relações humanas tem se tornado diariamente mais complexas, porque o ser-humanro tem se auto-considerado complexo, frente a transformações que não dá conta de conceber tão rapidamente. Pilares históricos de valores e costumes começam a despencar frente a novas visões. E os resultados são conflitos e micro-revoluções. Mas é interessante notar sobre isso como certas instâncias seculares, como a família, são tendentes a resistir a tudo isso, via moral religiosa. E a televisão, decididamente, deita e rola como uma fábrica de mediocridade e superficialização, com a máscara de entretenimento. Ficamos por aqui, por enquanto.


E por falar em complexidade de comportamentos, esse filme inglês me marcou muito a esse respeito.

domingo, 22 de abril de 2012

Sobre revoluções, músicas e cantadores

Capitani, o "Charles, Anjo 45",
 em 1999 - Foto: Extra Classe
Duas experiências que envolvem a música me marcaram  ontem, e vale a pena registrar. Ao passar os olhos sobre um canal local, deparei-me com um documentário sobre Avelino Capitani, um nobre militante, marinheiro na reserva, que teve uma atuação impressionante em célebres e tristes momentos da história do RS, do País e da America Latina. Pois bem, tive a honra de conviver indiretamente com esa figura durante meus tempos de militância partidária, quando era mais jovem. E não fazia ideia de sua trajetória. Basta dizer que, entre suas façanhas (essas sim deveriam servir de modelo a toda terra) ele foi um dos guerrilheiros, preparados em Cuba, que apoiaram Che Guevara, via Uruguai, em sua grande rota latino-americana pela libertação dos povos. Mais especificamente com relação a música, me impressionou saber que uma de suas atuações revolucionárias foi transformada em letra de música pelo compositor Jorge Bem Jor, em Charles Anjo 45 (Charles, seu apelido de guerrilheiro; 45, a pistola que usava e Anjo, porque foi dado como morto em uma fantástica perseguição, narrada por ele mesmo, em que se enterrou Charles no chão para se esconder). A jornalista Márcia Camarano publicou no Extra Classe matéria que conta essa história; confira aqui*. Outro caso marcante, também sobre a música, de cunho mais ocasional, foi o cara que assisti cantar no Comitê Latino Americano. O que seria uma contribuição, a princípio, roubou a cena no show do cantor Ciro. O nome do cara é Vinícius e mora em São Leopoldo. Fazia tempo que não assistia e ouvia de perto um cara cantar com tanta alma. Foram canções regionalistas ou de cantores latinos, longe daquele detestável sotaque e conteúdo bairrista; pelo contrário, ele interpretou e cantores e canções que conclamam a liberdade e a transformação. Fiquei curioso para saber mais sobre o trabalho desse indivíduo. Por hora, fica apenas o registro.

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* Para se aprofundar mais, há o livro A rebelião dos marinheiros, de autoria do próprio Capitani. Sinopse e compra pode ser acessadas no Núcleo Piratininga.

sábado, 21 de abril de 2012

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Sobre gatas, cercas e liberdade

Outro dia de sol querendo aparecer e de minhas gatas querendo atenção, cada um a sua maneira. E pensando sobre esses dias que vão e vem, acabo de ler uma nota de NY, com a singela manchete: “Empreendedor abre loja de poemas ao ar livre nos Estados Unidos”. A nota ocasionou em mim um primeiro impacto de repulsa, a pensar como aquele País tende a transformar tudo em lucratividade. Mas, logo em seguida, comecei a também pensar sobre a difícil vida das pessoas em situação de rua, seja por opção, seja pelas contingências. Com relação aos que o fazem por vontade própria, à muita gente, como a mim, encanta essa coragem de “largar tudo” e viver assim, pelas ocasionalidades. Mas isso não é para qualquer um. Somos criados no entrevero de estruturas que nos cercam e nos confundem com nós mesmos, e as mais fortes delas são as invisíveis. É claro que temos momentos felizes, e respeito a opção de cada um pela sua opção de vida. Mas me choca também ouvir falar e ver tantas pessoas vivendo depressivamente, por ter se criado vínculos de dependência com dinheiro, objetos e pessoas. Definitivamente, a vida é para se buscar o caminho da felicidade, mesmo que esse caminho não seja absoluto; mas essa busca o pode – e deve – ser recheada de momentos felizes. Então, isso tudo me faz pensar que também arrumar um espaço melhor para minhas gatas, elas merecem essa oportunidade, mesmo temendo por suas vidas. Por enquanto, me restrinjo a esse dilema.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Indígena, é o que (no fundo) queremos ser

Apesar de toda a produção cultural a respeito, paira na sociedade brasileira, dita civilizada, um estereótipo de desprezo sobre os povos indígenas. Mas ao lado desse preconceito à diferença, que já é introjetado em nossa formação, há uma alta dose de admiração enrustida. A sociedade de massa distanciou-nos das coisas simples, do modo de vida cooperativo e solidário e, sobretudo, da relação respeitosa com a natureza. Os povos indígenas, a despeito de toda imagem selvagem que o cinema holiwoodyano alimentou – e por aqui as formas de exploração dominadoras reforçam – preservam em sua cultura esses valores. Em que pese, ainda, as práticas ilícitas de indivíduos ou grupos indígenas, é preciso considerar que nenhum coletivo social pode ser considerado purificado de erros e, portanto, sujeito a desvios de conduta não admitidos pela lei. Por outro lado, nesse mês em que o país é sacudido por mobilizações de agricultores sem-terra, povos indígenas que lutam pelo reconhecimento de suas terras e quilombolas que peleiam em prol da garantia legal de sua herança história de vínculos territoriais, conveniente refletirmos sobre a proximidade de anseios existente em culturas tão distintas (ou nem tanto assim). Enquanto costumes e formas de exploração, diferentes; mas com pontos altamente comuns no que refere a perspectiva de um país equanimente justo às suas diferentes culturas, de acordo com as suas necessidades. Assim, os indígenas, que hoje tem seu dia como referência - apenas simbólica, pois todos os dias são de fato e direito desses brasileiros, representam um o modelo mais primitivo e, paradoxalmente, avançado de vida harmônica. São, ao mesmo tempo, a matriz pioneira da formação de nosso povo e a primeira referência de resistência e luta emancipatória de nosso País. Em síntese, o soluço de nossa utopia.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O movimento nos faz vivos e fortes Em busca da Utopia

Palavras Insurgentes
Tenho insucificientes razões para me considerar satisfeito em minha condição, mas me consolo na convicção que estou em movimento. Na realidade, penso, a satisfação plena sobre algo é pouco saudável para qualquer espírito. Já fui, em outros tempos, mais intensamente dedicado a minha utopia em um nível de sociabilidade institucionalizada. Hoje entendo que há níveis diferentes de intervenção sobre a vida e a sociedade, e instâncias também possíveis de se fazer isso. De qualquer modo, devo dizer que admiro a trajetória e o modo de ser da jornalista Elaine Tavares, que pouco conheço pessoalmente. O único contato direto que com ela tive se resume em um encontro rápido, durante uma palestra em uma faculdade em que trabalhava no Paraná. Acompanhando suas intervenções e coerência de posições, por meio de seu blog tenho percebido que é uma mulher que sabe combinar sua utopia com o seu modo de ser, o que é algo especial nesses tempos tão alijadores do pensamento libertário. Ainda não tive acesso a seu último livro, mas pretendo assim fazê-lo, e recomendo desde já aos preciosos leitores deste blog.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Anos 90, eu e Carajás

Os anos 90 me marcaram por vários motivos. Eram tempos de vivências intensas em diferentes dimensões da minha vida – financeira, sexual, profissional, política e acadêmica. Após certo desencanto no curso de história e uma completa decepção com a economia nos primeiros anos daquela década, ingressava no jornalismo por volta de 1996. Mas ainda nos primeiros anos dos anos 90 tive constantes mudanças de residência, de trabalho e de perspectiva ideológica (vermelhadamente falando). É interessante perceber como os acontecimentos históricos incidem sobre os seres humanos em cada momento. A velha questão Indivíduo X Sociedade. Era ainda a fase do primeiro governo Collor, seu posterior impeachment, assume Itamar, e depois, Fernando Henrique. Eu, então, residia em uma pensão cabeça de porco da Cristóvão Colombo, pleno coração da decadência de uma capital em crescimento. A “era petista” ainda era de ouro, e eu lutava para sobreviver entre empregos sobrevivíveis para um acadêmico de universidade pública. E do campo para cidade, pesava o MST em sua causa com grande ressonância no País. Com os governos de FHC, a grande sede de mudança que sacudia o País, apenas se inflamou mais. Nesse período, a propósito da questão agrária, lembro que visitei uma exposição que me marcou muito no museu da Ufrgs, foi o ensaio de tripla linguagem Terra. Sebastião Salgado, Chico Buarque e José Saramago combinaram seus talentos em um só foco, e o resultado foi encantador. As imagens de crianças brincando com ossinhos de animais mortos na seca do sertão nordestino, com a poesia de Saramago e a música de Chico ao fundo, sobre o mesmo tema, nunca saíram de minha cabeça. E nesse entrevero, poucos anos depois, o Pará experimentou o Massacre de Carajás. O governo do estado era do tucano Almir Gabriel. Em Porto Alegre, lembro que Tarso Genro, então prefeito, estendeu uma enorme faixa preta sobre a prefeitura em luto pelos 19 mortos. Poucos anos antes, em 1991, protagonizei ainda mais de perto a repressão da Praça da Matriz, que resultou em um soldado morto e dezenas de colonos feridos (o caso rendeu um livro, e no calor da hora, um jornal exclusivo de fotos – produzido pelo Sindicado dos Jornalistas do RS – em protesto contra as distorções do fato na imprensa grande). Pois bem, estamos há 16 anos de Carajás e pouco mudou nessa mesma imprensa a respeito de reforma agrária. Ilusão pensar na possibilidade de pluralidade, em um cenário em que os empresários da comunicação são também, em sua maioria, agropecuaristas latifundiários ou, de qualquer modo, plenamente identificados com esse segmento, em detrimento da pequena propriedade ou dos assentados. Então, resta-nos entender, cultivar e manter viva a chama de Carajás. Porque Reforma Agrária ainda é uma questão de primeira ordem, e precisa pautar a agenda política nacional. Até que se concretize de fato.


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Foi Gilberto Velho e já quase o primeiro quadrimestre de 2012


Foto: Último Segundo
Mais duas semanas e se vai o primeiro quadrimestre de 2012, os dias andam rápidos quando são consumidos por atribuições que fogem a nossas metas maiores. Já tive mais pressa em perseguir certos objetivos, hoje tendo a crer que é mais útil ajustar o foco e agregar paciência à perseverança. Se a morte inexistisse, a perspectiva de prazos e limites também seria outra, de modo que considero salutar certa urgência nos projetos que gerimos. Mas há, por outro lado, o acaso e a imprevisibilidade dos destinos. O primeiro nos pega repentinamente, ainda que com fatos que deveríamos saber trabalhar. É o caso do esgotamento de um tipo de relação ou a ausência de um ente querido. O segundo tem a ver com os caminhos que tomam nossa existência, a revelia de nossa vontade. Pesa aí fatores estruturais da sociedade e opções inconscientes que fazemos. São dimensões presentes em nosso percurso que, mesmo alheia ao nosso desejo, podem nos cegar ou despertar em momentos de nossa vida, dando a ela um percurso inimaginável. De qualquer modo, como dizia Clarice Lispector, o tempo também é feito de partículas infinitamente pequenas, sobre as quais a literatura dá vida. Acho que a ciência, assim como o ativismo libertário, também tem esse potencial. E quando se combinam, é o ideal. Adeus, Gilberto Velho; como Bordieu e Darcy, destes tua contribuição para a interpretação das sociedades complexas. Que o Brasil e a humanidade instrumentalize teu legado teórico sempre para a realização do bem.

domingo, 15 de abril de 2012

Separação, um olhar sobre o estranho

Estou longe de ser um cinéfilo expert nessa linguagem, mas tenho meus caprichos. Por causa de um alto nível de exigência na escolha dos filmes que o assisto, tenho fama de chato quando vou em locadoras (na realidade, muito pouco faço isso ultimamente). Explico. Embora viva próximo de uma capital privilegiada em termos de salas e circuitos alternativos de cinema, por indispor de veículo particular e residir na periferia, partilho com a maioria dos brasileiros da enorme miséria cinematográfica que tem nosso País em termos de acesso à produção fílmica estrangeira extra-hollywoodiana. Isto porque, já se sabe, as locadoras brasileiras – salvo raras exceções, são polos de difusão da produção audiovisual estadunidense. Por outro lado, residi em diferentes lugares e tive a sorte, nessas vivências de alimentar-me por experiências acadêmico-culturais, que diversificaram meu gosto fílmico. Graças a isso, e também somado a isso, quando residi em uma minúscula cidade do interior do PR, desenvolvi, modéstia parte, uma singular habilidade de coletar pérolas na escolha das “fitas” que assistia (mesmo quando isso me custava muito tempo). Dito isso, quando vejo fora de casa um filme estrangeiro absolutamente estranho a cultura hollywoodiana, sempre comemoro. Assim foi com Separação, que tive a sorte de  ir ver ontem, com minha companheira. Essa obra do diretor iraniano Asghar Farhadi, que me fez chorar, é uma abordagem profunda e estranha a lógica ocidental de experimentar o amor, a dúvida e a justiça. Com uma produção que se resume a cinco filmes, Farhardi demonstra um talento especial na escolha de seu elenco. A atriz Leila Hatami tem uma participação densa na história. Ela passa intensidade ao telespectador. Incorpora o personagem e transmite isso. Aliás, percebo essa combinação de concentração e interioridade no elenco inteiro. O olhar dos atores iranianos é forte e incisivo. Quanto aos temas que mistura – justiça, relação conjugal, religião e Alzheimer – oportuniza uma interessante introspecção sobre uma cultura ainda muito distante a nós, ocidentais. Um belo filme, que recomendo. Leia uma resenha dessa obra aqui.

sábado, 14 de abril de 2012

O golpe de 2002 na Venezuela: a praia Giron da mídia golpista

De: Emir Sader / Carta Maior

Se a OEA foi chamada por Fidel de Ministério das Colônias dos EUA, a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) é seu Ministério de Comunicação para as Colônias. Sempre coordenou a ação da mídia nos golpes militares e nas campanhas contra os governos democráticos do continente.


Antes mesmo da campanha que levou Getúlio ao suicídio, em 1954, e derrubou Perón em 1955, a mídia ja tinha sido participante fundamental no sangrento golpe na Guatemala, em 1954, que levou esse país a se tornar, nas décadas seguintes, naquele que sofreu os maiores massacres em um continente cheio de massacres.


Há exatamente 10 anos atrás a mídia venezuelana mobilizou e convocou um golpe militar contra Hugo Chavez. O movimento chegou a ter sucesso imediato, uma TV escandinava pode produzir "A revolução não será televisionada”, documentário já tornado um clássico do cinema de documentário sobre a América Latina. O presidente da Fiesp de lá foi nomeado presidente da ditadura que pretendia se instalar e era saudado, no Palácio Presidencial, pelos chefes da Igreja católica, pelos donos das empresas de comunicação, pelos dirigentes dos partidos de direita, enquanto Hugo Chavez era levado por militates para uma ilha e pressionado para assinar sua renúncia.


Assim que soube do golpe, o povo desceu maciçamente às ruas, dirigiu-se ao Palácio, derrubou as grades e entrou no prédio. Assiste-se nesse momento, no documentário, os chefes do golpe fugirem rapidamente pelas portas laterais do Palácio, enquanto o povo penetra nele.


As TVs e rádios golpistas simplesmente deixaram de dar notícias e passaram a projetar desenhos animados. O fugaz presidente golpista tentou enganar a CNN dando entrevista como se estivesse ainda no Palácio Presidencial, mas o próprio entrevistador lhe disse que sabia que ele já estava num quartel, fugindo. A nem veja, nem leia, eufórica, deu mais um “furo”: sua edição da semana saiu, no sábado cedo, com a notíia do golpe que teria derrubado Hugo Chavez como a grande matéria de capa. (Nenhum meio tradicional de comunicação brasileiro, todos com DNA de golpistas, recordou os 10 anos do golpe fracassado na Venezuela.)


Embora houvesse já ma doutrina e um acordo dos governos do continente de se oporem aos golpes militares, sentiu-se o silêcio ou a cumplicidade, e salvo Cuba, nã houve protestos contra a derrubada de um presidente legalmente eleito no continente. O povo venezuelano fez justiça com suas próprias mãos e recolocou Hugo Chavez na presidêcia do pais, para a qual tinha sido eleito por seu voto.


O golpe de 11 de abril de 2002 foi, para a mídia golpista latino-americana, o que a também fracassada invasão de Praia Giron foi para o imperialismo norteamericano: sua primeira grande derrota, que demonstrou que o povo do continente não a aceitar mais que ela pusesse e tirasse governantes no continente. Que agora é o povo quem decide seu destino na América Latina.
Postado por Emir Sader às 07:54

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Sobre as nossas permanentes deficiências e a necessidadade de escutar quem ajude a enxergá-las

Ilustração: Inclusive.org
O envolvimento com a diferença, em geral, desprezado pela nossa cultura massificadora, é  um aprendizado constante. Foi o que percebi mais uma vez ontem, durante o acompanhamento da 4.ª Conferência Municipal da Pessoa com Deficiência de Canoas (RS). Além dos temas em questão, de grande pertinência em todos os aspectos da vida, o diálogo com algumas pessoas que tem limitações físicas maiores que as minhas (uso óculos por exemplo, portanto, sou uma pessoa com deficiência) sempre me renova a sensibilidade. Conversando com o presidente do Conselho municipal da Pessoa com Deficiência, por exemplo, comentei a ele que conheci recentemente uma experiência moderna de organização da limpeza urbana em uma grande cidade gaúcha, por meio de contênerização automatizada. Lá pelas tantas, falei sobre a qualidade do sistema de disposição e recolhimento das lixeiras. E ele, que é cadeirante, com uma pergunta sintética foi ao ponto: "Uma pessoa como eu, conseguiria depositar o lixo ali com facilidade?". A partir dessas suas brevíssimas palavras, fez mais que uma mera observação: me fez pensar sobre o quanto nós, que tendemos a olhar para o mesmo lado, podemos ter sérias deficiênias de outras percepções. É para isso que existem as diferenças, em todos os sentidos e intensidades.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Anencéfalos é questão muito além da esfera religiosa

Arte: Articulação em Políticas Públicas do Estado da Bahia
Sobre esse debate a respeito da autorização de iterrupção de gravidez de fetos anencéfalos, sou favorável a medida pela única razão de se tratar de um direito a mulher sobre seu corpo. O velho debate sobre o aborto entra em cena novamente, e mais uma vez os religiosos atacam “em defesa da vida”. Argumentam que a mulher deve evitar engravidar para isso não acontecer, e que, se o fez, tem que assumir.  Afirmam, em um segundo nível, que há vida, sim, além do corpo; que uma criança, mesmo vegetativa, tem alma, etc. Sobre o primeiro ponto, há uma evidente restrição na visão sobre a realidade social, visto que o argumento ignora a dimensão sócio-cultural da questão, como se a vontade fosse obra apenas divina. O sexo, hoje, está inserido em uma cultura de massa, e o ato sexual, com a possibilidade de gravidez, é estimulado de forma promíscua. Isso vitima todas as classes. A diferença é que, ao contrário dos que vivem à margem social, os religiosos de “boas famílias” tem o poder financeiro para praticar o aborto em clínicas clandestinas, discretamente, e daí fica tudo no silêncio. Quanto ao fato de permitir uma vida vegetativa, considerando a alma em primeiro plano, é fácil defender isso de fora, sem estar enfrentando essa situação, seja como vítima ou como assistente. Talvez quem assim argumente possa estar mesmo vivendo em certa vegetatividade, e entenda que isso seja normal e salutar. Em suma, minha opinião é clara, mas não dogmática, se refere ao que vivo e enxergo, se sustenta em uma noção de justiça, para além de crenças ou paixões. Seria perfeitamente a favor da punibilidade da mulher nesse caso de interrupção do feto se nosso País garantisse todas as condições de planejamento familiar, controle de natalidade e educação pré-sexual. Mas estamos muito distante disso, em grande parte graças à igreja, diga-se de passagem.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Perplexidades sobre a pureza desejada II

Do Face Pit Bull
Ainda sobre discriminação de seres vivos, em sua coluna diária, um comunicador gaúcho defendendeu no início deste mês que matar um Pitt Bull sem focinheira "só pode ter sido legítima defesa". Isso ilustra bem essa cultura do medo qaue nos cerca por dentro e por fora. A parte a orientação policialesca do jornalismo praticado há décadas na empresa em que esse comunicador presta serviço, o mesmo já teve uma carreira policial, em um tempo em que o direito a vida não era uma questão tão complexa. Portanto, não deveria surpreender tanto assim que mais essa parcela da mídia venha se somando a esse coro por uma segurança que prioriza a repressão ao diálogo. Nem de antropocêntrico dá para chamar tal visão, visto que se sabe que é comum que pessoas que têm tal postura discriminatória contra determinadas espécies o tenham também ao nível social. O problema, definitivamente, é de valorização de uma Paz que privilegia o silêncio, não a felicidade; a morte, não a vida; a uniformidade, não a diversidade dos seres vivos. Se alguém tem dúvida sobre isso, após ler a coluna do referido comunicador, leia os comentários abaixo (obviamente selecionados por favorabilidade).

terça-feira, 10 de abril de 2012

Perplexidades sobre a pureza desejada

Em uma pesquisa de curiosidade, fiquei sabendo ntem que minhas gatas tem aparência e personalidade próxima de dois nomes conhecidos entre as "raças" de gatos - Korat e Bombaim (a primeira cinza e a segunda totalmente preta). Li também, em torno do tema, que a raça Bombaim foi adaptada, a partir de vários cruzamentos, que visavam convertê-la em uma mini-pantera. O meu interesse, que em princípio era para compreender melhor o comportamnento de ambas, se converteu em certa perplexidade. Quem cruza dessa forma os animais, visando obter - seja por qual motivo - uma raça "pura" não seria capaz de fazer isso com os humanos um dia, como já foi feito? Indo mais longe: quem pratica o especismo (atribuição de valores ou direitos diferentes a seres dependendo da sua afiliação a determinada espécie) não seria um racista enrustido? A raça humana sempre me surpreende.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Domingo em Família, Gravataí e um anseio para o Rio

Feriadão produtivo, apesar do pouco lazer. Um domingo em família convencional é salutar. A família, dizem alguns, é um mal necessário. Eu diria que é um conceito largo, uma condição apropriada para se sentir seguro, na forma que seja; e no caso de essa forma não corresponder as próprias expectativas e anseios, é um ambiente para aprender e adaptar-se a conviver com a diferença. E, sobretudo, exercitar o questionamento sutil e estruturante de determinados modos de vida, tidos como ideais. Mas também pode ser um espaço de compartilhar ideias.

Conversamos, por exemplo, sobre navegabilidade e turismo no Rio Gravataí, um dos mais poluídos do País, e que fica nas barbas da Região Metropolitana de Porto Alegre. Desconheço atualmente outros projetos dessa natureza para esta Região , além do Complexo Esportivo da Praia do Paquetá, que deve abranger o Delta do Jacuí, em Canoas. Acredito, por outro lado, que essas cidades margeadas pelo Rio, como Gravataí, Cachoeirinha e Alvorada e Viamão poderiam se unir em um grande consórcio para investir e obter recursos em um projeto visando a despoluição e navegabilidade turística  desse Rio. Se nada há nesse sentido, fica a sugestão ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí.

Enquanto isso, paralelo a predominante indiferença que a população tem sobre o velho Gravataí, vou me deliciando com essas imagens, para muitos desconhecidas, que cato pelo Youtbe.

sábado, 7 de abril de 2012

Um exemplo amazônico: jovens no Pará usam a cultura como forma de ação política


Belém - 31 de março, sábado. Tempo de chuva no Pará. As águas deram uma trégua. Ainda não fechou o verão. O sol ilumina a Praça Lauro Leite, a única do bairro da Guanabara, município de Ananindeua, região metropolitana de Belém. Trata-se de um território marcado pela violência. O município integra o quadro de cidades mais violentas para a juventude no país. Nela são mortos 199 jovens em cada 100 mil, indica relatório sobre o assunto organizado pelo Ministério da Justiça e o Instituto Sangari em 2011.

Apesar de contribuir de forma decisiva para a saúde do superávit primário do país, por conta do extrativismo mineral, o Pará é um colecionador de índices sociais negativos. No assunto violência ocupa o topo da pirâmide. No caso de homicídios, o estado é o terceiro lugar no ranking nacional. O crescimento foi de 273% em 10 anos (1998 a 2008). Na região Metropolitana de Belém, esse índice atingiu 189,3% em 10 anos. Ficando atrás apenas de Salvador e Curitiba.

Ananindeua nasceu em dezembro de 1943, a partir da Lei Estadual nº 4.505. O nome da cidade é de matriz tupi. Faz referência a uma árvore, Anani, que produz uma resina usada para lacrar fendas de embarcações. Pela segunda vez Helder Barbalho administra a cidade. Trata-se do herdeiro político do cacique Jader. O município é o segundo do Estado em população. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 indicam que a população é de 471.980 mil habitantes. O comércio e a prestação de serviços dinamizam a economia. Assim como Belém, a cidade experimenta uma verticalização e padece de um trânsito caótico.

Algumas ruas separam a Praça da Guanabara da BR 316. A rodovia serpenteia a região Metropolitana de Belém. Os indicadores de acidentes com morte são alarmantes, o que alçou a rodovia a local de destaque nacional como uma das mais críticas. Parte do Parque do Utinga, responsável pelo abastecimento de água de Belém fica próximo à praça. O local tem sido usado para desova de cadáveres, informa dona Mercês Bernaldo, 58, moradora do bairro. Ela reclama que a violência tem crescido muito. E que o poder público não confere a devida atenção ao lugar, que tem se transformado em um lixão.

Cultura para a cidadania
* Rogério Almeida é professor da Universidade da Amazônia (Unama) e coordenador do projeto de extensão Agência Unama pelo Direito da Criança e do Adolescente; Daniel Leite Júnior é estudante de do 3º período de jornalismo da Unama e extensionista da Agência Unama pelo Direito da Criança.


No último dia do mês de março, data do golpe militar que estabeleceu a ditadura no país, a praça foi ocupada por vários coletivos que militam na área da cultura, para a realização do 3º Mutirão Cultural. O objetivo do evento é afirmar uma identidade de matriz africana, e provocar a reflexão sobre cidadania. Cospe Tinta, Casa Preta, Traumas Vídeos estão entre os animadores. Oficinas de grafite, cultura hip hop, literatura marginal, trançado de cabelo afro e comunicação são alguns eixos do trabalho. No item comunicação a turma colabora com programas em rádios comunitárias e ciberativismo com a produção de blogs e outros conteúdos.

O universo marginalizado é o mais recorrente quando a pauta dos jornais lança luzes sobre as realidades que conformam as periferias da metrópole Belém. No entanto, de forma silenciosa, jovens organizados em vários coletivos do campo da cultura pop mobilizam esforços em realizar ações nas baixadas da capital do estado e região Metropolitana. Baixada é como é nomeada a periferia aqui. Nestes tempos de intensa chuva parte fica submersa.

O bairro da Guanabara é o terceiro a realizar o evento, que alcança pessoas de todas as faixas etárias, mas prioriza crianças e adolescentes. Antes receberam a manifestação o bairro Tapanã e a Terra Firme, em Belém. Esses bairros são considerados como “zona vermelha” pelas autoridades responsáveis pela segurança no estado.

O Mutirão é organizado a partir de uma ação coletiva das pessoas envolvidas. Não há recurso oficial, informa Preto Michel, um dos ativistas que ministra oficinas de grafite e literatura marginal. “A gente faz contato com o pessoal da quebrada, acerta horário, local, o material necessário, e cotiza”, esclarece Michel.

Conforme o educador social, o projeto dos coletivos vai se estender por todo ano de 2012. “Tudo tem sido registrado em foto e vídeo”, conta Michel, que espera apresentar o resultado no fim do ano com a realização de um grande evento.

No Guanabara a sede do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) serviu como quartel general para a realização das oficinas de hip hop e grafite. A casa é arrumada. Possui umas seis salas. Funciona durante toda a semana. Tem uma piscina no quintal. Integra a Secretaria de Ação Social da Prefeitura.

Eram umas 10h da manhã quando aportamos na casa. Manoel Domingos, um negro de 31 anos, segundo grau completo, evangélico ministrava aulas de hip hop. “Já fiz muita besteira. Fui pichador e perdi muitos amigos para a droga ou o crime”, explica o educador que é segurança da Igreja Universal, mas frequenta a Igreja Quadrangular.

O som era baixo. Os\as meninos\as de 11 a 16 anos exercitavam na varanda. Todos devidamente arrumados. Uns 20. Samuel Dantas tem 13 anos. É estudante da Escola Municipal Heronildes Frota de Aguiar pela manhã e à tarde pratica capoeira, natação e hio hop. Tem preferência pelo último item.

Domingos tem desenvolvido oficinas de forma sistemática desde o ano passado nas sedes de vários Cras em bairros considerados de risco. “Tudo começou na rua mesmo. Depois que surgiu o convite da prefeitura de realizar a ação nas sedes dos Cras” narra Domingos. Ele trabalha com um universo aproximado de 140 crianças e adolescentes na faixa etária de 7 a 18 anos em três locais considerados de risco: Icuí, Maguari e o Conjunto Júlia Seffer. Todos localizados em Ananindeua. O professor explica que a motivação do trabalho é poder ajudar outros jovens.

Parede para a liberdade de expressão

Faz 10 anos que Preto Michel milita como educador social. O nome de batismo é Michel Sarmento, tem 35 anos, é pai de um adolescente de 17. O nome foi uma homenagem ao ídolo pop Michael Jackson. Traja bermuda, tênis e camisa larga, como indica a etiqueta da cultura hip hop. Na noite anterior havia recebido uma homenagem de uma ONG de Belém pela primeira década dedicada à ação popular. Parecia cansado.

Na mochila os sprays. Na outra mão o balde com tinta branca. Ajudo a carregar o balde. Ele divide o grupo em equipes de cinco. A gurizada parece ansiosa para iniciar os trabalhos. “Tio, quando a gente começa a pichar, interroga um mais afoito”? Michel esclarece: primeira lição - grafite não é pichação. O sol era forte. Mas, a meninada não arredou o pé. Tudo é muito rápido. O educador indica os passos iniciais, como retirar o gás do spray. Demonstra a técnica. Depois pede para que cada um pegue um suporte e faça o mesmo.

Antes de iniciar os trabalhos as crianças e adolescentes usam a tinta branca para pintar a parede. Em seguida o instrutor abre o desenho, e vai dando dicas de como manusear o recurso do grafite. Os\as meninos\as alternam no protagonismo para a produção do desenho, que aos poucos vai ganhando forma. Isso sugere a participação de todos no processo de produção. Cada um com a sua colaboração. Um dos garotos parece mais habilidoso. É alvo de brincadeira dos colegas e adultos que acompanham a oficina: “nunca pichou uma parede”. Todos riem.

O mais novo tem 11 anos. É negro. Tem quatro irmãos. O irmão mais velho de Bruno de Oliveira tem 18 anos e desistiu de estudar. O caçula tem seis anos. Ele mora numa ocupação chamada Mariguela, referência ao ativista comunista nascido na Bahia. O pai é pedreiro e a mãe é diarista. A região é considerada barra pesada. O educador Domingos conta que o local onde o garoto mora é de risco, marcada pela presença do tráfico. E que a situação da moradia é precária.

Nas baixadas da região Metropolitana a arquitetura de madeira domina a paisagem. É recorrente situações de incêndios por conta da instalação elétrica improvisada e acidentes domésticos. Por conta da ausência de creches, é comum o filho mais velho “cuidar” dos menores. A obra coletiva se encerra. É um livro. Ao centro a mensagem: “Educação é família”.

Cabana FM – 10 anos de luta pela comunicação comunitária
Na praça as pick ups ecoam canções que buscam provocar a reflexão do povo da baixada. O evento coincidiu com uma ação da prefeitura para a prestação de alguns serviços. A banca da literatura marginal está montada. Quem quiser pode apanhar qualquer livro e ler. Entre as obras um clássico da pesquisa na Amazônia de autoria do professor Vicente Salles, O Negro na Amazônia.

Lacrada e fechada em várias ocasiões, coincidiu de ser o aniversário de 10 anos da Cabana FM, no dia 31. A emissora é comunitária. Ela fica perto da praça. Funciona na parte superior de um sobradinho. Há um ano conseguiu ser reconhecida pelo Ministério das Comunicações. Uma escadinha em espiral leva até o estúdio. O espaço é apertado.

O nome da emissora é uma referência ao movimento da Cabanagem (1835-1840). Insurreição popular que conseguiu tomar o poder no século XIX no Pará. Chapéus de palha estão sobre uma mesa. O chapéu de palha é ícone de representação do movimento. É perto de meio dia. O casal Margalho e Laélia Brito apresenta o Raízes Radicais, programa de reggae. No dial Erick Donaldson, uma referência do gênero, que vira e mexe baixa em São Luís para apresentações, e faz escala em Belém.

A emissora comunitária funciona na frequência 87,9. E pode ser acessada via net. http://cabanafm.com.br/. Uma trupe de crianças e adolescentes toma de assalto o estúdio. Gilvan Souza, que apresenta o programa Revoluson, ministrou uma oficina. São umas 15 pessoas. Antes da explicação de como funciona a emissora e as entrevistas, uma radionovela sobre violência contra as crianças faz as boas vindas da casa. A radionovela é uma produção da ONG Rádio Margarida, especializada em produção de conteúdo voltado para os direitos das crianças e adolescentes.

Praça ocupada e a calda longa - as meninas que realizam a oficina de trançado afro chegaram atrasadas. As 18 pessoas que esperavam foram embora. Elas usam os espaços da própria praça e começam a trançar o cabelo de quem se interessa. Na tenda das pick ups camisetas são comercializadas. Assim como os muros grafitados, elas exaltam a cultura de matriz africana ou signos do movimento hip hop. Na cidade existem várias grifes das baixadas.

A produção é do coletivo Cosptinta. O pessoal da Traumas Vídeos faz o registro audiovisual. São jovens da classe média que acompanham o universo do movimento. O blog (http://traumasvideo.blogspot.com.br/) da produtora independente informa as pessoas que integram o coletivo. Caio Romano cuida da fotografia publicitária, enquanto Júlio Sodré zela pela produção executiva e Michel Nôvo trata da edição.

Um primeiro olhar sobre os subterrâneos do que vem acontecendo em inúmeros momentos e locais da cidade, faz-nos lembrar das reflexões do geógrafo Milton Santos, numa obra que trata sobre globalização.


O “negão” laureado com o título de doutor honoris em vários países alertava que, uma nova civilização pode emergir a partir das formas de solidariedade do universo periférico do capitalismo. Parece que a marcha já deu os primeiros passos.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Eduardo Galeano lança novo livro na forma de um calendário

Esse cara tem uma obra fantástica - ignorada no jornalismo, desprezada na academia e insuficiente dimensionada no Brasil (nada de novo).

A cada dia, nasce uma história em “Os filhos dos dias”; trata-se de 366 textos que, segundo Galeano, são histórias de invisíveis que merecem ser contadas
28/03/2012
de Ana María Mizrah
"LA REPÚBLICA", de Montevidéu (Uruguai)

Por que este título: Os filhos dos dias?
Segundo os maias, nós somos filhos dos dias, ou seja, o tempo é que estabelece o espaço. O tempo é nosso pai e nossa mãe e, como somos filhos dos dias, o mais natural é que a cada dia nasça uma história. Somos feitos de átomos, mas também de histórias.

Dentro dessas histórias há muitas vinculadas à nossa vida cotidiana. Você assinala: “vivemos em um mundo inseguro”. A particularidade é que projeta que existem diferentes concepções sobre a insegurança. A que se refere?
Muitos políticos no mundo inteiro, não é algo que passa somente em nosso país, exploram um tipo de histeria coletiva a respeito do tema da insegurança. Te ensinam a ver ao próximo como uma ameaça e te proíbem vê-lo como uma promessa, ou seja, o próximo, esse senhor, essa senhora que anda por aí, pode roubar-te, sequestrar-te, enganar-te, mentir para você, raramente oferecer-te algo que valha a pena receber. Creio que essa forma parte de uma ditadura universal do medo. Fomos treinados para ter medo de tudo e de todos e este é o álibi que necessita a estrutura militar do mundo. Este é um mundo que destina metade de seus recursos à arte de matar o próximo. Os gastos militares, que são o nome artístico dos gastos criminais, necessitam de um álibi. As armas necessitam da guerra, como os abrigos necessitam do inverno.

Quando fala dos medos, você joga com essa palavra para assim mencionar os meios e tem uma história que é “os meios de comunicação”. A que lugar você atribui aos meios em nossos medos?
Às vezes, os meios atuam como medos de comunicação, então, se convertem em medos de incomunicação. Isto não é verdade para todos, mas sim para alguns meios que no mundo inteiro exploram esse tipo de histeria coletiva desatada com o tema da insegurança. Mentem, porque a insegurança não se reduz à insegurança que se pode sofrer nas ruas. Inseguro é este mundo e a primeira é a insegurança no trabalho, que é a mais grave de todas e da qual nunca falam os políticos que exploram o tema da insegurança. Não há nada mais inseguro que o trabalho. Todos nos perguntamos: e amanhã, haverá quem me contrate? Voltarei ao lugar de trabalho onde estive hoje? Terá alguém ocupado meu lugar?
Esse medo real de perder o trabalho ou de não encontrá-lo é a fonte de insegurança mais importante. Tão inseguro é o mundo, a quantidade de pessoas que matam os carros nisso que chamamos acidentes de trânsito, na realidade são atos criminosos por conta dos condutores que tendo permissão de dirigir, tem permissão para matar, ou a insegurança da maioria das crianças que nascem no mundo condenados a morrer muito cedo de fome ou de enfermidade incurável.

Aparecem as histórias dos desaparecidos, mas lhe menciono uma em particular, chamada Plano Condor, onde a história que se conta pertence a Macarena Gelma. Como foi para você conhecer Macarena Gelman?
Comecei conhecendo ao pai de Macarena (Marcelo) e ao avô Juan (Gelman) com quem trabalhei junto na revista Crisis em Buenos Aires e que é meu amigo de toda a vida. São muitos anos de amizade, ou melhor, de irmandade. Juan (Gelman) teve que sair da Argentina para continuar vivo, naqueles dias que se viviam em Buenos Aires, onde tinha que ir ou esconder-se. Então, eu recebia com muita frequência a seu filho Marcelo e me fiz de pai por algum tempo, depois o mataram, e a outra história é bastante conhecida.
A mulher de Marcelo (María Claudia) foi sequestrada na Argentina. Eram acusados do crime de protestar, delitos de dignidade que tem a ver com o direito estudantil ao protesto. Esses eram os crimes dos meninos, como eles foram assassinados muito cedo. A María Claudia assassinaram no Uruguai, onde já funcionava o mercado comum da morte, que foi o melhor em funcionamento, porque o Mercosul ainda tinha dificuldades graves. O mercado da morte funcionou muito bem naquelas horas do terror onde as ditaduras trocavam favores. Mandaram María Claudia grávida para o Uruguai e aqui os militares uruguaios se encarregaram do trabalho. Esperaram ela dar à luz, ela passou seus últimos dias, ou talvez seus últimos meses, na sede do Bulevar Artigas e Palmar (SID) onde descobriu-se a placa em memória de María Claudia e todos os que estiveram ali.
Me impressionou o contraste pela beleza exterior do palácio e os horrores que escondia. Depois de dar à luz, a mataram e entregaram seu filho(a) a um policial, troca de favores. A partir de uma busca complicada de Juan (Gelman) e seus amigos, conseguiu encontrá-la e agora chama-se Macarena Gelman. Nós tornamos muito amigos e uma vez jantando em casa, me contou essa história que é parte das histórias de “Os filhos dos dias” (livro). É uma história muito íntima, muito particular e lhe pedi autorização para publicá-la. É uma história rara, mas reveladora. Conta que quando ainda não sabia quem era e vivia em outra casa, com outro nome, nesse período sofria de insônia contínua, que não a deixavam dormir a noite porque a perseguia sempre o mesmo pesadelo. Via uns senhores desconhecidos muito armados que a buscavam no dormitório onde estava dormindo, debaixo da cama, no guarda-roupa e em todas as partes e ela acordava gritando e angustiadíssima.
Durante muitíssimo tempo, toda sua infância teve esse pesadelo que a perseguia e ela não sabia o por quê, de onde vinha. Até que conheceu sua verdadeira história e soube que estava sonhando os pesadelos que sua mãe havia vivido enquanto a formava no ventre. A mãe, uma estudante de apenas 19 anos, era perseguida de verdade por outros senhores armados até os dentes que a encontraram e a mandaram para morrer no Uruguai. Macarena estava no ventre dessa mulher acoada e perseguida. Desde o ventre padecia a perseguição que sua mãe sofria e depois a sonhou e se converteu em seus próprios pesadelos. Ela sonhou o que sua mãe havia vivido. É uma história que parece uma metáfora da transmissão, das penas, dos horrores, e também de outras continuidades que não são todas horríveis.

É um livro que contém muitas histórias de mulheres. Por que?
Também há muitas histórias de mulheres em meus livros anteriores, como “Espelhos e Bocas do Tempo”. Há muitas histórias dos invisíveis, e as mulheres ainda são bastante invisíveis. Há histórias de negros, de índios, das culturas ignoradas, das pessoas ignoradas e que merecem ser redescobertas porque têm algo para dizer e vale a pena escutar.
Neste último livro (Os filhos dos dias) há uma história que me impressionou muito, e que não havia escrito até agora, a de Juana Azurduy. Juana foi uma heroína das guerras de independência. Encabeçou a tomada do Cerro de Potosí que estava nas mãos dos espanhóis. Ela era a chefe de um grupo guerrilheiro que recuperou Potosí das mãos espanholas. Depois seguiu guerreando pela independência, perdeu seus 7 filhos e seu marido nessa guerra. Finalmente, foi enterrada em uma fossa comum e morreu na pobreza mais pobre que se possa imaginar. Antes havia recebido um título militar, foram as forças independentistas as que lhe deram um título que dizia em mérito: “a sua viril coragem”. Precisou-se de muito tempo para que uma presidenta argentina (Cristina Fernández) a outorgasse o título de General por sua feminina valentia.

Um integrante da Real Academia Espanhola assinalou como um erro utilizar expressões que carreguem a linguagem. Era uma crítica à feminização como, por exemplo, quando se utiliza todos e todas. O que você pensa a respeito?
O transcendente é o que está por trás, mas às vezes os conteúdos são refletidos nas palavras que expressam. Me parece ridículo quando uma mulher se apresenta e me diz sou médico, será médica, eu contesto.

Há muitas histórias dos povos originários, da luta pelos recursos naturais, e o rol das multinacionais. Em particular, uma história dedicada à selva amazônica.
Essa história sobre a Amazônia recorda que a Texaco, empresa petroleira que derramou veneno durante muitos anos, arruinou boa parte da solva equatoriana. Foi a juízo, mas perdeu. As vítimas desse atentado à natureza e às pessoas desse lugar não tinham meios econômicos, enquanto a Texaco contava com centenas de advogados. Ao cabo de anos, contudo, o pleito foi ganho, mas ainda não se colocou em prática, porque há muitas maneiras de se apelar, e de tirar a bola para fora e para isso não faltam doutores.

No livro tem um olhar crítico sobre os governos progressistas que ainda não descriminalizaram o aborto.
O livro toca todos os temas sempre a partir de histórias concretas. Não é um livro teórico.

As 366 histórias não são somente latino-americanas, você percorre o mundo.
Há muitas histórias que merecem ser recuperadas. Luana, por exemplo, foi a primeira mulher que firmou seus escritos nas tábuas de barro. Ocorreu há quatro mil anos e dizia que escrever era uma festa. Essa mulher é desconhecida. E vale a pena contar que essa história existiu.

A respeito da crise internacional , você resgata o que ocorreu na Islândia e o movimento dos indignados na Espanha.
Esta crise provém de um círculo muito pequeno de banqueiros onipotentes. Me ocorreu para esta história um título sinistro que foi “adote um banqueiro”. Os responsáveis da crise são os que mais tem se queixado e os que mais dinheiro tem recebido. Eles têm sido recompensados por fundir o planeta. Todo esse dinheiro que destinou aos que causaram o pior desastre na história da humanidade seria suficiente para dar comida aos famintos do mundo com sobra, inclusive.

Você acha uma contradição a existência do movimento dos indignados e que, ao mesmo tempo, tenha ganhado o Partido Popular na Espanha?
A aparição dos indignados é o que de mais lindo ocorreu no mundo nos últimos tempos. Creio que o melhor da vida é sua capacidade de surpresa. O melhor dos meus dias é o que ainda não vivi. Cada vez que uma cigana me cerca para ler a minha mão a peço por favor que a pague mais que não leia. Não quero que me digam o que vai me ocorrer, o melhor que a vida tem é a curiosidade e a curiosidade nasce da ignorância do destino. A explosão dos indignados começou na Espanha, e depois se estendeu em outras partes. É uma boa notícia a capacidade de indignação. Bem dizia meu mestre brasileiro Darcy Ribeiro (intelectual brasileiro já falecido) que o mundo se divide entre os indignos e os indignados e que tem-se que tomar partido, há que se eleger.
Pensei muito nele quando surgiu este movimento. Jovens que perderam seus empregos e suas casas por responsabilidade desses malabarismos financeiros que acabaram despojando os inocentes de seus bens. Eles não foram os que pegaram empréstimos impossíveis, não foram eles os culpados da bolha financeira e deste disparate que aconteceu na Espanha de construir e construir e agora está cheia de moradias desabitadas e gente sem casa.
O PP ganhou a eleição, é verdade. A direita ganhou as eleições, e terá que lutar para que isso mude. Isto que aconteceu na Espanha também fala do desprestígio de forças de esquerda que entram na vida política prometendo mudanças radicais, e depois terminam repetindo a história, ao invés de mudá-la. Muitas pessoas, sobretudo os jovens, se sentem desapontadas e abandonam a política.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

O guardador de sementes

Juarez, pequeno agricultor, participante da Feira Ecológica de Porto Alegre há 22 anos, mostra - brevemente - o seu trabalho com as sementes crioulas e o espírito de sua produção.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Quilombolas prometem lutar para derrubar Adin no Supremo Tribunal Federal

 03/04/2012 - 18h35

Alana Gandra
Repórter da Agência Brasil

Agência Brasil
Rio de Janeiro – Um pedido de audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), a ser apresentado nesta quarta-feira (4), é uma das estratégias das lideranças quilombolas para enfrentar a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo Democratas (DEM) contra o Decreto 4.887/2003, que cria procedimentos administrativos para titulação de terras dos descendentes de escravos.

O líder quilombola Damião Braga, presidente do Conselho Diretor da Associação da Comunidade Remanescente do Quilombo Pedra do Sal (Arqpedra) e coordenador da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas, disse hoje (3) à Agência Brasil que uma eventual aprovação da Adin anulará cerca de 1.800 processos de regularização fundiária abertos desde 2003. “A gente volta para a estaca zero”, sustentou.

O pedido de audiência será dirigido ao relator do processo, ministro Cezar Peluso, atual presidente do STF. O pedido anterior, feito no ano passado, não obteve resposta. O movimento promete fazer pressão para derrubar a Adin, cujo julgamento ocorrerá no próximo dia 18. “Nós vamos acampar na porta do Supremo”. O Decreto 4.887 é considerado um marco importante de proteção das comunidades quilombolas no país.

Para Damião Braga, o fato de o ministro Peluso ter negado a audiência sinaliza posição desfavorável ao movimento quilombola. “A gente não vê de forma favorável a decisão dele. Para a gente, isso representa um retrocesso muito grande”, externou. Se o julgamento for favorável à Adin, alerta Braga, seria necessário um novo instrumento do Executivo para normatizar os processos administrativos. De acordo com o líder, cada processo das comunidades quilombolas tem, em média, dez anos.

As lideranças quilombolas do Rio de Janeiro também remarcaram para o dia 11 deste mês um seminário para definir outras estratégias de intervenção no julgamento da Adin, além de discutir a participação dessa comunidade na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, programada para junho, no Rio de Janeiro. O evento deveria ocorrer nesta quarta-feira.

Além disso, em função do julgamento no STF, o seminário nacional de lideranças quilombolas, que ocorreria também no Rio de Janeiro, foi transferido para Brasília. O evento está marcado para os dias 14 e 15 deste mês.
Edição: Davi Oliveira

Silvio Tendler: 'Forças conservadoras continuam mandando no Brasil'

Cineasta diz que Brasil superou "muito pouco" do passado autoritário, lamenta que "canalhas" da ditadura continuem em liberdade e fala sobre censura e clandestinidade

Por: Guilherme Bryan, especial para a Rede Brasil Atual

Publicado em 30/03/2012, 08:25
Última atualização às 09:29

Revista Brasil Atual


Para o diretor, a arte incomodava os militares por ser a grande força de resistência (Foto: Américo Vermelho. Divulgação)
São Paulo – Em 1981, o documentarista Silvio Tendler perdeu uma cena do documentário “O Mundo Mágico dos Trapalhões”, que levou 1,8 milhão de pessoas ao cinema. Nela, o escritor e desenhista Millôr Fernandes declarava que o quarteto Didi, Dedé, Mussum e Zacarias só não era tão engraçado quanto os ministros do então presidente e general João Figueiredo. Três anos depois, mais um filme dele, “Jango”, sobre o ex-presidente João Goulart, também era censurado. Uma das várias vítimas do regime militar no Brasil, o cineasta acaba de gravar um vídeo em defesa de uma manifestação contrária às comemorações realizadas pelos militares esta semana no Rio de Janeiro (RJ).

Durante todo o regime militar, a produção cinematográfica brasileira atravessou diferentes fases. Quando ela foi implantada, em 1964, o Brasil era marcado pelos filmes de Nelson Pereira dos Santos, que sofriam influência do neorrealismo italiano, como “Rio Zona Norte” (1955) e “Rio Quarenta Graus” (1957). Em seguida, surgiu o Cinema Novo, com uma nova estética cinematográfica e que foi instaurado com o filme de episódios “Cinco Vezes Favela”, dirigido por Marcos Faria, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman.

O cineasta baiano Glauber Rocha também foi bastante crítico ao regime militar em filmes, caso de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963) e “Terra em Transe” (1967), ambos indicados a Palma de Ouro, no Festival de Cannes, na França. Praticamente na mesma época, em 1968, o catarinense Rogério Sganzerla instaurava o “cinema udigrudi” com “O Bandido da Luz Vermelha”. O estilo foi praticado por outros realizadores, como Julio Bressane, e invadiu a década de 1970, dominada também por grandes produções, como “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976), de Bruno Barreto; e o denominado cinema da Boca do Lixo, do centro de São Paulo. Todos de algum modo incomodaram o regime militar e precisaram de certificado da censura para poderem ser exibidos.

O mesmo aconteceu com os filmes de Silvio Tendler, entre os quais destacam-se a trilogia sobre os ex-presidentes Juscelino Kubitschek, João Goulart e Tancredo Neves; “O Mundo Mágico dos Trapalhões”, “Glauber, O Filme – Labirinto do Brasil”, “Utopia e Barbárie” e “Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá”, que ganhou o Prêmio de Melhor Filme do Júri Popular no Festival de Brasília de 2006.

Com tantos títulos no currículo, o cineasta lamenta o fato de que, 27 anos após o término do regime militar, ainda reste tanto a ser superado. “O Brasil é um dos poucos países no mundo onde não houve uma Comissão da Verdade e torturadores e canalhas continuam em liberdade. Cometeram os crimes e ficou por isso mesmo. E muitas das vítimas até hoje não foram encontradas. O Brasil ainda tem que acertar os ponteiros com a sua história. A gente não pode continuar prisioneiro do passado”, explica.

Leia a seguir a entrevista completa com Silvio Tendler.

Por que o senhor resolveu participar da manifestação contra as comemorações do aniversário do golpe?

Em primeiro lugar, estranho seria não participar. Participar é normal e uma coisa lógica para uma militância contra a ditadura. Em segundo lugar, eu acho que a ditadura militar no Brasil foi um atraso de muitos anos para o país, para a cultura e para a política. Eu até hoje combato com todas as forças qualquer tentativa que seja favorável a ela.

Essa manifestação trará resultados?

Terá uma grande mobilização, muito maior do que a esperada. Eu acho que esse movimento pode se considerar já vitorioso.

Ainda é possível encontrar reflexos desse regime militar no Brasil e nós conseguimos superar todos os nossos fantasmas?

Eu acho que a gente superou muito pouco. O Brasil é um dos poucos países no mundo onde não houve uma Comissão da Verdade e torturadores e canalhas continuam em liberdade. Cometeram os crimes e ficou por isso mesmo. E muitas das vítimas até hoje não foram encontradas. O Brasil ainda tem que acertar os ponteiros com a sua história. A gente não pode continuar prisioneiro do passado.

Como foi a relação do senhor com a censura federal e com o regime militar? E o senhor correu riscos de exílio ou de censura?

Eu tive de ficar clandestino numa época, mas consegui escapar, graças a Deus. E tive filmes censurados pela ditadura, como “Jango”, por exemplo. A relação com os censores era a pior possível. Na verdade, a gente teve que encher o saco da ditadura também.

Você acredita que o cinema daquele período foi prejudicado e, de algum modo, projetos inovadores e importantes foram abortados?

Tudo foi prejudicado – cinema, teatro, tudo que era relacionado à arte, tinha de explicar para a censura. Jornais tinham de ser reescritos, piadas refeitas, porque imbecis determinavam o que a gente poderia falar ou não.

O senhor lembra de algum exemplo de censura contigo?

Eu me lembro que, no filme que eu fiz sobre os Trapalhões, e o Millôr Fernandes dizia que só não achava os Trapalhões tão engraçados quanto o ministério Figueiredo e essa parte foi cortada.

Em função da ditadura, também havia uma autocensura por parte dos artistas? E por que a arte incomodava tanto?

A arte incomodava, porque era a grande força de resistência à ditadura. Enquanto toda a sociedade estava aprisionada e os partidos políticos tinham seus parlamentares cassados, os artistas e os jornalistas foram prejudicados também.

O grosso da população entendia o que estava acontecendo?

A ditadura nunca foi vitoriosa pelo voto. Prova é a eleição de 1974. O MDB fez a maior parte dos senadores do Brasil.

O senhor acredita que as novas gerações sabem exatamente o que foi a ditadura?

As novas gerações sabem pouco, Poderiam saber bem mais. Ainda há forças conservadoras que mandam nesse país e controlam a educação, a informação e a cultura.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Brasil: de empresa internacionalizada à uma sociedade biocentrada

Controversia.com.br
Há interpretações clássicas sobre a formação da nação-Brasil. Mas esta do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima é seguramente singular e adequada para entender o Brasil no atual processo de globalização: A Refundação do Brasil: rumo a uma sociedade biocentrada (Rima,São Carlos 2011). Seu ponto de partida é o fato brutal da invasão e expropriação das terras brasileiras pelos “colonizadores” à base da escravidão e da superexploração da natureza.

Não vieram para fundar aqui uma sociedade mas para montar uma grande empresa internacional privada, uma verdadeira agro-indústria, destinada a abastecer o mercado mundial. Ela resultou da articulação entre reinos, igrejas e grandes companhias como a das Índias Ocidentais, Orientais, a Holandesa (de Mauricio de Nassau), com navegadores, mercadores, banqueiros, não esquecendo as vanguardas modernas, dotadas de espírito de aventura e de novos sonhos, buscando novos conhecimentos e enriquecimento rápido.

Ocupada a terra, para cá foram trazidas matrizes (cana de açúcar e depois café), tecnologias modernas para a época, capitais e escravos africanos. Todos eram considerados “peças” a serem compradas no mercado e como carvão a ser consumido nos engenhos de açúcar. Com razão afirma Souza Lima: ”o resultado foi o surgimento de uma formação social original e desconhecida pela humanidade até aquele momento, criada unicamente para servir à economia; no Brasil nasceu o que se pode chamar de ‘formação social empresarial”.
A modernidade no sentido da utilização da razão produtivista, da vontade de acumulação ilimitada e da exploração sistemática da natureza, da criação de vastas populações excluídas, nasceu no Brasil e na America Latina. O Brasil, neste sentido, é novo e moderno desde suas origens.
A Europa só pôde fazer a sua revolução, chamada de modernidade, com seu direito e instituições democráticas, porque foi sustentada pela rapinagem brutal feita nas colônias. Com a independência política do Brasil, a formação social empresarial não mudou sua natureza. Todos os impulsos de desenvolvimento ocorridos ao longo de nossa história, não conseguiram diluir o caráter dependente e associado que resulta da natureza empresarial de nossa conformação social. A tendência do capital mundial global ainda hoje é tentar transformar nosso eventual futuro em nosso conhecido passado. Ao Brasil cabe ser o grande fornecedor de commodities para o mercado mundial, sem ou com parca tecnologia e valor agregado.
A empresa Brasil é a categoria-chave, segundo Souza Lima, para se entender a formação histórica do Brasil e o lugar que lhe é assinalado no processo atual de globalização desigual. 
O desafio consiste em gestar um outro software social que nos seja adequado, que nos desenhe um futuro diferente. A inspiração vem de algo bem nosso: a cultura brasileira. Ela foi elaborada pelos escravos e seus descendentes, pelos indígenas que restaram, pelos mamelucos, pelos filhos e filhas da pobreza e da mestiçagem. Gestaram algo singular, não desejado pelos donos do poder que sempre os desprezaram e nunca os reconheceram como sujeitos e filhos e filhas de Deus. 
O que se trata agora é refundar o Brasil, “construir, pela primeira vez, uma sociedade humana neste território imenso e belo; é habitá-lo, pela primeira vez, por uma sociedade humana de verdade, o que nunca ocorreu em toda a era moderna, desde que o Brasil foi fundado como uma empresa; fundar uma sociedade é o único objetivo capaz de salvar nosso povo”.Trata-se de passar do Brasil como Estado economicamente internacionalizado para o Brasil como sociedade biocentrada.
Ao refundar-se como sociedade humana biocentrada, o povo brasileiro deixará para trás a modernidade apodrecida pela injustiça e pela ganância e que está conduzindo a humanidade para um abismo. Não obstante, esta modernidade entre nós, bem ou mal, nos ajudou a forjar uma infra-estrutura material que pode permitir a construção de uma biocivilização que ama a vida em todas as suas formas, que convive pacificamente com as diferenças, dotada de incrível capacidade de integrar e de sintetizar os mais diferentes dados e valores. 
É neste contexto que Souza Lima associa a refundação do Brasil às promessas de um mundo novo que deve suceder a este que está agonizando, incapaz de projetar qualquer horizonte de esperança para a humanidade. O Brasil poderá ser um nicho gerador de novos sonhos e da possibilidade real de realizá-los em harmonia com a Mãe Terra e aberto a todos os povos.
Leonardo Boff é autor de “Depois de 500 anos, que Brasil queremos, Vozes, Petropolis 2000.
Reproduzido do blog do autor.